A ideia parece idílica: trabalhar onde, quando e como quiser e ter um número ilimitado de dias de férias (pagas!) por ano. Bom demais para ser verdade? Talvez, mas a prática que se vulgarizou nas tecnológicas americanas está a ganhar adeptos entre empresas e trabalhadores europeus, sobretudo nos sectores onde é mais difícil contratar e reter trabalhadores. Em Portugal já se pratica e os especialistas sinalizam que o futuro do trabalho passa também por aqui. Mas, atenção: esta “liberdade para descansar” tem riscos associados e não são só para as empresas.
O conceito não é novo, mas tem vindo a ganhar escala nos últimos anos, à medida que as dificuldades de contratação e retenção de talento qualificado se intensificam em sectores muito concorrenciais como as tecnologias de informação ou a área financeira. As empresas começaram a acrescentar a possibilidade de férias pagas ilimitadas ao pacote de benefícios oferecidos aos trabalhadores.
A estratégia pressupõe que os trabalhadores gerem o seu próprio tempo e que as métricas de desempenho estão sustentadas na produtividade e no cumprimento de prazos, e não no número de horas trabalhadas. É o primado da flexibilidade e da cultura de conciliação, bem-estar e saúde mental que está cada vez mais em voga nas empresas.
O banco de investimento Goldman Sachs já o faz, tal como a Netflix. E somam-se também experiências no LinkedIn, Oracle, Twitter, Zoom, Sales Force e outras. As experiências em Portugal são ainda residuais, mas existem. O mais comum, explica o especialista em gestão de carreira e recrutamento de executivos e diretor- -geral da Stanton Chase, José Bancaleiro, “é não haver controle de férias ou folgas a partir de determinado nível de responsabilidade”. E explica porquê: “Em regra, estes profissionais com cargos de responsabilidade são pessoas que muitas vezes vão de férias mas não desligam por completo da empresa, mantendo-se operacionais a resolver problemas ou até interrompendo as férias. Ou seja, não faz sentido controlar o seu descanso quando dele necessitam.”
O descanso enquanto ativo de negócio
Mas há quem vá além disto e aplique o benefício das férias ilimitadas a todos os profissionais. É o caso da financeira tecnológica Fidel API, que tem escritórios e Lisboa, Nova Iorque e Londres e que há muito concede o benefício das férias ilimitadas remuneradas aos seus profissionais. “Confiamos nas pessoas e no seu sentido de responsabilidade. E essa confiança é uma mensagem muito importante que passamos à equipa”, explica ao Expresso André Elias, cofundador da Fidel API.
A empresa não tem controle de férias, nem de horários de entrada e saída. “Colocar demasiado controlo sobre horas trabalhadas não é eficiente, no nosso ponto de vista”, realça. André Elias explica que “a empresa tem objetivos e metas de expansão muito agressivas” e, por isso, “é fundamental para a saúde mental destes profissionais, a quem pedimos muito, que possam descansar quando sentirem necessidade”.
O receio de que a liberdade se traduzisse num abuso e toda a gente começasse a tirar longos períodos de férias foi ponderado, “mas não se verifica”, garante. “A produtividade aumentou significativamente e no balanço que fazemos no final do ano — onde analisamos os dias de férias gozados versus a produtividade e o desempenho de cada colaborador — o que percebemos é que é as pessoas tiram mais ou menos os mesmos dias de férias.”
André Elias não tem dúvidas de que a gestão focada no controlo dos tempos de trabalho “é uma coisa ultrapassada”. Mas reconhece que culturas empresariais centradas na flexibilidade — onde se enquadra o conceito das férias ilimitadas pagas — exigem dos trabalhadores uma disciplina maior na gestão dos seus horários. A ideia não é que as pessoas trabalhem dia e noite para poderem tirar dias adicionais de férias. E esse é o maior dos riscos deste sistema. “É preciso saber equilibrar isto para que o conceito funcione e não se alcance um estado de burnout [esgotamento profissional]”, vinca.
“A experiência mostra-nos que o desempenho das pessoas e a sua produtividade diminuiu ao fim de muito tempo sem férias. Trabalhadores exaustos e desgastados física e psicologicamente não são produtivos”, reforça, acrescentando que “a empresa incentiva as pessoas a tirarem férias trimestralmente porque isso é importante para a sua saúde mental, motivação e para aquilo que entregam à empresa”. Uma tendência que, acredita, não tardará a entrar na rotina dos gestores e líderes empresariais.
VÍCIOS E VIRTUDES DO MODELO
Vantagens
- Melhora a cultura empresarial. O trabalhador ao sentir que a empresa confia nele assume maior compromisso e motivação.
- Aumenta a produtividade.
- Facilita a conciliação familiar.
- Diminui os riscos de esgotamento profissional e reforça o bem-estar.
- Potencia a atração e retenção de talento.
Desvantagens
- Pode gerar desequilíbrios entre os trabalhadores que tiram muitas férias e os que nem gozam o que a lei determina.
- Empresa tem de acautelar que as equipas funcionam bem mesmo em situações em que muitos profissionais estão ausentes.
- Exige mudanças na cultura de gestão. O foco tem de ser na produtividade e não nas horas trabalhadas.