Data emblemática do movimento operário, o 1º de Maio – Dia do Trabalhador – foi criado em homenagem ao protesto de operários de Chicago, nos finais do século XIX. Em Portugal ele é talvez o maior símbolo do hastear da bandeira do sindicalismo. Numa altura em que no país já se bateram todos os records do desemprego, a precariedade não cessa de crescer e o fantasma da crise mundial teima em não desaparecer, este será provavelmente o mais sentido 1º de Maio dos últimos anos. Época de questionar que sentido fazem hoje as grandes reivindicações que nortearam a essência desde dia e quais os grandes desafios para o futuro em matéria de relação com o patronato.
Em 1886, no primeiro dia de Maio, foi declarada uma greve geral em Chicago que foi duramente reprimida pela polícia, com lutas de rua entre operários e polícias, tendo resultado nalgumas mortes. «A celebração do 1.º de Maio como dia do trabalhador foi estabelecida em 1889 pela Internacional Socialista, reunida em Paris, em homenagem às lutas reivindicativas pelas oito horas de jornada de trabalho – quando ainda se trabalhavam 13 ou mesmo 16 horas por dia - e contra as condições desumanas em que trabalhavam os operários de Chicago, o mais importante pólo industrial dos EUA», conta Elísio Estanque, coordenador do Núcleo de Estudos do Trabalho e Sindicalismo do Centro de Estudos Sociais, da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Este dia foi pela primeira vez assinalado no ano seguinte, em 1890.
Com todos estes acontecimentos o movimento operário foi conquistando algumas concessões e direitos. Como refere o especialista, «as causas mais importantes das lutas do operariado sempre foram a redução do horário de trabalho, o aumento de salários e a melhoria das condições de trabalho» . Em finais do século XIX a luta pela redução do horário laboral era prioritária e os sindicatos invocavam a fórmula do dia dividido em três períodos: oito horas para trabalhar, oito para repouso e oito para tempo livre.
Mas em pleno século XXI qual é a essência deste dia e que valores e príncipios fazem ainda sentido actualmente? «Hoje em dia, muitas das conquistas alcançadas pelos trabalhadores estão em processo de regressão» , revela Elísio Estanque. Acrescenta que as actuais tendências podem vir a conduzir a um novo período de protestos e lutas sociais nos próximos tempos. É que o aumento das dificuldades, a quebra do poder de compra e a perda de direitos por parte da força de trabalho, podem originar novas ondas de convulsão sociolaboral. Isto «caso as políticas de privatização, a flexibilização e obsessão lucrativa continuem a traduzir-se no aumento de sacrifícios para a classe trabalhadora, incluindo a classe média e o funcionalismo público» , salienta o coordenador do Núcleo de Estudos do Trabalho e Sindicalismo do Centro de Estudos Sociais. Na actual conjuntura o Dia do Trabalhador tende a voltar a ser «mais de luta e resistência dos trabalhadores do que propriamente um dia de festa e celebração» , finaliza Elísio Estanque.
Ainda no domínio da actualidade deste dia, Paulo Pereira de Almeida, coordenador da pós-graduação em sindicalismo e relações laborais do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e coordenador do Observatório Português de Boas Práticas Laborais, considera que o 1.º de Maio continua a fazer todo o sentido. «Enquanto Dia do Trabalhador tem hoje toda a actualidade, num contexto de dumping social, de um conjunto de economias emergentes em que tarda o reconhecimento das garantias de um trabalho decente para milhões de pessoas, e numa situação de instabilidade dos mercados de trabalho» , salienta Paulo Pereira de Almeida. Na sua perspectiva este dia deve ser aproveitado para uma sensibilização dos trabalhadores e dos governos para as preocupações laborais.
Em dois estudos que conduziu acerca do sindicalismo e das relações laborais, o professor do ISCTE verificou que 60% dos trabalhadores tem uma imagem muito positiva dos sindicatos. «O 1.º de Maio deverá ser aproveitado para marcar a diferença, para os sindicatos mostrarem que são um dos pilares da democracia» , refere Paulo Pereira de Almeida. Sendo esta uma data simbólica e com sindicatos mais actuantes, poderia ser uma data aproveitada para marketing junto da população em geral o que seria muito importante para captar novos sindicalizados.
Relato do 1.º de Maio de 1974
Há 36 anos Portugal parou para as comemorações do 1.º de Maio. O Estado Novo tinha terminado e a celebração do Dia do Trabalhador, pela primeira vez feriado nacional, funcionou como a consagração popular da liberdade recém-adquirida. José Ernesto Cartaxo tinha 30 anos na altura e conta como foi viver esse dia. «O 1.º de Maio de 1974 foi algo indescritível» , revela. A fábrica em que trabalhava, como técnico de manutenção, fechou e José Ernesto Cartaxo saiu para a rua com os colegas, em representação do seu local de trabalho. «Viemos com um pano enorme e nas ruas, toda a gente se abraçava comovida. Para mim foi a consagração popular daquilo que os militares tinham feito no 25 de Abril» , explica. Lembra que «o povo unido jamais será vencido» foi a palavra de ordem mais gritada, juntamente com muitos outros slogans. Quanto às reivindicações da altura, conta que eram: o aumento dos salários, a institucionalização do salário mínimo nacional que veio a acontecer pouco tempo depois, o direito à greve, de manifestação, de liberdade sindical, entre outros. «As reivindicações correspondiam aos anseios de quem se manifestava» , salienta.
Em 1975 José Ernesto Cartaxo abraçou a actividade sindical, como presidente do sindicato dos metalúrgicos de Lisboa e manteve cargos nesta área até 2008. Na sua opinião «horários e salários são duas reivindicações centrais ao longo da história» . Actualmente acrescenta, «estamos numa fase de retrocesso civilizacional em que estas duas reivindicações continuam a fazer sentido» .