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“A escassez de talento qualificado é o maior desafio atual”

“A escassez de talento qualificado é o maior desafio atual”

Alistair Cox - Presidente-executivo da Hays

30.09.2022 | Por Cátia Mateus


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No rescaldo da crise pandémica e com uma crise económica e energética global no horizonte, Alistair Cox, o presidente-executivo (CEO) da consultora de recrutamento Hays, falou ao Expresso sobre os desafios do mercado de trabalho. Com uma revisão da legislação  laboral em marcha no país, Cox fala da necessidade de garantir previsibilidade à economia e aos empregadores e defende que o caminho para lidar com a incerteza do mercado é investir no que nos torna profissionais relevantes: a formação.

P - Dois anos de pandemia testaram a capacidade de resiliência de empresas e profissionais. Enfrentamos agora uma crise económica. Estamos preparados ou fragilizados?
R - Nunca pensei que alguma vez fosse ver um conflito militar na Europa. Cresci a pensar que tínhamos retirado as devidas lições do passado. Claramente isso deixou de ser verdade. Mas, quando olho para o negócio da Hays, e apesar de tudo o que estamos a viver — conflito militar, violência, inflação, crise energética e alimentar —, ao dia de hoje, as intenções e necessidades de contratação das empresas continuam muito fortes e a disponibilidade dos candidatos para mudar de emprego também. Seria fácil assumir que o negócio do recrutamento está a ser negativamente impactado de alguma forma, mas não o sentimos ainda e acho que somos resilientes.

P -Essa resiliência do mercado de trabalho foi conquistada na pandemia? Diz que o sector do recrutamento teve o seu melhor ano de sempre em 2021...
R - A pandemia e os períodos de confinamento foram a maior experiência social que nós, profissionais e líderes, poderíamos ter vivido. Já tínhamos enfrentado períodos de recessão, mas nunca uma pandemia global. E a forma como respondemos a este desafio foi notável. Nós, Hays e muitas outras empresas, migrámos toda uma estrutura para trabalho remoto do dia para a noite, garantindo que tudo continuaria a funcionar. Foi uma mudança enorme, num quadro altamente desafiante, de grande incerteza, do qual retirámos muitas lições para o futuro. É difícil imaginar-me sentado aqui no passado com o mercado tão forte e dinâmico como está hoje. Pensar em como estávamos há dois anos é quase como entrar numa outra era. De uma forma incrível o negócio adaptou-se a nível global. Há seis a nove meses foi a ‘loucura’, com os países a sair da pandemia e o mercado de trabalho a recrutar como nunca tínhamos visto. Acabámos de fechar o nosso ano financeiro e foi um ótimo ano, o melhor ano. Em Portugal, 2021 foi o nosso melhor ano de sempre.

P - Vai manter-se assim, apesar do atual contexto económico?
R - Acredito que se repetirá este ano. Estamos a terminar de fechar as contas do primeiro semestre e apontam nesse sentido. Agora, eu não tenho uma bola de cristal, e não sei o que está ao virar da esquina. O que sei é que quando olho para toda a atividade da empresa, para o número de vagas para os quais estamos a procurar candidatos, para o número de candidatos com quem estamos a falar e a entrevistar, são níveis de atividade muito elevados.

P - O que pode mudar este cenário?
R - O negócio do recrutamento é muito volátil, muda muito rapidamente, tanto para melhor como para pior. O que significa que esta aparente resiliência que conquistámos na pandemia, pode mudar. O que me preocupa é como os países, as economias e as empresas vão reagir à crise energética neste inverno e à continua subida da inflação. Na Alemanha, o nosso maior mercado, a indústria está a discutir estas questões com o Governo. Se não se encontrarem soluções, estaremos perante um desafio económico gigante, que nunca enfrentámos. Ninguém sabe como as coisas vão evoluir nos próximos meses. Mas o que diria é que este cenário, em si, não vai limitar a procura por profissionais. O mundo tem tanta escassez de profissionais qualificados, que mesmo que a crise 
energética nos trouxesse um inverno difícil em termos económicos — com limitações à produção e outras —, não deixaríamos de ter necessidade de recrutar. Os sectores que contratam profissionais qualificados são, em regra, os mais resilientes a desafios de ordem económica.

P - Qual é o maior desafio do mercado de trabalho atual?
R - É essa escassez de talento qualificado, que é generalizada. Portugal é um exemplo: não tem profissionais suficientes com as competências que hoje são críticas às empresas. É um problema que afeta vários sectores, embora na área tecnológica o cenário seja  particularmente difícil. Olho para o emprego tecnológico que tem sido criado no país e simplesmente não há profissionais suficientes para preencher essas vagas. O maior desafio, não só em Portugal como noutros países, é fazer com que mais pessoas tenham acesso a formação e reconversão profissional.

P - Esse caminho está a ser feito?
R - Muitos Governos defendem que é essencial capacitar os profissionais com as competências que as empresas necessitam ou reconvertê-los para áreas onde há escassez de talento. No entanto, não disponibilizam essa formação que consideram essencial e, muito  menos, pagam por ela. Eu gostava que mais Governos olhassem para esta questão com a importância que ela, de facto, tem. Portugal é um dos países onde o Governo tem trabalhado neste sentido. Mas atenção: a questão da formação não é uma responsabilidade que caiba apenas aos Governos. Trabalhadores e empregadores também têm de saber analisar o mercado e encontrar soluções.

P - Que tipo de soluções?
R - A Hays realizou recentemente um estudo global — o Learning Mindset — onde inquirimos milhares de empregadores e trabalhadores em todo o mundo para perceber como se posicionam em relação à formação: se têm acesso nas empresas, se é adequada ao que precisam e a empresa precisa, se é necessário mais. Concluímos que há uma desadequação entre o que é oferecido para empresas e o que os trabalhadores sentem que necessitam ou que é relevante para a sua função. Esta dinâmica de qualificação permanente é  uma tendência que veio para ficar, mas não acho que o mundo empresarial tenha interiorizado esta realidade. Persiste ainda a mentalidade de que um jovem tem de ir para a universidade, tirar um curso, encontrar emprego nessa área e seguir a mesma carreira  durante 40 anos. Isto já não existe. Os profissionais vão mudar de carreira e de emprego ene vezes e vão precisar de atualizar competências a cada nova mudança. A tecnologia evolui e inventa coisas novas todos os dias, as ciências da vida fazem novas descobertas 
a cada dia. Esse é o mundo em que nos movemos e para o qual temos de estar preparados.

P - Fala dos jovens: arriscamos perder o potencial desta geração, em que muitos exercem funções abaixo das suas qualificações ou estão no desemprego?
R - No Reino Unido, de onde venho, há uma percentagem grande de jovens licenciados a exercer funções abaixo das suas qualificações. Vejo isso em muitos países. Mas também há uma enorme quantidade de vagas de emprego para funções altamente qualificadas e bem remuneradas, para as quais não conseguimos contratar, em níveis de entrada. O que diria é que os profissionais — jovens e menos jovens — precisam de chamar a si a responsabilidade de perceber o que se passa no mercado de trabalho. As pessoas precisam  de ter a capacidade de analisar se estão na carreira certa e, se sentirem que não, perceber que tipo de formação têm de fazer para serem competitivos e relevantes nas áreas onde as empresas contratam.

P - Em Portugal o desemprego está em mínimos. Vai manter-se assim?
R - É difícil de antecipar. Mas tal como nos negócios, também nas carreiras, a melhor forma de lidar com a incerteza é investir naquilo que nos torna competitivos. Invisto no meu negócio hoje, para que me possa manter competitivo se o contexto se agravar no futuro. Portugal, acho, fez um bom trabalho nos últimos anos para se posicionar como um destino atrativo para investimento estrangeiro. No fim do dia é isso que conta. Se Portugal se continuar a focar em formar talento altamente qualificado, flexível e  competitivo em termos de custo, mesmo não sendo o maior país do mundo, continuará a ser uma janela de oportunidade para as empresas e, consequentemente, para o emprego. Porque é sempre preciso quem ligue as luzes, quem continue a gerir as plataformas tecnológicas, quem descubra novos medicamentos. Pode demorar mais tempo, mas as coisas continuam a precisar de ser feitas. E não nos podemos esquecer que o mundo do trabalho pós-pandémico descobriu que é possível fazer quase tudo a partir de qualquer  lugar.

P - Portugal prepara alterações à Lei do Trabalho. As mudanças podem limitar a sua atratividade para as empresas?
R - Estamos muito atentos à forma como a legislação laboral evolui nos países onde atuamos. No Reino Unido, o legislador sentiu necessidade de clarificar os limites e estreitar regras para os trabalhadores independentes. Os vários países estão, de algum modo, a  olhar agora para a regulação das novas formas de trabalho. Em regra, tudo gira à volta da fiscalidade e impostos: se são verdadeiros prestadores de serviços é uma coisa, se são trabalhadores permanentes é outra coisa. É isso que vejo que pode estar na base de uma decisão de mudança da legislação laboral aqui. A força de trabalho portuguesa é muito vibrante na área da prestação de serviços para profissionais qualificados, e há ainda oportunidades de crescimento. Estamos atentos à legislação, mas este nicho dos  prestadores de serviços qualificados é um pilar central da nossa estratégia futura para Portugal.

P - Qual é o fator que determina o sucesso de uma economia e a sua capacidade de resiliência?
R - O sucesso económico é determinado pelo valor que é criado no sector privado. Defendo que criar um ambiente no qual o sector privado possa planear, investir e prosperar é o caminho para garante o sucesso e a resiliência da economia às crises. Isto consegue-se  com legislação adequada e estável, capaz de promover o investimento, a criação de emprego qualificado e a competitividade. Para cimentar é preciso criar um ecossistema tecnológico capaz, um sistema educativo forte — este é o passaporte para o sucesso  económico, só há sucesso económico quando há sucesso individual — e promover uma constante qualificação. A licenciatura é apenas o primeiro passo para aquilo que tem de ser uma missão de aprendizagem ao longo da vida. Todos estes aspetos estimulam o  crescimento e competitividade do sector privado e, consequentemente, da economia. O mundo dos negócios é muito bom a lidar com o que quer seja, desde que saiba com o que está a lidar. Dar previsibilidade à economia é fundamental para garantir o seu sucesso.  A pandemia antecipou a saída do mercado de trabalho de muitos profissionais seniores. O CEO da Hays defende que é preciso trazê-los de volta, mostrar-lhes que há lugar para eles nas empresas e que são parte da solução para as dificuldades de contratação atuais.

P - Fala muito na escassez de talento. Os profissionais seniores, já fora do mercado, podem ser uma solução?
R - Seguramente. Não sei se esta foi a realidade em Portugal, mas no Reino Unido, durante a pandemia e após, muitos profissionais mais experientes avançaram para a reforma. Decidiram que não queria voltaram ao trabalho depois da pandemia, e que tinham poupado o suficiente para viver sem trabalhar.

P - Isso antes da inflação...
R - A grande questão é essa. A inflação não existia quando eles fizeram contas para perceber se as suas poupanças eram suficientes. A verdade é que mais meio milhão de profissionais seniores saíram do mercado de trabalho antecipadamente nos últimos dois anos. O Reino Unido tem atualmente 1,3 milhões de vagas de emprego por preencher. Ou seja, precisamos que os seniores voltem ao mercado de trabalho. Precisamos de os trazer de volta para as empresas. Eles podem querer voltar, ou podem ter de voltar por  necessidade, devido à alteração do contexto económico. Independentemente disso, todos temos um trabalho a fazer para lhes mostrar que precisamos deles.

P - Não deixa de ser um contrassenso. Muitos destes profissionais queixam-se do pouco valor que as empresas dão à experiência...
R - Preocupa-me isso. Essa ideia de que muitos dos que se reformaram interiorizaram que não são relevantes para o mercado de trabalho atual, ou porque não têm as competências necessárias, ou porque não podem trabalhar cinco dias por semana. De alguma forma convenceram-se de que nenhum empregador os quererá e isso não é de todo verdade. Todos precisamos destes perfis mais seniores, sobretudo porque têm experiência. Podemos formá-los em novas áreas, novas práticas porque são “mente aberta”,  mas têm décadas de experiência que não pode, e não deve, ser desperdiçada. Precisamos dela. 

P - Trazê-los de volta implicará reformular as políticas de gestão?
R - Sim, é possível. É preciso que os gestores reconheçam que estes profissionais podem precisar de um tipo diferente de contrato ou até de rotina laboral. Talvez precisem de uma maior flexibilidade na gestão do seu tempo, de modo a acompanhar parentes idosos ou crianças. Portanto, se queremos tirar partido do seu contributo, temos de arranjar alternativas e equilibrar práticas, para lhes mostrar que há lugar para eles e que as empresas querem que eles regressem. 

P - Trabalho remoto, liderança remota, demissões em massa, despedimento silencioso. Qual é a tendência que se segue?
R - Acho que a única coisa que poderemos esperar com grande certeza é que tudo continuará a mudar. O que temos de fazer é aprender a adaptar-nos a um ambiente de constante mudança, que exige humildade e agilidade para sermos capazes de navegar o que quer que surja.



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