Dos seis emigrantes portugueses no Reino Unido com quem o Expresso falou entre terça e quinta-feira desta semana, nenhum pondera mudar de país nos próximos tempos. “Tenho um trabalho que me traz uma enorme satisfação, onde me sinto valorizada e respeitada”, anota Graciela Correia, enfermeira há oito anos em Londres. “Espero continuar por mais uns tempos”, declara João Michel Nobre, técnico de radiologia. Abandonar o Reino Unido? “Não”, responde, perentório, Vasco Mendes, engenheiro eletrotécnico. Apenas Miguel Ferreira, chefe de vendas na área financeira, começa a sentir a cabeça fora da ilha. “Cada vez menos me sinto próximo do Reino Unido. E sair não é uma ideia assim tão remota”, admite.
Fixaram-se mais perto deste pensamento as respostas de 792 trabalhadores estrangeiros — 36% da amostra — quando a Deloitte lhes perguntou se consideravam a hipótese de sair do Reino Unido. Mais aguda é a vontade de partir, num prazo de cinco anos, dos profissionais altamente qualificados que compõem o mercado britânico: entre os cidadãos da União Europeia, 47% pensam prosseguir a carreira noutro país; a percentagem desce para 38% quanto aos nascidos fora dos 28 Estados-membros.
As conclusões foram avançadas esta semana pela consultora (britânica) Deloitte, a partir das respostas de 2200 trabalhadores, numa “tentativa de perceber como a mistura vital de competências multinacionais do Reino Unido poderá alterar-se nos próximos cinco anos”.
As razões para que os trabalhadores estrangeiros, hoje mais de três milhões, ponderem abandonar um dos destinos mais procurados em termos de emprego “são provavelmente muitas e complexas”, avisa o estudo. Embora a emigração portuguesa para o Reino Unido tenha caído 5% entre 2015 e 2016, continuamos a assumir a sexta maior presença no Estado insular. Ainda assim, “a incerteza sobre os critérios que permitirão a permanência no Reino Unido” está na base de um sentimento de instabilidade, informa a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. “Sempre que há alguma novidade no processo regista-se um pico” na procura de informações por parte dos portugueses junto dos consulados-gerais (o Consulado Geral de Portugal em Londres criou uma linha especial para o esclarecimento de dúvidas — brexit.cglondres@mne.pt — e tenta manter a comunidade portuguesa informada através das suas plataformas online). A necessidade ou não de passaporte para viajar ou “a transferência dos descontos feitos para Portugal se decidirem regressar” ao país são questões frequentes, aponta a Secretaria.
Se, para alguns, as consequências do Brexit exigem apenas um exercício de adaptação, para muitos “a incerteza é terrível”, como descreve Miguel Ferreira. “As pessoas têm vidas estabelecidas aqui, família, crianças a estudar, raízes. Se, de repente, têm de pedir residência e ela é recusada, os alicerces das suas vidas desmoronam-se. Para profissionais como eu, com carreiras em vários países, há uma maior mobilidade e adaptabilidade. Mudar é um incómodo, mas não uma tragédia.”
Operários, doutores, aventureiros
Se a comunidade mais antiga e tradicional de portugueses na área consular de Londres se dedica sobretudo aos pequenos comércio e indústria, a vaga de emigração mais recente reparte-se por dois subgrupos: “quadros qualificados, de executivos de bancos, fundos de cobertura (hedge funds) e grandes empresas, passando por profissionais liberais, entre juristas, arquitetos, designers, profissionais das artes e espetáculos, médicos e enfermeiros até investigadores científicos (um terço dos investigadores portugueses no estrangeiro encontra-se no Reino Unido), doutorandos e pós-doutorados”, retrata a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. São os tais trabalhadores altamente qualificados que, segundo o estudo da Deloitte, não querem ver-se a braços com a incerteza.
Existe, ainda, um outro núcleo de profissionais que emigraram “um pouco à aventura e que encontram colocação, na maioria das vezes, de carácter precário, como empregados de hotel, cozinheiros ou ajudantes de cozinha, empregados de mesa, empregados de limpeza, motoristas, mecânicos, jardineiros, embaladores de produtos hortícolas, trabalhadores nos serviços de apoio aos grandes aeroportos”. Para todos, o futuro é isto, como resume João Michel Nobre: “Não se sabe muito bem para onde a negociação pode ir. Até lá, é continuar a ser feliz e a fazer por isso.”