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“A precariedade é o maior inimigo do emprego”

“A precariedade é o maior inimigo do emprego”

É de imediato o seu nome que nos surge quando pensamos em grandes defensores dos direitos dos trabalhadores. Num ano em que milhares de pessoas foram profundamente afectadas pela crise económica, Carvalho da Silva, líder da CGTP alerta para o unilateralismo patronal, o aumento das tensões entre patrões e empregados e a desvalorização da juventude, “a quem tentam convencer que o mundo só tem condições provisórias para lhes oferecer”.
29.04.2010 | Por Marisa Antunes


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Como avalia a actual situação dos trabalhadores, neste contexto de crise?
É uma situação muito difícil… Estamos a viver um contexto em que as marcas dolorosas do emprego, a baixa qualidade desse mesmo emprego, a precariedade, a redução dos salários de muitos trabalhadores, o aumento da desigualdade, o agravamento da pobreza, constituem referências muito fortes da situação que se vive no mundo do trabalho. Não só dos trabalhadores actuais mas também dos que não são activos momentaneamente e daqueles que já estão na reforma. A própria Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhece que este prolongamento da crise tem como causas fundamentais a redução da retribuição do trabalho que está a acontecer de múltiplas formas: primeiro pela pressão que é feita sobre os trabalhadores para a redução dos salários do ponto de vista objectivo, mas também por cortes crescentes que vão surgindo desde subsídios de turno a trabalho nocturno… Há mil e uma formas por onde se tem reduzido o trabalho… Há milhares de trabalhadores que estão a trabalhar mais horas para terem o mesmo rendimento. A OIT fala ainda numa segunda causa e que tem a ver com o aumento generalizado da precariedade. A precariedade é o maior inimigo do emprego. E a terceira razão que se reflecte nos problemas que os trabalhadores se debatem tem a ver com os lucros que vão sendo obtidos desta fase da chamada pós-crise ou pós explosão da crise. Os lucros que foram obtidos no sub-sector financeiro e no sub-sector económico e na sua grande parte estão a ser apropriados pelos accionistas. Não há o reinvestimento que deveria haver.

De que forma afecta a sociedade?
Isto cria uma situação de bloqueio do desenvolvimento da sociedade. Esta situação muito difícil levou os trabalhadores a pagarem uma factura que não é deles. Não foram eles que contribuíram para esta situação. Este desequilíbrio resulta do descalabro provocado pela especulação financeira, pelo fundamentalismo financeiro e pela utilização manipulada do emprego e não pelo nível dos salários ou da prestação social das pessoas. Não é porque os trabalhadores receberam demais que se está a viver a crise que se vive. Antes pelo contrário. Se tivesse havido uma mais justa distribuição da riqueza, de certeza que não estaríamos nesta crise.

Referiu há pouco que a precariedade é o pior inimigo do trabalhador. Isto acaba por ter efeitos directos no relacionamento com a entidade patronal…
Assistimos hoje a uma maior dependência face ao poder patronal. Tem aumentado o unilateralismo na relação de trabalho. O unilateralismo patronal. As relações já não são estabelecidas em pé de igualdade. Quando se lança um olhar genérico das precariedades de trabalho mostram-nos os trabalhadores numa situação sempre provisória. A palavra provisório é talvez a palavra que mais marca a juventude. Para os jovens, do ponto de vista objectivo tudo é provisório. E do ponto de vista conceptual, tentam convencê-los que o mundo só tem condições provisórias. Isso leva a que hoje em dia, um jovem tenha sobre as actividades profissionais, quando as encontra, a noção de que é provisória. Ele não vê aquilo como algo que lhe vai sustentar uma vida e portanto também não parte para uma vida de forma sustentada, de forma equilibrada. Tudo é provisório na base de uma manipulação de que tudo está a mudar a todo o momento e que ninguém controla as mudanças. Isso é mentira. O que há é uma manipulação das mudanças…

Com consequências graves nas relações laborais…
Isso tem levado os trabalhadores a uma maior dependência. Quando ouvimos os argumentos sobre o mérito, sobre a qualidade, a flexibilidade, é colocado um conjunto de argumentos como ‘inevitáveis', fundamentados pela entidade patronal. Quando se fala de flexibilidade, nunca é criado o espaço para o trabalhador poder criar a flexibilidade que lhe interessa. O que é colocada é a flexibilidade que o económico impõe. Neste relacionamento, eu direi que as relações do trabalho estão subjugadas aos fundamentalismos económicos e têm sido empobrecidas na sua dimensão social, cultural e política. Mas o trabalho não tem só dimensões económicas. Se fosse tudo submetido ao económico nunca teríamos saído do trabalho escravo. Este é o primeiro grande traço.

 Que outros destaca?
Há outros dois registos. Existem no país, milhares e milhares de empresas em que os trabalhadores fazem um esforço para em situações de maior aperto ajudarem a empresa. Às vezes, esse esforço é traído. Há ainda um terceiro traço. Quer pelo efeito do unilateralismo, quer pelo efeito das traições que são feitas aos trabalhadores, nós caminhamos inexoravelmente - a continuarem as actuais políticas -, para um aumento de tensões nas relações do trabalho.

Que medidas gostaria de ver implementadas a curto prazo?
Quatro, essencialmente. A primeira é o reforço de protecção de quem está numa situação de grande fragilidade: os desempregados e os pensionistas que têm rendimentos muito baixos. Gente que trabalhou muitos anos ou que trabalha actualmente, 10 ou 12 horas por dia e estão em risco de pobreza. É preciso um reforço de protecção a estas pessoas. A segunda medida tem a ver com a resposta aos perigos de ruptura que aí temos: de agravamento da situação económica, de desarticulação dos serviços do Estado, da acentuação de endividamento do País. Isto leva-nos a uma segunda medida – a uma estratégia de desenvolvimento. Nós estamos agora num contexto de globalização e não vamos ter no futuro o mesmo cenário que tivemos nas últimas décadas. Portugal tem de olhar para as suas potencialidades. A terceira é a valorização da juventude e a travagem da precariedade. Não podemos dizer aos jovens que o seu futuro vai ser pior que o dos seus pais. Isto é uma negação do futuro. A juventude tem direito a outras condições. E ligado a esta medida vem uma quarta e que é a recentragem do valor do trabalho, ou seja, é preciso recentrar o valor do salário. O salário não é um subsídio de subsistência. E ainda recentrar o controlo sobre o tempo. O tempo é o bem mais precioso que temos depois da saúde. Tem de existir uma outra distribuição da riqueza nesta recentragem do valor do trabalho, bem com a procura de objectividade e de utilidade a uma componente muito importante e que é a formação dos jovens e a formação contínua.



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