Mesmo sem o aumento de atividade que se esperava com as obras do PRR e com a normalização da convivência com a covid-19, a pressão está a acentuar-se sobre os salários e o emprego no sector da construção e obras públicas.
Com uma enorme falta de mão de obra, as empresas estão a aumentar salários e regalias, “para evitar que os trabalhadores sejam ‘roubados’ à porta da obra”, como explica um gestor. O INE revelou esta semana que os índices relativos ao emprego e às remunerações na construção apresentaram aumentos homólogos de 2,5% e 8,8%, respetivamente, em abril (ver gráficos). Face a março, o índice de emprego cresceu 0,2% e o índice de remunerações diminuiu 1,6%. Sob pano de fundo, um crescimento do
Índice de Produção Industrial de 3,7%, menos 0,7 pontos percentuais do que o apurado no mês anterior (+4,4%). A evolução é positiva tanto na construção de edifícios — motor do sector nos últimos anos — como nas obras públicas. Neste segmento, o volume de
obras lançado e de contratos assinados regista recuos da ordem dos 60%.
“O índice relativo ao emprego regista uma evolução positiva de 2,5% e continua a revelar um crescimento inferior ao verificado tanto no índice de produção como no índice de remunerações, refletindo as dificuldades das empresas com o problema da falta de mão de obra qualificada”, nota Manuel Reis Campos. O presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN) lembra que dos 284.407 desempregados nos centros de emprego do IEFP, 27.325 eram oriundos do sector da construção e do imobiliário. E salienta que está identificada a falta de 80 mil trabalhadores no sector. “Tendo em consideração investimentos como os previstos no PRR em domínios como a habitação, perspetiva- se um crescimento sustentado da produção ao longo dos próximos
anos, exigindo-se profissionais com perfis técnicos ajustados”, afirma.
A pressão dos salários é alimentada, sobretudo, pela construção de edifícios, segmento mais exigente em volume de mão de obra e em especialização. A carência de mão de obra que afeta quer trabalhadores especializados quer os indiferenciados leva a que, em zonas como Lisboa, Porto ou Algarve, não se consiga contratar um servente por menos de €850, quando tradicionalmente ganhava o ordenado mínimo, referem fontes do sector. Na prática, as mesmas fontes referem que não existe desemprego Faltam 80 mil trabalhadores na construção FOTO GETTY IMAGES EMPREGO no sector. “O que cria dinâmicas de atração e retenção da força de trabalho muito exigentes. Os salários aumentaram mais nos últimos dois anos do que nos 10 anos anteriores”, explica José Rui Meneses e Castro. O administrador da MAP Engenharia adianta que a empresa já aumentou, em média, 7% os salários este ano e procedeu à distribuição de resultados pelos trabalhadores, a que corresponde entre um e dois salários além dos 14 habituais. Além disso, pôs em prática outros incentivos. Entre várias empresas contactadas pelo Expresso, umas aumentaram já entre 5% e 10% os salários este ano para toda a equipa e outras optaram por prémios e remunerações variáveis.
“Persiste um claro desfasamento entre a procura e a oferta no mercado do trabalho, e por isso temos defendido medidas concretas, como a reorientação da formação profissional, tirando partido dos centros de formação de excelência do sector, o CICCOPN e o CENFIC”, salienta Reis Campos. O responsável inclui ainda a promoção da mobilidade transnacional da mão de obra, para permitir às empresas fazer uma gestão mais dinâmica e eficiente dos seus recursos humanos.
Os custos de construção nova em abril cresceram 14,3%, segundo o INE, alimentados por um disparo de 20,3% nos materiais e de 5,8% nos salários.