Cátia Mateus
Recessão, recessão, recessão. O fantasma já chegou e está a ensombrar um sem-número de organizações em todo o país. Empresas em reais dificuldades financeiras e outras, que a reboque da crise, aproveitam para reestruturar o seu quadro de pessoal.
Mas, se o cenário geral é de contenção, existem ainda nichos de oportunidades que podem surgir até mesmo quando a situação parece a menos animadora possível.
Foi o que sucedeu a Liliana Silva, licenciada em Marketing, que durante mais de meia dúzia de anos esteve ligada ao secretariado da administração de uma multinacional farmacêutica. Começou a trabalhar em 2001, no departamento de recursos humanos dessa empresa e paralelamente, tirou a licenciatura em Comunicação das Organizações, Marketing e Relações Públicas, na Lusófona. “Quando acabei o curso, o mercado já estava em recessão, por isso, como até gostava do trabalho que fazia, da empresa onde estava e do ambiente geral, não quis mudar. Aliás, pensava até que tinha um emprego para toda a vida”, recorda Liliana Silva.
Mas não foi assim. Uma reestruturação do grupo farmacêutico a nível mundial acabaria por trocar as voltas ao destino profissional da jovem, que se viu subitamente dispensada. “Resolvi encarar a saída como uma oportunidade para mudar. Estive acomodada durante muito tempo, portanto, aquela era a altura para procurar trabalho na área que sempre quis: comunicação e eventos”, conta.
Entrou então num longo momento de espera, mais precisamente onze meses, sempre acompanhada pela empresa de outplacement DBM Portugal, que foi contratada para orientar os trabalhadores dispensados. Após múltiplos envios de CV e escassas respostas, quase sempre para áreas que não lhe estimulavam o interesse, surgiu uma oferta no departamento de marketing de uma empresa, também da área farmacêutica, onde está há quase dois meses. “O importante mesmo é não nos acomodarmos e continuarmos à procura do nosso sonho profissional”, diz, convicta, a jovem.
Anabela Ventura, administradora da DBM Portugal, empresa-líder do mercado em outplacement, lembra que apesar de “dolorosos, os momentos de crise obrigam a uma análise mais profunda para identificação de novas opções, alternativas e caminhos a seguir”.
“Este processo é, regra geral, de descoberta e de crescimento, permitindo a construção de novos cenários e contrariando a tendência para se estagnar quando o quotidiano é estável, predicável e assente na rotina. Abraçar uma nova oportunidade implica mudança e incerteza mas, passada a fase de transição, fica o sabor da concretização e toda a descoberta que cada um fez de si, das suas capacidades e potencial. Assim, crise pode até ser sinónimo de oportunidade e mudança”, reforça a administradora da DBM.
Jorge Marques, presidente da Associação Portuguesa dos Gestores e Técnicos dos Recursos Humanos (APG) reforça: “A crise é sempre oportunidade. A ideia de crise enquanto dificuldade exterior a nós, é falsa. As mudanças são o normal, são o ritmo do mundo e nos últimos anos, um ritmo alucinante”.
Contudo, para Álvaro Férnandez, administrador em Portugal da Michael Page, “durante uma crise, encontramos sempre dois tipos de pessoas: as que, apesar da adversidade, sabem analisar uma oportunidade e, baseando-se na sua confiança, conseguem evoluir profissionalmente e, as que não estão dispostas a assumir esse risco e se mantêm”. O especialista confirma que “de facto houve uma diminuição da contratação a nível global, no entanto há empresas que aumentam o seu volume de negócios em períodos de contenção económica, como as empresas ligadas às cobranças, as que produzem bens de primeira necessidade ou as que conseguem detectar no mercado um nicho ainda por explorar”.
Semelhante convicção tem Afonso Batista, da Multipessoal. Embora assuma a expectativa de que as empresas continuem a recrutar em 2009, reconhece que numa época de crise “as empresas de recrutamento têm um papel importante já que podem garantir mais segurança a quem quer mudar de emprego pois têm experiência e conhecem bem o mercado e a empresa-cliente”.
Para Liliana Silva, o trabalho surgiu numa das poucas áreas que ainda conseguem criar algum dinamismo. Anabela Ventura, a responsável da DBM, refere que a tendência para processos de fusão e aquisição, que tem afectado também a indústria farmacêutica, “está a imprimir um movimento contínuo no mercado de trabalho, com permanente criação e extinção de postos de trabalho e oportunidades”.
As tecnologias de informação e as vendas, “continuarão no topo das necessidades das empresas”, aponta ainda Jorge Marques, da APG, fazendo ainda o destaque para uma área que, na sua opinião, será “uma das mais activas dos próximos tempos”: o outsourcing, ou seja, a prestação exterior de serviços às empresas, mais conhecido por BPO-Business Process Outsourcing. É um mundo ainda mal compreendido, mas que vai estar no topo nos próximos anos”.
A estes sectores, Afonso Batista e Álvaro Férnandez acrescentam a gestão de cobranças ou as diversas valências comerciais. Ainda que Afonso Batista chame a atenção para as potencialidades dos mercados emergentes. “As pessoas que procuram emprego ou evolução na sua carreira, podem fazê-lo explorando as oportunidades que os mercados emergentes oferecem, onde encontrarão níveis de desenvolvimento superiores aos de Portugal”, enfatiza o responsável.
Mudar sem traumas
A era do emprego seguro terminou. E os despedimentos estão na ordem do dia. Mas, como realça Jorge Marques, presidente da APG (Associação Portuguesa dos Gestores e Técnicos dos Recursos Humanos), “a maior parte das pessoas que passa por essas situações teve a capacidade para dar o salto e criar as suas novas oportunidades. Pessoas que investiram em aprender, em adquirir novas competências, pessoas inconformadas, insatisfeitas construtivamente e que resolveram esse momento das suas vidas”, reforça o especialista.
O importante mesmo é não entrar em pânico. Antes, preparar o “salto” com eficácia. “Quando se é confrontado com a notícia de despedimento deve-se resistir ao primeiro impulso de tentar arranjar logo outro emprego, telefonar e enviar CV quase indiscriminadamente. Tomar atitudes a quente pode ser penalizador e contraproducente. É mais sensato e eficaz não fazer nada no imediato, preparando com mais calma e cuidado a estratégia e abordagem ao mercado de trabalho”, aconselha Anabela Ventura, administradora da DBM Portugal.
“Procurar emprego requer sistematização, metodologia, disciplina e uma atitude positiva e realista. É crucial, num primeiro momento, partilhar a situação com as pessoas mais chegadas, alguém que dê suporte e que ajude a lidar com as emoções. É um momento para reflectir, olhar para dentro e orientar a vida profissional/pessoal”, sublinha ainda a responsável da DBM.
Já Afonso Batista, da Multipessoal, deixa outro conselho: “as pessoas deverão ser mais flexíveis em termos de carreira estando abertas a outras oportunidades, mesmo que fora daquilo a que estão habituadas”.
A estas dicas Álvaro Fernandéz, administrador da Michael Page, acrescenta ainda a importância do candidato ter ideias bem claras do que quer antes de tomar qualquer decisão de mudança. “Há que analisar minuciosamente a empresa, as características da função que se vai desempenhar, a protecção a curto, médio e longo prazo, a capacidade para desempenhar a referida função e, até, a energia que está disposto a investir no novo projecto”, conclui.