Em seis anos, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) acomodou cerca de 30 mil novos profissionais, um reforço significativo (corresponde a 19% dos mais de 152 mil trabalhadores atuais) que obrigou a mais despesa mas não teve o reflexo desejado na produtividade — em queda contínua — nem no controlo do custo médio por serviço, que se mantém numa trajetória ascendente.
O retrato está no “Relatório de Primavera 2022”, do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), constituído por uma rede de investigadores e instituições académicas, que produz, desde 2001, este documento. Existem 152.257 profissionais no SNS, na maioria enfermeiros.
Com a pandemia, as contratações foram flexibilizadas para responder às necessidades emergentes. Mas antes da covid-19 havia regressado a jornada de 35 horas de trabalho semanais dos enfermeiros, a que se somou a limitação das horas de urgência por parte dos médicos com mais de 55 anos.
O acréscimo de recursos humanos “tem sido a principal fonte de crescimento da despesa do SNS”, de €9130 milhões em 2016 para €12.386 milhões. São mais €3256 milhões, dos quais €1353 milhões (42%) refletem custos com pessoal, um valor superior ao impacto nas contas públicas com a aquisição de medicamentos e de dispositivos médicos, que respondem por €733 milhões (23%). A subida do preço das horas extraordinárias — cortado durante a troika —, a recuperação salarial e o (lento) descongelamento das carreiras são outras mudanças negativas para o orçamento da saúde.
A pandemia não explica tudo
A queda na produtividade implica uma análise mais fina. “Desde 2016 que os relatos de falta de profissionais no terreno têm sido contínuos, levando, inclusive, a ameaças de demissão de diretores de serviços de vários hospitais públicos, queixas e desmotivação por parte dos profissionais e insatisfação dos utentes com os tempos de espera”, escreve o OPSS, cenário a que não escapou o verão de 2022, marcado por uma crise ao nível dos cuidados urgentes de obstetrícia.
Para entender o fenómeno, o observatório fez “um exercício simples, até um pouco simplista”: calculou o número total de serviços prestados, que dividiu pelo total de profissionais do SNS, para cada ano. Foi aferido também o valor da produtividade, nomeadamente o número anual médio de serviços por cada profissional do SNS e o custo médio por serviço, dividindo a despesa total do SNS pelo número total de serviços produzidos.
O OPSS ressalva que estas contas “têm muitas aproximações, pelo que a interpretação dos valores deve ser cautelosa”. No entanto, “parece” que estamos perante uma diminuição contínua da produtividade e o aumento contínuo do custo médio por ato praticado, destaca. Ou seja, a contratação de mais profissionais não se tem traduzido numa subida proporcional dos atos praticados, “aumentando, em paralelo, os custos dos mesmos” — cenário que piorou durante a pandemia, mas cuja “tendência negativa já era observada”.
Tempestade perfeita
Não é “de esperar que a substituição [de profissionais] seja perfeita e que todas as atividades continuem ao mesmo ritmo e com a mesma qualidade”. Outra explicação é o aumento das ausências: entre 2015 e 2019, a taxa de absentismo passou de 11,2% para 12,4% e durante a pandemia chegou a trepar mais de 20%. Como exemplo, é apontado o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, que junta o Hospital de Santa Maria e o Hospital Pulido Valente, e que contava em março de 2022 com mais de 6600 profissionais. “Uma taxa de 12% de absentismo significa que, a cada dia, faltam ao serviço cerca de 800 profissionais.”
Por outro lado, a concorrência do sector privado — e as constantes saídas do SNS — pode ter contribuído para “uma excessiva rotatividade e para a destruição das equipas, além da necessidade de contratar profissionais mais jovens e menos experientes” do que aqueles que estão a substituir. E existe outra variável — para a qual faltam dados em Portugal — a ter em conta: o ‘presentismo’, indica o relatório. Em causa está o indivíduo que comparece ao trabalho embora esteja doente e incapaz de funcionar eficazmente.