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Empresas não ‘protegem’ trabalhadores da inflação

Empresas não ‘protegem’ trabalhadores da inflação

Salários - Degradação do poder de compra está a acentuar-se, mas poucas empresas estão a definir medidas de apoio aos trabalhadores

15.07.2022 | Por Cátia Mateus


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Há muitos anos que a inflação não era uma preocupação para os trabalhadores em Portugal. O quadro alterou-se. Esta semana o Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmou uma taxa de inflação de 8,7% em junho, medida pela variação homóloga do Índice de Preços no Consumidor (IPC). Desde dezembro de 1992 que a inflação no país não era tão elevada. Os sindicatos reclamam aumentos intercalares e medidas de apoio imediatas para compensar a perda de poder de compra dos trabalhadores, mas do lado das empresas são poucas as que já adequaram a sua política salarial ao atual contexto. O Expresso fez uma ronda por 35 empresas e associações empresariais de distintos sectores e só cinco admitiram ter já avançado com medidas concretas para mitigar os efeitos da subida da inflação no bolso dos trabalhadores.

As projeções das instituições para evolução da média anual da inflação — tendo em conta o Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) — oscilam entre a estimativa do Governo, de 4%, e a da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que aponta para uma inflação de 6,3% em 2022. Significa isto que um trabalhador que ganhe o salário mínimo, que sofreu um aumento de 6% em janeiro para os atuais €705, poderá ver esse acréscimo ser totalmente ‘engolido’ pela inflação, caso se confirme que esta ficará acima dessa fasquia de 6% este ano. Quanto aos trabalhadores com um salário médio — que no primeiro trimestre de 2022 se fixou (com base nos dados do INE para a remuneração bruta base mensal média) nos €1058, traduzindo um aumento homólogo de 1,6% —, o cenário é idêntico. Apesar do valor da remuneração bruta base média poder ainda aumentar nos próximos trimestres, será muito improvável que o ganho compense a inflação prevista.
Com o Governo a recusar um aumento intercalar de salários na Administração Pública, que poderia gerar um “efeito de contágio” ao sector privado, os sindicatos falam numa “degradação visível e progressiva” das condições de vida dos trabalhadores, como vinca Ana Pires, membro da Comissão Executiva da CGTP, acrescentando ainda que “esta degradação já ninguém a nega, nem mesmo os patrões”.

Sem respostas imediatas

Soraia Duarte, secretária-geral-adjunta da UGT, corrobora: “a generalidade das empresas não está a aplicar aumentos intercalares”. E ao nível de outros apoios pontuais que os empregadores possam estar a atribuir — aumento das ajudas de custo ou de subsídios de refeição, prémios de compensação — diz: “para fazer face às dificuldades atuais e imediatas dos trabalhadores, na generalidade das empresas, não há respostas”.
Isso mesmo parece comprovar a análise realizada pelo Expresso junto de mais de três dezenas de empresas e associações empresariais de sectores de atividade — da indústria, à banca, seguros, saúde, energia e outros —, de onde resulta que apenas uma minoria (cinco empresas) tem já em vigor medidas específicas para mitigar os efeitos da subida da inflação no bolso dos seus trabalhadores. Aumentos salariais intercalares, reforço dos subsídios de refeição e deslocação, prémios extraordinários e possibilidade de teletrabalho são as principais medidas adotadas. Do total de empresas e associações contactadas pelo Expresso, 19 recusaram pronunciar-se sobre o tema. Nas restantes, há quem esteja a preparar a implementação de medidas, quem esteja a “monitorizar a situação” para decisão futura e quem admita não ter nenhuma medida no horizonte.
A Jaba Recordati é uma das empresas que já atuaram. A farmacêutica, que tinha atualizado os salários no início do ano com aumentos de 2% (em linha com a inflação prevista), voltou a aumentar os trabalhadores no final do primeiro trimestre “tendo em conta uma inflação de 4,3%”, confirma ao Expresso Nelson Pires, diretor-executivo da empresa. Além disso, atribuiu “um prémio de €1000 líquidos a todos os colaboradores que não têm remuneração variável, além de um subsídio entre os €50 e os €100 para as deslocações em viatura própria”.

Soraia Duarte, da UGT, recorda que sectores como o dos seguros e energia “a contratação coletiva prevê cláusulas de salvaguarda que permitem renegociar salários quando o aumento fica abaixo da inflação”. É o caso da Fidelidade e da Zurich. O grupo Fidelidade, no âmbito do novo Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) para 2022, assegurou um aumento de 1,6% e “salvaguardou, desde já, para os anos de 2023 e 2024, aumentos sucessivos tendo em conta aquele que venha a ser o IPC registado no ano anterior”, explica fonte oficial ao Expresso. Além disso, “atualizou o valor a pagar nas deslocações em serviço e o valor diário do subsídio de alimentação, para um valor diário superior ao praticado na generalidade das empresas”. Medidas que vigoram além do “Programa NÓS”, criado em 2012 para apoiar trabalhadores que se vejam confrontados com situações inesperadas de necessidade ou carência.
Na Zurich, a revisão do ACT foi concluída em abril deste ano e vigorará até 2024. Tendo em conta o contexto atual, a empresa “introduziu novos grupos funcionais, categorias e enquadramento salarial, com vista a promover novas oportunidades, perspetivas de progressão e respetivas recompensas”, explica Nuno Oliveira, diretor de Recursos Humanos da Zurich Portugal. Em paralelo, está previsto um incremento dos valores de retribuição-base até 2024, “com a particularidade de os valores de cada escalão salarial poderem vir a ser atualizados, tendo como referência a taxa de variação média anual da inflação” e aumentou subsídios de refeição e as contribuições anuais para Plano Individual de Reforma que tem para cada trabalhador.

Medidas na calha

No sector da distribuição, “de modo a minimizar os impactos da atual conjuntura no rendimento disponível dos colaboradores”, a Sonae procedeu ao “aumento do valor do subsídio de alimentação com efeito a partir de julho”, explica fonte oficial da empresa ao Expresso. Já a Jerónimo Martins aumentou, no início do ano, os salários de entrada nas insígnias do grupo entre 7% e 25% e atribuiu um prémio extraordinário de €550 a cerca de 21 mil trabalhadores, garante fonte da empresa. Em cima da mesa está atualmente a revisão salarial nos escalões acima dos salários de entrada, “de modo a manter a diferenciação salarial para as diferentes tipologias de funções de loja”.

A Galp ainda não avançou, mas já prepara medidas. Fonte oficial garante que “a empresa vai implementar mecanismos para ajudar os seus colaboradores encontrando-se em análise o modelo a aplicar”. A atribuição de um prémio extraordinário será uma das medidas, “estando em análise a abrangência do mesmo”. Adicionalmente, está a decorrer “um processo, meritocrático de progressões salariais que leva em consideração o impacto da inflação no rendimento disponível dos colaboradores”.

No grupo Germano de Sousa também ainda não há ainda medidas concretas em vigor. Mas o administrador, Germano de Sousa, confirma ao Expresso que o grupo está a “equacionar, a curto prazo, a atualização dos salários”.

Na banca, os salários foram atualizados em 2022, mas com um percentual abaixo da inflação, na casa dos 1,1%. Foi o caso do BPI e do BCP onde houve aumentos no subsídio de refeição para €10,50/ dia, no âmbito do Acordo Coletivo de Trabalho. Já na CGD, o aumento salarial foi de 0,9%. Nenhum dos bancos está a responder especificamente à subida da inflação a nível salarial. E no que diz respeito a outro tipo de apoios, BPI e BCP confirmaram também não ter apoios em vigor. Algumas instituições (BPI e Santander) continuam a permitir o teletrabalho, nas funções compatíveis, o que, não sendo uma resposta específica à inflação, permite reduzir custos de deslocação.

Nas comunicações, a Altice, que aumentou transversalmente os salários dos trabalhadores em €15, no início de janeiro, não tem nenhuma medida excecional em curso, explica fonte oficial da empresa, admitindo no entanto que a empresa “está a monitorizar o impacto do aumento da inflação na organização”. E “monitorização” é também a estratégia da EDP que, explica fonte oficial, “oferece um pacote salarial e um conjunto de benefícios competitivos” e que vigia “continuamente todas as variáveis macroeconómicas que possam influenciar e impactar a sua estratégia e política de compensação”.

Na indústria, do lado dos têxteis, a diretora-executiva da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, Ana Paula Dinis, admite que dificilmente as empresas estarão a promover aumentos intercalares ou outros apoios, uma vez que “também estão a tentar acomodar aumentos enormes nos custos de energia e das matérias primas”. No calçado, fonte oficial da associação do sector (Apiccaps), diz estar em negociações com os sindicatos para revisão do Contrato Coletivo de Trabalho, não estando a ser implementadas medidas adicionais no sector. Já do lado da indústria automóvel, a Autoeuropa também confirma não ter nada em curso.



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