Ritmos biológicos e trabalho por turnos
Autor: Carlos Fernandes da Silva
Recursos Humanos Magazine Nº 6 Janeiro/Fevereiro 2000
Introdução
Dada a diversidade de definições de "trabalho por turnos"
(TT) e a ausência de consenso neste domínio, optamos por
definir TT como um tipo de organização laboral que visa
assegurar a continuidade da produção (de bens e/ou serviços)
graças à presença de várias equipas que trabalham
em tempos diferentes num mesmo posto de trabalho. Isto é, o TT
inclui tanto os turnos rotativos como os turnos fixos nocturnos.
O trabalho por turnos constitui um problema de saúde ocupacional.
Com efeito, há questões que se relacionam com a higiene
e segurança no trabalho, medicina do trabalho, ergonomia e psicossociologia
das organizações. São diversos os estudos que mostram
uma associação entre TT e acidentes de trabalho, TT e absentismo,
TT e perturbações gastro-intestinais, TT e perturbações
do humor, TT e perturbações do sono.
No trabalho de F. Lemos, publicado na Psiquiatria Clínica, volume
15 e nº 4, de 1994, lê-se que a incidência de perturbações
da quantidade e da qualidade do sono em trabalhadores por turnos é
da ordem dos 60%. Relativamente à quantidade de sono, os trabalhadores
dormem, em média, entre 4 a 7 horas (privação crónica).
No que diz respeito à qualidade, os trabalhadores queixam-se de
despertar precoce, interferência de factores ambientais (ruído,
por ex.) e muitos sonhos, sobretudo quando dormem nas horas em que a propensão
para o sono REM (rapid eye movement) é maior (habitualmente entre
as 8h e as 13 horas), e cansaço ao despertar.
Relativamente às perturbações gastro-intestinais,
os trabalhadores referem frequentemente gastralgias, flatulência,
dispepsia, colites e alterações do apetite. As úlceras
gastro-duodenais são frequentes. Muitos estudos têm mostrado
que as úlceras digestivas radiologicamente confirmadas são
mais frequentes nos trabalhadores por turnos do que nos diurnos.
Relativamente à doença coronária não tem havido
consenso.
Contudo, estudos mais recentes de natureza longitudinal sugerem que o
TT está associado de modo consistente com diversos factores de
risco das doenças cardíacas coronárias (ex.: aumento
do consumo de tabaco, diminuição do consumo de fibras e
aumento em 45% no consumo de sacarose). O estudo realizado por Knutsson
("Shift work and coronary disease", 1989, Karolinsk Institute)
permite concluir que há três vias major na relação
TT-doença coronária: modificações comportamentais,
ritmicidade socio-temporal perturbada e perturbações nos
ritmos fisiológicos e/ou colisão entre ritmos circadianos
e desempenho cardíaco. No que concerne aos efeitos psicológicos,
a fadiga crónica, as alterações do humor (irritabilidade),
problemas graves de vigilância (a que se associam acidentes de trabalho)
e mal-estar são as principais queixas. I. Bulhões, no seu
trabalho "Risco do trabalho em enfermagem" (1994, Rio de Janeiro:
Folha Caripca Editora), faz referência a estudos realizados em 1985
em hospitais franceses, por Estryn Behar, que mostram que 72% das licenças
prolongadas em enfermeiros que trabalhavam por turnos eram devidas a problemas
psiquiátricos e nervosos.
O trabalho pioneiro (em Portugal) de Maria Helena Pinto de Azevedo (dissertação
de doutoramento pela Faculdade de Medicina de Coimbra, "Efeitos psicológicos
do trabalho por turnos em mulheres", 1980) fornece dados epidemiológicos
muito interessantes acerca do impacto do TT na saúde dos trabalhadores,
a par de uma incomparável e profunda reflexão com implicações
científicas e técnicas.
Se, para além desses factos, tivermos em conta que cerca de 29%
da população activa trabalha por turnos, os efeitos da intolerância
ao TT assumem relevância em termos de saúde ocupacional.
A relevância aumenta quando consideramos as profissões envolvidas,
bem como o grau de responsabilidade que exigem e as implicações
para os consumidores dos bens e serviços: médicos, enfermeiros,
polícias, tripulantes de aeronaves, de navios e transportes públicos
rodoviários e ferroviários, controladores de tráfego,
trabalhadores de centrais nucleares, de fábricas, etc..
Fonte RHM (continua)