Pequenos génios
Manuela da Silva é uma lutadora
nata. Durante toda a vida defendeu uma causa e foram vários os centros
que fundou, tudo em nome de uma minoria com uma importância crucial:
os sobredotados. Um diploma com um "Muito Bom" pouco lhe diz.
Isto porque os seus centros servem para os apoiar e não para os avaliar.
Qual é a sua formação
académica e profissional?
Tenho formação em Germânicas e tirei uma especialização
na área da sobredotação há 16 anos, na Universidade
da Florida nos Estados Unidos. Comecei essa temática em 1986, fiz
essa formação em 1988 e 89 e estive sempre a dar aulas.
O centro não tem apoios até porque nem há legislação
em Portugal sobre sobredotados, eles são não existentes.
Fala-se de crianças com capacidades acima da média mas não
se fala em sobredotados, eles só constam da legislação
de Macau e da Madeira, é como se no resto do país não
existissem sobredotados.
Como foi a fundação do centro?
Fundei o centro CPICIL - Centro para a Criatividade Inovação
e Liderança - em 1989, com um conjunto de pessoas. Não tive
grandes apoios económicos mas os pais foram chegando o que foi
um apoio e um incentivo para continuar. Eu pertencia a outra associação
que em 88 fechou e criámos esta aqui em Lisboa para trabalharmos
directamente com as crianças.
Tivemos a preocupação de funcionar com programas de apoio
adaptados a elas e de apoiar os pais que foram os primeiros a sentirem-se
motivados e a incentivarem a associação. Para além
do Centro de Lisboa, fundei um na Mealhada que serve o norte e o centro
do país e depois a Anéis em Braga.
Como se determina se uma criança é
sobredotada?
Para se detectar se uma criança é sobredotada temos que
reparar o que é que ela faz mais depressa, melhor e de maneira
diferente das crianças da sua idade.
A sobredotação é um conceito relativamente recente,
vem da segunda metade do século XX, porque na primeira metade falava-se
em génios. Por volta da década de 50, com o aparecimento
de várias teorias, deixou-se de falar em génios, porque
génio é aquele que aparece e altera o rumo do conhecimento
e são muito raros.
Existem muitas capacidades, tais como inteligência criativa e produtiva,
artes visuais, psicomotricidade e também liderança. Cada
vez que aparece uma situação complicada na humanidade, há
pessoas que têm a capacidade de se aperceberem desse problema tentando
resolvê-lo. Assim vão despoletar o aparecimento de uma nova
área do conhecimento. Por exemplo, hoje em dia está a estudar-se
a inteligência ambientalista e um dos indivíduos que deu
origem ao estudo foi o Comandante Cousteau.
Em termos práticos quais são os sinais
que indiciam que uma criança é sobredotada?
Se a criança é sobredotada na área cognitiva, é
uma criança que tem um bom vocabulário, tem uma expressão
verbal muito fluente, aprende a ler com facilidade, ou tem um raciocínio
lógico muito elevado. Pode ser muito bom por exemplo no desenho,
ter um bom traço. Se for, por exemplo, uma criança sobredotada
na liderança é muito perspicaz, tem uma excelente memória
e uma personalidade muito forte. Normalmente são designados por
chantagistas, manipuladores, e são indivíduos que têm
realmente capacidades extraordinárias. O problema é que
por vezes seguem uma linha negativa, podem vir a ser políticos
ou empresários, mas muitas vezes acabam na marginalidade, porque
a liderança não é muito considerada, é combatida
mesmo pelos pais, porque apesar da criança ter uma personalidade
muito forte, acham que ela tem de obedecer, e muitas vezes só encontra
na marginalidade a valorização da sua liderança.
Se for uma criança com a chamada inteligência emocional,
gosta de dialogar, consegue encontrar consenso, tem grande facilidade
em estar com os outros, sente empatia, conhece-se bem, está bem
consigo próprio e não tem problemas existenciais, além
de ser uma criança extremamente sensitiva. São pessoas que
espalham a paz à sua volta, porque a têm em si. Se for, por
exemplo, dotado na área da psicomotricidade seguirá o exemplo
de uma Rosa Mota ou de um Carlos Lopes, porque têm uma capacidade
física acima da média.
Há duas novas áreas que são a ambientalista e a existencialista.
Nesta última as pessoas são espiritualmente muito fortes,
sentem tudo de uma forma muito profunda e muito aguda, são pessoas
sensitivas.
Tem alguma história particularmente marcante?
Houve um miúdo que os pais trouxeram ao centro quando tinha três
anos.
O miúdo era de facto espectacular, quando abria a boca dizia coisas
absolutamente espantosas para a idade dele, como por exemplo os advérbios
em mente, aplicados correctamente, estilo adequadamente, intempestivamente,
mas só falava se lhe perguntassem, apesar disso quase todas as
outras áreas estavam baixas.
Com três anos, aprendeu sozinho a ler e passava a vida a ler , mas
não saia da cadeira, não brincava com o irmão e também
não tinha criatividade nem capacidade de se relacionar com os outros.
Em três anos fez o primeiro ciclo e aos 8 anos já estava
a entrar no segundo, nesses anos o que se trabalhou mais foram as áreas
em que ele estava mais necessitado, psicomotricidade e relacionamento.
Que programas costuma fazer com as crianças?
Fazemos um programa mensalmente e nesses programas gosto muito de canalizá-los
para o futuro. Como vai ser o futuro? O que é que não existe
que eles acham que faz falta? E saem ideias absolutamente espantosas.
Fazemos também passeios, intercâmbio, trabalhos temáticos,
estimulação da criatividade e comunicação.
Além disso, porque somos o Centro para a Criatividade Inovação
e Liderança, investimos muito nestes três factores. Fazemos
actividades fora de portas, de observação de orientação
e acima de tudo ensinamo-los a terem confiança nas suas ideias,
há um espaço onde as ideias deles, por mais incríveis
que sejam, são aceites.
O QI é importante para determinar
a sobredotação de alguém?
O QI só nos dá a indicação de que a criança
está apta a funcionar em termos de escola, de memória, de
capacidade de atenção.
Depois é inversamente proporcional à idade, ou seja, ele
é tanto mais alto quanto mais novo se é; à medida
que se cresce vai baixando. Há problemas quando o pensamento criativo
suplanta o cognitivo.
Quais os seus projectos para o futuro?
Agora convidaram-me para criar um espaço de atendimento a estas
crianças nos arredores de Lisboa, para trabalho directo com as
crianças e especialização das mesmas, investir nas
áreas fortes de uma forma mais aprofundada e mais prática
e específica, dar-lhes mais conhecimentos nessas temáticas
e fazê-los avançar. São objectivos diferentes do CPICIL.
Foi um desgaste muito grande porque estivemos cerca de treze anos a lutar
sozinhos. Uma das nossas vitórias foi termos conseguido que, neste
momento, as crianças possam entrar mais cedo na escola, com 5 anos,
o que possibilita que os miúdos cheguem ao 10º ano com 14
anos.
CPCIL - Contactos
Zona Norte e Centro: 231 205773
Zona Sul e Grande Lisboa: 21 7169481
E-mail: cpcil@yahoo.com
Site:
http://www.terravista.pt/nazare/4908/cpcil6.html
AF