Maribela Freitas
SE A CADEIRA em que trabalha
todo o dia lhe provoca dores nas costas ou a posição
do ecrã do computador lhe causa torcicolos, o seu
local de trabalho não foi planeado com base nos princípios
da ergonomia e isso vai reflectir-se na sua produtividade.
Formar e creditar técnicos
nacionais
É com o objectivo de minimizar ou
terminar com o desconforto que a ergonomia actua, na medida em que se
trata de uma ciência que tem por fim adequar os postos de trabalho
e os objectos utilizados no dia-a-dia à fisionomia humana. Percebendo
as interacções do homem com o seu contexto de trabalho,
pode-se melhorar, e muito, o desempenho de todo o sistema.
"A ergonomia é a ciência que tem como objectivo a
compreensão das interacções entre o homem e os outros
elementos de um sistema de trabalho. A profissão de ergonomista
aplica teorias, princípios, dados e métodos para a concepção
de produtos e sistemas de trabalho, visando de forma integrada a saúde,
a segurança e o bem-estar do indivíduo, bem como a eficácia
dos sistemas" - é esta a definição da disciplina
científica que consta no folheto da Faculdade de Motricidade Humana
da Universidade Técnica de Lisboa (FMH/UTL) que apresenta a licenciatura
na área (ver caixa).
Francisco Rebelo, coordenador do departamento de ergonomia da FMH/UTL,
explica que, "nesta ciência, estudamos a forma como o indivíduo
interage com um equipamento em dado contexto de trabalho. Tenho interacções
que faço com um produto e vou compreender essas interacções
e optimizá-las para melhor".
E como é que isto é feito?
De acordo com os especialistas, há que perceber a realidade que
se vive num local de trabalho, ver como os trabalhadores interagem e fazer
um diagnóstico dessas interacções para verificar
o que está errado, sempre balizado por questões de segurança,
bem-estar, conforto e higiene. Por exemplo: é impossível
eliminar completamente os acidentes de trabalho, mas a sua redução
é um dos benefícios da ergonomia.
Para que um local de trabalho seja o mais adequado possível ao
trabalhador, são necessários alguns cuidados. "Há
que compreender quem vai trabalhar, como desempenha a tarefa e porquê,
que equipamentos utiliza e que interacções tem com esse
equipamento. A partir daí, existem comportamentos, desde o postural,
comunicacional, de risco, etc. É necessário compreender
as pessoas e as suas motivações, e isso só pode ser
feito no terreno e para cada caso específico", esclarece
Francisco Rebelo.
No entanto, existem conselhos que é possível dar, mas que,
na opinião do professor, podem não ser suficientes. Num
posto de trabalho informatizado, os pés devem estar assentes no
chão, o teclado mais ou menos à altura dos cotovelos e o
ecrã ao nível dos olhos.
Estes são conselhos básicos que por si só não
chegam, pois há que ter em conta a organização de
trabalho. Por exemplo, estas indicações seriam adequadas
para longos períodos de tempo; para curtos, não seriam eventualmente
necessários tantos cuidados a este nível.
Com o intuito de promover o desenvolvimento científico e a prática
profissional da ergonomia, foi criada em 1992 em Portugal a APERGO - Associação
Portuguesa de Ergonomia. Carlos Fujão, membro da direcção
da APERGO, explica que a associação é única
no país e visa trabalhar para que a profissão consiga cada
vez mais assumir-se como válida e em cada mandato é organizado
um congresso de ergonomia, para a troca de experiências.
Além de membro da APERGO, Carlos Fujão trabalha como ergonomista
numa indústria do ramo automóvel. "Aqui o nosso
trabalho é conseguir que a produtividade da empresa seja alcançada
nos padrões que esta defende, de qualidade e eficácia, respeitando
com a maior amplitude possível a componente que estava mais descuidada:
a de que existe ali um homem que desempenha as tarefas", salienta
Carlos Fujão.
A atenção dos ergonomistas num contexto industrial é
dirigida ao conjunto de tarefas do operador, do ponto de vista de valências
biomecânicas e fisiológicas, no sentido da sua execução
motora. "Existe uma diversidade de factores de risco que necessitam
de ser conhecidos e aos ergonomistas cabe quantificar cada um, que podem
ser desde aspectos posturais até à intensidade de força
utilizada para a execução de uma tarefa. O objectivo é
olhar para o processo de trabalho e ver como pode ser reorganizado para
se tornar mais funcional, confortável e eficiente", explica
Carlos Fujão.
Mas a ergonomia não é apenas aplicada na indústria
ou num escritório. Actualmente a internet é usada para diversos
fins e há que pensar na interacção do homem com os
conteúdos aqui apresentados. É neste domínio que
Ricardo Carvalho trabalha - em ergonomia em sistemas de informação
-, para uma multinacional a operar em Portugal.
Neste campo estudam a interacção do homem com a máquina,
ao nível de "hardware" e "software", e actuam
na sua modificação.
Trabalho acessível
Segundo Ricardo Carvalho, num local de trabalho, os benefícios
de uma melhor adequação dos sistemas de informação
a quem os utiliza vão desde uma maior produtividade até
uma utilização mais rápida e eficiente, que provoca
menos stresse ao trabalhador, passando por tornar as tarefas mais exequíveis
na medida em que a informação contida nos sítios
da internet é de mais fácil acesso.
Mas se um cidadão "normal" tem por vezes dificuldade
em aceder a um sítio na internet, o que dizer de alguém
com uma deficiência. Entramos no domínio da acessibilidade
num sistema de informação. "Há que ter cuidado
na concepção de um 'website', pois este tem de ser acessível
a todos, mais ainda quando o governo coloca muitas funcionalidades ao
serviço do cidadão na internet", salienta Ricardo
Carvalho.
Através de uma parceria entre as empresas Idoc, Tempea e o Portal
de S. Domingos, foi criado o Projecto e-qual. "Queremos demonstrar
que é possível criar postos de trabalho/consulta informáticos
que possam ser utilizados pela generalidade das pessoas, independentemente
das necessidades especiais que possam ter", explica António
Neves, gestor de projecto da Idoc.
O objectivo é criar postos de trabalho universais, utilizáveis
por qualquer pessoa. Para isso há que desenhar e conceber um posto
de trabalho que preveja ergonomia preventiva e pós-traumática,
disponibilizar "hardware" que contemple exigências ergonómicas
preventivas de lesões de trabalho, integrar soluções
de "software" para casos específicos de acesso à
informação, desenvolver um "website" com acessibilidade
para todas as pessoas, não descuidando os acessos adequados aos
edifícios, para quem deles necessita.
Formar e creditar técnicos nacionais
CRIADA em 1988, a licenciatura em ergonomia da Faculdade
de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa (FMH/UTL),
é única no país.Ao todo são quatro anos de
estudo acrescidos de um ano de estágio e de trabalho de projecto.
Disciplinas como trabalho e ergonomia, análise da capacidade de
trabalho, ergonomia do produto, direito do trabalho e cultura ergonómica,
fazem parte do extenso currículo da licenciatura que forma os profissionais
desta área.
Além da licenciatura, a FMH/UTL ministra outras formações
de nível superior como doutoramento, mestrado e pós-gradua-ções.
"Em Outubro vai abrir aqui na nossa universidade uma pós-graduação,
em ergonomia no 'design' de sistemas de informação",
refere Francisco Rebelo, coordenador do departamento de ergonomia desta
instituição de ensino.
Pode ainda seguir-se nesta faculdade um programa de doutoramento ou enveredar
pelo mestrado em ergonomia na segurança no trabalho. Através
do laboratório de ergonomia, a escola tem investido na investigação,
nomeadamente na criação de modelos de trabalho a aplicar
na prática desta ciência.
Além da formação, a FMH/UTL aposta na creditação
a nível europeu dos alunos que forma. "Através do
Centro de Registo do Ergonomista Europeu, um profissional com formação
e experiência tem a possibilidade de ser creditado, o que lhe possibilita
poder trabalhar nesta área em qualquer país europeu",
explica Francisco Rebelo.
O título temde ser renovado de cinco em cinco anose tanto para
a sua obtenção como renovação, o candidato
tem de submeter a apreciação, um dossiê como trabalho
por si desenvolvido.