“Estamos desesperada e constantemente à procura de profissionais. Se houvesse 150 pessoas disponíveis, com as características de que precisamos, contratávamos todas.” É assim que Pedro Malheiro descreve o momento atual do grupo de investimento que criou em 2015, o E.Gen Ventures. Mas encontrar profissionais aptos a gerar mais-valia — e ideias — nas áreas da tecnologia e da gestão nunca foi tão difícil.
Sacos de boxe, ténis de mesa
Na área tecnológica, a luta pelo talento é feroz, ao ponto de o ecossistema ver-se obrigado a disputar recursos humanos ‘taco a taco’. “Já não se procuram pessoas que sejam autómatos, numa lógica industrial, mas alguém que traga boas ideias, que ajudem as empresas a ser melhores e a vender mais. Até valorizamos capacidades como saber tocar um instrumento ou praticar desporto. Queremos pessoas com competências multidisciplinares, porque, no fundo, as tecnologias são apenas um meio para atingir um fim”, analisa Pedro Malheiro.
Nesta busca exigente, perdem, por vezes, as organizações com nomes menos sonantes, mas também têm hipótese de se destacar pelo ambiente de trabalho ou pelas boas práticas na gestão de recursos humanos. “Chegámos a ter pessoas interessadas em trabalhar connosco porque achavam que estávamos sempre em festa”, relata o empreendedor. A E.Gen, empresa-mãe, funciona em canal aberto com as diferentes startups que apoia. Para todos, cervejas ao final da tarde, murros em sacos de boxe, despiques no ténis de mesa, fintas no futsal ou passeios de barco não são estranhos ao ambiente profissional. Futilidades? “Estas coisas são precisas para desbloquear”, defende Pedro Malheiro.
O mesmo se aplica a horários e espaços de trabalho. “Sou muito mais produtivo à noite, e por isso prolongo-as a trabalhar, mas nas grandes empresas em que estive tinha de estar de volta às nove da manhã”, recorda o engenheiro. Assim que cofundou a Edge Innovation (o ponto de partida para o atual grupo E.Gen), em 2006, pôs ‘os pontos nos is’ quanto a regras e obrigações: “O que me interessa é cumprir objetivos. Se se é mais produtivo em casa ou noutro sítio, é-me indiferente”, analisa, justificando que a liberdade de escolha tem repercussões positivas na produtividade.
“Espírito Edge”
Criado em 2015, o grupo E.Gen integra hoje seis empresas, desde os domínios do software ao design. São elas a Edge, a e.Near, a Driven, a Designsete, a Outfit e a Heaboo, algumas com uma forte presença em mercados externos, muitas distinguidas pelo ambiente interno. A Edge, por exemplo, foi considerada pela revista “Exame” “Melhor Empresa para Trabalhar em Portugal” tanto no plano das tecnologias de informação como para a geração millennial (nascida durante os anos 80). Segundo o gestor, “todas as empresas têm o ‘espírito Edge’”, até porque os diretores e outros profissionais de topo das diferentes startups passaram primeiro por esta tecnológica.
Ao mesmo tempo, todos os braços do grupo estão conectados, como explica o empresário-aglutinador: “Há uma comunicação e reuniões regulares entre todos. Por vezes, há três empresas a participar no mesmo projeto.” Além do financiamento essencial para catapultar negócios — a faturação anual do grupo supera os €10 milhões —, o departamento central de Serviços Partilhados é responsável pela ‘massa burocrática’ e pela gestão global de recursos humanos, “para que as startups possam focar-se exclusivamente no negócio, que é o mais importante”, lembra Pedro Malheiro.
“Quem não der tudo está condenado”
Pedro Malheiro, Diretor-executivo da E.Gen Ventures
Os 36 anos poderiam denunciar pouca experiência, mas pelas mãos deste investidor, que criou a primeira empresa aos 19 anos, já passaram muitos êxitos e falhas, todos “essenciais ao crescimento”.
Como percebe um investidor que uma ideia pode gerar negócio?
A primeira questão é não olhar para a ideia, mas para quem está à frente dela. Se o empreendedor não estiver disposto a dar tudo, está condenado. Acredito que 95% das pessoas que têm um emprego e aproveitam as horas vagas para desenvolver um projeto falham. Mas também é preciso saber lidar com a falha e olhar para a frente. Não é fácil, porque em Portugal falhar pode significar ficarem-nos com a casa, o carro, tudo, o Estado vai atrás de tudo. Por outro lado, é preciso ser capaz de ver oportunidades nas dificuldades e de não ficar agarrado a uma ideia fixa, para conseguir adaptá-la ao mercado. A ideia deve ser simples e testada rapidamente, porque pode ser a melhor ideia para o seu criador mas não para o resto do mundo.
Nas empresas de base tecnológica, são necessárias competências de engenharia, mas também de comunicação e gestão. Os engenheiros têm-nas?
Nem sempre, mas as coisas estão a mudar. No [Instituto Superior] Técnico, trabalhávamos em salas sem janelas. Só por aí percebe-se que a nossa criatividade não poderia ser gigante. Depois, os engenheiros têm altos índices de introspeção: passamos o tempo a conversar com máquinas. Mas tem havido investimento por parte das universidades na organização de outras atividades, como apresentações públicas ou organização de eventos. E todo este movimento atual tem transformado os nerds numa coisa cool.
E na gestão? Há dificuldades?
Nesse aspeto, ter uma base de engenharia é muito importante, porque ajuda a desenhar um plano de negócios. A maior dificuldade existe quanto à inteligência emocional, que é muito importante na gestão de pessoas. Sempre estive habituado a comunicar com homens, engenheiros, e quando contratei a primeira mulher, psicóloga, fi-la chorar várias vezes, porque não sabia comunicar com ela. Hoje sei que há outras formas de dizer: “Isto não está bom.”
Foto Tiago Miranda