Como avalia a actual situação dos trabalhadores, neste contexto de crise?
É uma situação muito difícil… Estamos a viver um contexto em que as marcas dolorosas do emprego, a baixa qualidade desse mesmo emprego, a precariedade, a redução dos salários de muitos trabalhadores, o aumento da desigualdade, o agravamento da pobreza, constituem referências muito fortes da situação que se vive no mundo do trabalho. Não só dos trabalhadores actuais mas também dos que não são activos momentaneamente e daqueles que já estão na reforma. A própria Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhece que este prolongamento da crise tem como causas fundamentais a redução da retribuição do trabalho que está a acontecer de múltiplas formas: primeiro pela pressão que é feita sobre os trabalhadores para a redução dos salários do ponto de vista objectivo, mas também por cortes crescentes que vão surgindo desde subsídios de turno a trabalho nocturno… Há mil e uma formas por onde se tem reduzido o trabalho… Há milhares de trabalhadores que estão a trabalhar mais horas para terem o mesmo rendimento. A OIT fala ainda numa segunda causa e que tem a ver com o aumento generalizado da precariedade. A precariedade é o maior inimigo do emprego. E a terceira razão que se reflecte nos problemas que os trabalhadores se debatem tem a ver com os lucros que vão sendo obtidos desta fase da chamada pós-crise ou pós explosão da crise. Os lucros que foram obtidos no sub-sector financeiro e no sub-sector económico e na sua grande parte estão a ser apropriados pelos accionistas. Não há o reinvestimento que deveria haver.
De que forma afecta a sociedade?
Isto cria uma situação de bloqueio do desenvolvimento da sociedade. Esta situação muito difícil levou os trabalhadores a pagarem uma factura que não é deles. Não foram eles que contribuíram para esta situação. Este desequilíbrio resulta do descalabro provocado pela especulação financeira, pelo fundamentalismo financeiro e pela utilização manipulada do emprego e não pelo nível dos salários ou da prestação social das pessoas. Não é porque os trabalhadores receberam demais que se está a viver a crise que se vive. Antes pelo contrário. Se tivesse havido uma mais justa distribuição da riqueza, de certeza que não estaríamos nesta crise.
Referiu há pouco que a precariedade é o pior inimigo do trabalhador. Isto acaba por ter efeitos directos no relacionamento com a entidade patronal…
Assistimos hoje a uma maior dependência face ao poder patronal. Tem aumentado o unilateralismo na relação de trabalho. O unilateralismo patronal. As relações já não são estabelecidas em pé de igualdade. Quando se lança um olhar genérico das precariedades de trabalho mostram-nos os trabalhadores numa situação sempre provisória. A palavra provisório é talvez a palavra que mais marca a juventude. Para os jovens, do ponto de vista objectivo tudo é provisório. E do ponto de vista conceptual, tentam convencê-los que o mundo só tem condições provisórias. Isso leva a que hoje em dia, um jovem tenha sobre as actividades profissionais, quando as encontra, a noção de que é provisória. Ele não vê aquilo como algo que lhe vai sustentar uma vida e portanto também não parte para uma vida de forma sustentada, de forma equilibrada. Tudo é provisório na base de uma manipulação de que tudo está a mudar a todo o momento e que ninguém controla as mudanças. Isso é mentira. O que há é uma manipulação das mudanças…
Com consequências graves nas relações laborais…
Isso tem levado os trabalhadores a uma maior dependência. Quando ouvimos os argumentos sobre o mérito, sobre a qualidade, a flexibilidade, é colocado um conjunto de argumentos como ‘inevitáveis', fundamentados pela entidade patronal. Quando se fala de flexibilidade, nunca é criado o espaço para o trabalhador poder criar a flexibilidade que lhe interessa. O que é colocada é a flexibilidade que o económico impõe. Neste relacionamento, eu direi que as relações do trabalho estão subjugadas aos fundamentalismos económicos e têm sido empobrecidas na sua dimensão social, cultural e política. Mas o trabalho não tem só dimensões económicas. Se fosse tudo submetido ao económico nunca teríamos saído do trabalho escravo. Este é o primeiro grande traço.
Que outros destaca?
Há outros dois registos. Existem no país, milhares e milhares de empresas em que os trabalhadores fazem um esforço para em situações de maior aperto ajudarem a empresa. Às vezes, esse esforço é traído. Há ainda um terceiro traço. Quer pelo efeito do unilateralismo, quer pelo efeito das traições que são feitas aos trabalhadores, nós caminhamos inexoravelmente - a continuarem as actuais políticas -, para um aumento de tensões nas relações do trabalho.
Que medidas gostaria de ver implementadas a curto prazo?
Quatro, essencialmente. A primeira é o reforço de protecção de quem está numa situação de grande fragilidade: os desempregados e os pensionistas que têm rendimentos muito baixos. Gente que trabalhou muitos anos ou que trabalha actualmente, 10 ou 12 horas por dia e estão em risco de pobreza. É preciso um reforço de protecção a estas pessoas. A segunda medida tem a ver com a resposta aos perigos de ruptura que aí temos: de agravamento da situação económica, de desarticulação dos serviços do Estado, da acentuação de endividamento do País. Isto leva-nos a uma segunda medida – a uma estratégia de desenvolvimento. Nós estamos agora num contexto de globalização e não vamos ter no futuro o mesmo cenário que tivemos nas últimas décadas. Portugal tem de olhar para as suas potencialidades. A terceira é a valorização da juventude e a travagem da precariedade. Não podemos dizer aos jovens que o seu futuro vai ser pior que o dos seus pais. Isto é uma negação do futuro. A juventude tem direito a outras condições. E ligado a esta medida vem uma quarta e que é a recentragem do valor do trabalho, ou seja, é preciso recentrar o valor do salário. O salário não é um subsídio de subsistência. E ainda recentrar o controlo sobre o tempo. O tempo é o bem mais precioso que temos depois da saúde. Tem de existir uma outra distribuição da riqueza nesta recentragem do valor do trabalho, bem com a procura de objectividade e de utilidade a uma componente muito importante e que é a formação dos jovens e a formação contínua.