Há quem seja valorizado pela sua determinação, capacidade em superar obstáculos e dedicação. Há quem tenha tal preocupação com o desempenho profissional que seja capaz de abdicar de momentos de lazer com a família ou amigos em detrimento do trabalho. Nada de muito preocupante, se tudo isto for bem doseado. É que a fronteira entre ser um bom profissional, exemplar e motivador aos olhos de uma equipa, e ser considerado um workaholic (viciado no trabalho) é cada vez mais ténue. Estima-se que 10% da população portuguesa seja viciada no trabalho. Gente para quem a actividade profissional é tudo e ter uma mera semana de férias constitui uma fonte de sofrimento e angustia.
Teresa S. (nome fictício) tem 34 anos, nunca se separa da sua agenda, dos dois telemóveis e do pequeno portátil que a acompanha. É mãe de duas filhas e reconhece que gostava que o seu dia tivesse 48 horas para concretizar tudo o que necessita “e talvez fosse pouco”. A jovem advogada confessa ter noção que tem uma “relação de apego excessivo ao trabalho”. Integra uma importante sociedade de advogados e diz que se habituou a este ritmo acelerado logo durante o estágio. “Vencer nesta profissão não é fácil, por muito bom que se seja. Há momentos em que se não estamos, perdemos o comboio, por isso é importante estar”, frisa. Por este empenho em manter-se activa e presente mesmo quando não está a trabalhar paga um preço elevado: perde tempo de qualidade com a família e sente que a sua saúde já acusa o cansaço. Teresa chega a dormir apenas 4 horas por noite e não se lembra de um fim-de-semana em que não tenha mexido no portátil para tratar de coisas de trabalho. Distúrbios do sono, stress, ansiedade, queda de cabelo, arritmia e, recentemente, uma úlcera são patologias que conhece bem. Se se considera uma workaholic ? Sorri e diz que não. “O que gosto é muito do que faço e a minha profissão é demasiadamente importante para mim”, argumenta.
Teresa S. é apenas um exemplo daquilo que a psicóloga Isabel Silva considera ser um padrão característico das camadas mais jovens da população laboral. “O número de profissionais dependentes do trabalho tem vindo a crescer e este problema tem-se tornado muito evidente entre o sexo feminino, fruto de uma luta prolongada pela valorização profissional e pelo acesso a lugares de chefia”, enfatiza. Segundo a psicóloga, “estes wokaholics são, maioritariamente, jovens profissionais na casa dos 30 com profissões liberais ou cargos de topo na área da gestão, direito, marketing e publicidade, comunicação social, medicina ou na área financeira, em muito agravado pela adversidade da conjuntura económica actual”.
Diz Isabel Silva que “à semelhança de outros aditos, os viciados em trabalho também demoram a reconhecer que têm uma relação problemática com o trabalho e a procurar ou aceitar ajuda”. Segundo a psicóloga, “regra geral justificam esta ligação excessiva ao trabalho, que supera a família, os amigos, os hobbys, dizendo que gostam muito do que fazem”. Isabel Silva diz mesmo que “há quem só reconheça precisar de ajuda e tratamento depois de um grande susto ou depois de toda a vida em seu redor (estrutura familiar, saúde, bem-estar) ter desmoronado. Até porque, em regra, estes profissionais excessivamente dedicados tornam-se indivíduos com problemas de isolamento e dificuldade de relacionamento inter-pessoal”.
Doenças cardíacas, patologias associadas ao sistema digestivo e nervoso, hipertensão, distúrbios alimentares e um número infindável de problemas de saúde físicos e mentais são alguns dos riscos associados à devoção exacerbada o trabalho. Se fica nervoso só de pensar em desligar o computador ou o telemóvel, se está a jantar com os amigos e na sua mente só estão as dezenas de emails que aquela hora já aguardam no computador uma resposta sua, se sente que se irrita com facilidade ou tem mudanças repentinas de humor, sofre de dores de cabeça, fadiga, nervosismo, tensão muscular ou perturbações do sono, então provavelmente será um workaholic e esqueceu-se que há vida além do trabalho.
Você é viciado no trabalho?
A dependência pelo trabalho é tão grave como qualquer outra e pode ter um impacto grave no quotidiano pessoal dos trabalhadores. A associação californiana Workaholics Anonymous ( www.workaholics-anonymous.org ) acredita que tal como noutro tipo de adições é importante reconhecer o problema e procurar ajuda para a alcançar a cura. Para facilitar esta tarefa, concebeu um teste de fácil aplicação que, baseando-se num simples conjunto de perguntas, permite que através de uma curta introspecção o profissional perceba se é ou não viciado no trabalho. A regra é simples: se responder sim a mais de três desta perguntas, você é um workaholic .
.O trabalho entusiasma-o mais facilmente do que qualquer actividade de lazer?
. Leva trabalho para casa, para o fim-de-semana e até para as férias se for caso disso?
. Acha que trabalhar tanto é perfeitamente normal visto que gosta do que faz?
. É hábito colocar o trabalho à frente de compromissos familiares ou com amigos?
. Chega permanentemente atrasado a compromissos pessoais por causa do trabalho?
. Sente receio de perder o emprego ou ser considerado fracassado se não trabalhar tanto?
. Tem dificuldade em delegar tarefas e acha que faz tudo melhor sozinho?
. Irrita-se se o relembrarem que há vida para além do trabalho?
. Trabalha mais de 40 horas semanais?
. Tem dificuldade em aceitar que exista quem tenha outras prioridades além do trabalho?
. Deixa de estar com a família em datas importantes para estar a trabalhar?
. Trabalha durante as refeições?
. Deixa de almoçar ou jantar, várias vezes por semana, por causa do trabalho?
. Não consegue deixar de falar de trabalho mesmo quando está fora dele?
. O trabalho interfere com o tempo que tem livre?
. Já abdicou de algum hobby por causa da sua actividade laboral?
Dicas para combater a dependência
Ultrapassar uma situação de dependência laboral está longe de ser um processo fácil e linear. Mas há algumas estratégias que podem simplificar esse primeiro passo tão difícil de dar. Tome nota de seis pequenos passos que podem fazer milagres por si.
1º Comece por elaborar uma lista das suas prioridades de vida. Faça-o por ordem decrescente de importância.
2º Não prescinda do seu almoço por nada e durante este período, proíba-se de tocar no computador ou de ter qualquer actividade relacionada com trabalho. Tire pelo menos hora e meia para almoçar e relaxar.
3º Determine uma hora para parar de trabalhar. Levar trabalho para casa é a excepção e não pode ser a regra.
4º Reserve um dia da semana para nem sequer ouvir falar de trabalho. Nesse dia fique longe do computador, do telefone de tudo o que diga respeito à sua actividade profissional.
5º Arranje um hobby , algo que goste de fazer e que o ajude a relaxar depois do trabalho.
6º Não prescinda da companhia da sua família e amigos e quando estiver com eles esteja por inteiro, sem ter de se dividir a responder a emails ao fim-de-semana ou a atender chamadas de trabalho. Há tempo para tudo!