Ruben Eiras
O SEU maior inimigo no local de trabalho pode não
ser o chefe, mas sim o colega que está sentado mesmo ao seu lado.
É que mais de 70% do assédio moral em Portugal - perseguição
e pressão psicológica no local de trabalho - é perpetrada
por trabalhadores da mesma categoria profissional e não pelas chefias.
Tome nota
Quem o revela é o último estudo da Fundação
Europeia para a Melhoria das Condições de Trabalho, "Prevenir
a violência e o assédio no local de trabalho".
O "fermento" emocional para este comportamento é, provavelmente,
a inveja. De acordo com Mari-France Hirigoyen, psiquiatria e autora do
livro O assédio moral, este fenómeno é suscitado
por um "sentimento invejoso dirigido a alguém que possui
uma característica que os outros não têm, como a beleza,
a qualificação, a juventude, a riqueza ou qualidades de
relacionamento pessoal".
No que diz respeito à realidade portuguesa, a especialista francesa
avança que o facto da perseguição no local no trabalho
ser maioritariamente realizada por colegas de profissão poderá
dever-se ao maior fluxo de licenciados e de feminização
no mercado de trabalho nacional.
A ameaça jovem
"Os recém-licenciados muitas vezes vão
ocupar um posto de trabalho no mesmo nível hierárquico qualificado
ocupado por uma pessoa que não tem estudos. Esta muitas vezes considera-o
como sendo uma ameaça", explica Mari-France Hirigoyen.
Todavia, aquela especialista menciona que também poderá
acontecer o inverso, ou seja, um jovem trabalhador ter como meta conseguir
a todo o custo ocupar a função desempenhada por um colega
com maior antiguidade na empresa.Jorge Marques, presidente da Associação
Portuguesa de Gestores e Técnicos de Recursos Humanos, não
partilha desta análise.
Para aquele responsável, a fragilidade do estilo de liderança
é o factor que fomenta a guerra entre colegas. "O clima
de 'selva' que prevalece no mercado de trabalho nacional impele as pessoas
a fazerem quase tudo para agradarem às chefias, as quais aproveitam
esta atitude e dividem para reinar", argumenta.
Quanto à questão da influência da liderança
nestas situações, Mari-France Hirigoyen sublinha que gerir
conflitos deste género é muito difícil se a escolha
das chefias só se basear na sua competência técnica.
"Um grande número dos responsáveis hierárquicos
não são, de facto, gestores. Muitas vezes designa-se os
que são mais competentes tecnicamente do que aqueles que serão
melhores líderes de pessoas", afirma. A psiquiatra alerta
para o facto de muitas chefias não terem consciência do que
significa animar uma equipa ou dos problemas humanos que implicam as suas
responsabilidades.
"Se não existir um clima de confiança
assente no líder, é impossível ao empregado pedir
ajuda ao superior. Não devido à sua incompetência
a nível profissional, mas à sua falta de sensibilidade e
'diplomacia' emocional para lidar com este tipo de situações",
esclarece.
Por outro lado, Mari-France Hirigoyen salienta que as agressões
psicológicas entre colegas também podem encontrar as suas
causas nas inimizades pessoais ligadas à história de cada
um dos protagonistas ou na competição por um posto de trabalho.
Outra tendência que contribui para o agudizar do conflito psicológico
no mundo laboral é a entrada de mulheres para posições
e segmentos profissionais anteriormente de domínio absoluto do
sexo masculino, originando comportamentos de segregação.
"Quando uma mulher penetra num grupo profissional tradicionalmente
masculino, pode ser difícil de ganhar o respeito", observa
aquela especialista. Geralmente é alvo de "galanterias
grosseiras, gestos obscenos, uma desvalorização de tudo
o que ela possa dizer ou até mesmo de recusas de levar o seu trabalho
em consideração".
Não obstante este cenário, os números mostram que
Portugal é um dos países com menos violência psicológica
no trabalho. De acordo com dados de 2001 da Inspecção Geral
do Trabalho, apenas 0,8% das infracções de segurança
e saúde no trabalho se reportaram a assédio moral, respectivas
a casos de emprateleiramento (em que a vítima não possui
qualquer papel na organização ou recursos para levar a cabo
o seu trabalho).
Por sua vez, o estudo da Fundação mostra que enquanto a
média de trabalhadores sujeitos a intimidação na
UE é de 9%, em Portugal o valor é o mais baixo dos Estados-membros,
a par da Itália, com 4%. Mas será que estas estatísticas
não escondem uma realidade silenciosa?
Tome nota
Sector público mais perigoso
Há um maior risco de assédio moral no sector
públicodo que no privado. Isto devido ao facto do conceito do "emprego
para a vida" no sector estatal fornecer menor margem de manobra paraa
mobilidade, com menos pessoas a saírem em resultado de uma situação
de conflito
Duração do assédio
As situações de assédio moral são relativamente
longas, com uma duração muitas vezes superior a doze meses.
Perfil da vítima
Não há uma relação clara entre a idade e o
assédio moral, embora na maioriados casos os jovens tenham reportado
níveis mais elevados de perseguição psicológica
no trabalho do queos mais velhos.
Nível organizacional
Pesquisas recentes mostram que o assédio moral tantose verifica
entre os trabalhadores como entreas chefias, e por último,entre
estas duas classes profissionais. As mulheresque ocupem posiçõesde
gestão estão mais expostas a serem perseguidas psicologicamente
do queos seus colegas masculinos.
Fonte: "Prevenira violência e o assédiono local de trabalho",
Fundação Europeia paraa Melhoria das Condiçõesde
Trabalho, 2003