Glória Rebelo*
ENCONTRANDO-SE o mercado de trabalho nacional condicionado por fenómenos como a competitividade global, a deslocalização do trabalho, as constantes mutações tecnológicas, questões como saber antecipar a mudança organizacional (através da capacidade de resposta a necessidades em mutação dos clientes/mercado) colocam-se de forma premente às empresas actuais, confrontando-as com a necessidade de construir uma concepção da estratégia empresarial assente, máxime num conceito estratégico da actual Gestão de Recursos Humanos (GRH): a «flexibilidade ofensiva».
É frequente ler-se que os portugueses estão entre os trabalhadores mais insatisfeitos e desmotivados da Europa, sendo os factores responsáveis por esta situação os fracos incentivos (remuneratórios e outros) e a falta de envolvimento e/ou participação no trabalho. Ora, em resposta a este problema — e procurando conciliar as exigências de um mercado de trabalho que se quer, simultaneamente, flexível e atento a fenómenos como a mudança tecnológica e a deslocalização do trabalho — é preciso, em nosso entendimento, que os actores sociais compreendam e aceitem a importância do conceito de Gestão pela Competência na gestão das pessoas.
Este conceito desenvolvido na última década em toda a Europa e nos Estados Unidos da América passa pelo reconhecimento da necessidade de identificação de um referencial de competências em cada organização mas também pelo reconhecimento do alargamento do leque de competências individuais dos trabalhadores e o reconhecimento das experiências de trabalho adquiridas ao longo da sua vida profissional. Trata-se de um modelo de GRH que propõe estabelecer — através de um compromisso duradouro entre as partes na relação de trabalho, acompanhado por premissas de estabilidade contratual — um maior envolvimento e participação que permitam um enriquecimento quer dos trabalhadores quer das empresas que os empregam.
Todos conhecemos como a rupturas contratuais (os despedimentos colectivos, as extinções de posto de trabalho ou as revogações por mútuo acordo) acabam, em geral... em drama social. Além disso, representam um verdadeiro quebra-cabeças para os poderes públicos na medida em que muitas destas situações não são, posteriormente, compensadas por criação de emprego que permita a absorção destes desempregados comprometendo a médio prazo a necessidade de um desenvolvimento económico e social equilibrado.
Ora qual a singularidade deste modelo de gestão das pessoas? Através deste modelo as empresas devem procurar — antecipando certas dificuldades conjunturais e/ou maiores solicitações do mercado — sensibilizar os seus trabalhadores para a necessidade da mudança e, eventualmente, de reconversão. Assim para esta nova abordagem são factores determinantes a promoção, junto dos trabalhadores, do exercício da autonomia e a procura de formação, assim como a co-responsabilização pelo sucesso da empresa (nomeadamente através de um maior envolvimento com a empresa) e, por seu turno, o compromisso dos empregadores/empresas em facultar formação e recursos de suporte ao desenvolvimento profissional dos trabalhadores, validando (e reconhecendo) o seu alargamento de competências.
Partindo do pressuposto central de que neste paradigma de gestão é à empresa que compete referenciar, validar e fazer evoluir as competências dos seus trabalhadores, há que distinguir entre o reconhecimento a um «percurso mínimo de carreira» (garantido por patamares mínimos de remuneração para a actividade desempenhada, no sentido de evitar ou eliminar potenciais situações internas de exclusão) e, paralelamente, o reconhecimento a um «direito a um percurso profissional qualificado» associado à ideia de aumento de remuneração em função das competências adquiridas. Trata-se, portanto, da implementação nas empresas de modelos assentes na Gestão pela Competência que exigem a concomitante aplicação de um modelo de remuneração baseado num sistema meritocrático no qual, em nosso entender, deverá assumir relevância fundamental a retribuição mista (composta por uma parte de remuneração certa e outra de remuneração variável), isto tudo no respeito pelo estabelecimento de patamares mínimos de garantia.
Dito de outra forma: uma vez que no plano da Gestão pela Competência o que conta é a mobilização efectiva das competências concretas do trabalhador (em benefício quer da empresa quer também do próprio trabalhador), numa situação de trabalho necessariamente dinâmica, a remuneração deve igualmente ser encarada de forma dinâmica, exigindo o reconhecimento do mérito do trabalhador (assente em instrumento de avaliação de desempenho). Este reconhecimento normativo pode efectuar-se a três níveis: ou por lei (determinando níveis mínimos garantidos) ou por instrumentos de regulamentação colectiva (v.g., convenções colectivas ou regulamentos de condições mínimas) que estabelecem tabelas de remunerações onde consagram mínimos de retribuição para as profissões ou, ainda, por regulamentos internos de empresa, que proponham tabelas salariais para a empresa.
Se através de uma relação «duradoura e evolutiva» é possível implementar uma organização qualificante, ou seja, uma organização capaz de responder às solicitações e/ou pressões exteriores por meio de adaptações sucessivas, este modelo da Gestão pela Competência — que se baseia no reconhecimento de capacidades operatórias gerais das pessoas possibilitando o reconhecimento da sua criatividade, iniciativa e mérito — representa assim uma verdadeira reconfiguração da lógica gestionária própria dos recursos humanos.
Interessante será saber de que modo esta lógica da Gestão pela Competência poderá ser compreendida e absorvida pelos processos de contratação colectiva que se desenvolvem e/ou avizinham. Até que ponto os parceiros sociais compreenderão as virtudes inerentes a uma lógica de gestão — assente numa nova forma de conceber e de organizar o trabalho — é uma questão a que só as iminentes negociações entre parceiros poderão, portanto, responder.
*Professora universitária e investigadora