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Trabalhar com o inimigo

17.04.2003


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Ruben Eiras

O SEU maior inimigo no local de trabalho pode não ser o chefe, mas sim o colega que está sentado mesmo ao seu lado. É que mais de 70% do assédio moral em Portugal - perseguição e pressão psicológica no local de trabalho - é perpetrada por trabalhadores da mesma categoria profissional e não pelas chefias.









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Quem o revela é o último estudo da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Trabalho, "Prevenir a violência e o assédio no local de trabalho".

O "fermento" emocional para este comportamento é, provavelmente, a inveja. De acordo com Mari-France Hirigoyen, psiquiatria e autora do livro O assédio moral, este fenómeno é suscitado por um "sentimento invejoso dirigido a alguém que possui uma característica que os outros não têm, como a beleza, a qualificação, a juventude, a riqueza ou qualidades de relacionamento pessoal".

No que diz respeito à realidade portuguesa, a especialista francesa avança que o facto da perseguição no local no trabalho ser maioritariamente realizada por colegas de profissão poderá dever-se ao maior fluxo de licenciados e de feminização no mercado de trabalho nacional.

A ameaça jovem

"Os recém-licenciados muitas vezes vão ocupar um posto de trabalho no mesmo nível hierárquico qualificado ocupado por uma pessoa que não tem estudos. Esta muitas vezes considera-o como sendo uma ameaça", explica Mari-France Hirigoyen.

Todavia, aquela especialista menciona que também poderá acontecer o inverso, ou seja, um jovem trabalhador ter como meta conseguir a todo o custo ocupar a função desempenhada por um colega com maior antiguidade na empresa.Jorge Marques, presidente da Associação Portuguesa de Gestores e Técnicos de Recursos Humanos, não partilha desta análise.

Para aquele responsável, a fragilidade do estilo de liderança é o factor que fomenta a guerra entre colegas. "O clima de 'selva' que prevalece no mercado de trabalho nacional impele as pessoas a fazerem quase tudo para agradarem às chefias, as quais aproveitam esta atitude e dividem para reinar", argumenta.

Quanto à questão da influência da liderança nestas situações, Mari-France Hirigoyen sublinha que gerir conflitos deste género é muito difícil se a escolha das chefias só se basear na sua competência técnica.

"Um grande número dos responsáveis hierárquicos não são, de facto, gestores. Muitas vezes designa-se os que são mais competentes tecnicamente do que aqueles que serão melhores líderes de pessoas", afirma. A psiquiatra alerta para o facto de muitas chefias não terem consciência do que significa animar uma equipa ou dos problemas humanos que implicam as suas responsabilidades.

"Se não existir um clima de confiança assente no líder, é impossível ao empregado pedir ajuda ao superior. Não devido à sua incompetência a nível profissional, mas à sua falta de sensibilidade e 'diplomacia' emocional para lidar com este tipo de situações", esclarece.

Por outro lado, Mari-France Hirigoyen salienta que as agressões psicológicas entre colegas também podem encontrar as suas causas nas inimizades pessoais ligadas à história de cada um dos protagonistas ou na competição por um posto de trabalho.

Outra tendência que contribui para o agudizar do conflito psicológico no mundo laboral é a entrada de mulheres para posições e segmentos profissionais anteriormente de domínio absoluto do sexo masculino, originando comportamentos de segregação.

"Quando uma mulher penetra num grupo profissional tradicionalmente masculino, pode ser difícil de ganhar o respeito", observa aquela especialista. Geralmente é alvo de "galanterias grosseiras, gestos obscenos, uma desvalorização de tudo o que ela possa dizer ou até mesmo de recusas de levar o seu trabalho em consideração".

Não obstante este cenário, os números mostram que Portugal é um dos países com menos violência psicológica no trabalho. De acordo com dados de 2001 da Inspecção Geral do Trabalho, apenas 0,8% das infracções de segurança e saúde no trabalho se reportaram a assédio moral, respectivas a casos de emprateleiramento (em que a vítima não possui qualquer papel na organização ou recursos para levar a cabo o seu trabalho).

Por sua vez, o estudo da Fundação mostra que enquanto a média de trabalhadores sujeitos a intimidação na UE é de 9%, em Portugal o valor é o mais baixo dos Estados-membros, a par da Itália, com 4%. Mas será que estas estatísticas não escondem uma realidade silenciosa?




Tome nota

Sector público mais perigoso

Há um maior risco de assédio moral no sector públicodo que no privado. Isto devido ao facto do conceito do "emprego para a vida" no sector estatal fornecer menor margem de manobra paraa mobilidade, com menos pessoas a saírem em resultado de uma situação de conflito

Duração do assédio

As situações de assédio moral são relativamente longas, com uma duração muitas vezes superior a doze meses.

Perfil da vítima

Não há uma relação clara entre a idade e o assédio moral, embora na maioriados casos os jovens tenham reportado níveis mais elevados de perseguição psicológica no trabalho do queos mais velhos.

Nível organizacional

Pesquisas recentes mostram que o assédio moral tantose verifica entre os trabalhadores como entreas chefias, e por último,entre estas duas classes profissionais. As mulheresque ocupem posiçõesde gestão estão mais expostas a serem perseguidas psicologicamente do queos seus colegas masculinos.

Fonte: "Prevenira violência e o assédiono local de trabalho", Fundação Europeia paraa Melhoria das Condiçõesde Trabalho, 2003



 





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