Na inteligência emocional reside a linha, cada vez mais ténue, que separa o homem da máquina. À medida que novas soluções de inteligência artificial e robótica “invadem” o mercado de trabalho e que novas teorias sobre o futuro do emprego ganham destaque entre os líderes empresariais e os especialistas de recrutamento, ganha também consistência a teoria de que os únicos empregos que a tecnologia não conseguirá substituir serão os fortemente ancorados nas competências emocionais (vulgarmente designadas de softskills). Líderes de todo o mundo defendem este argumento. Estudos vários sustentam a teoria. Mas na prática, a aposta das empresas no reforço das competências emocionais das suas equipas fica muito aquém da relevância estratégica que lhe reconhecem para o futuro.
Um estudo recente da consultora QSP, realizado junto de 200 gestores nacionais, revela que, apesar de a inteligência emocional ser reconhecida como vital e valorizada por 99,5% dos líderes, só 32% dos administradores e diretores inquiridos no estudo propuseram, nos seus planos anuais, formação específica nestas áreas para as suas equipas. Rui Ribeiro, diretor-executivo (CEO) da QSP, não tem dúvidas de que “apesar dos gestores portugueses valorizarem, e muito, a inteligência emocional dos seus quadros, na prática não a estimulam”.
Nos últimos anos, as empresas têm atribuído maior relevância às competências emocionais nos processos de recrutamento. Não está apenas em causa o duelo “homem-máquina” que a automação de muitas funções e profissões colocou na ordem do dia. Trata-se também de dar resposta aos desafios da digitalização, que exige outras competências aos candidatos. Mário Ceitil, presidente da Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas (APG), já veio por diversas vezes a público confirmar esta mudança de paradigma do recrutamento, argumentando que questões como a flexibilidade cognitiva, a orientação para a resolução de problemas complexos, o espírito de equipa e a capacidade de coordenação com os pares, fazem parte do novo perfil profissional que as empresas valorizam. Um perfil com uma inteligência emocional mais consistente, em profissionais que se querem hoje mais completos.
Álvaro Fernández, diretor-geral da Michael Page Portugal, também o defende. Num artigo de opinião recentemente publicado no Expresso, o especialista fala numa nova tendência de recrutamento “out of the box” (fora da caixa), onde as competências emocionais se sobrepõem (em muitos casos), ou pelo menos se equiparam, às formais.
Competências do futuro
Segundo Álvaro Fernández, “começam a surgir empresas, menos conservadoras, que valorizam profissionais dispostos a sair da sua zona de conforto e capazes de desenvolver novas skills, ou que apresentem competências transferíveis”. Fala da relevância crescente de competências emocionais como o trabalho em equipa, capacidade de comunicação, organização, pensamento analítico que, garante, “são valorizadas em qualquer área de atividade”.
O problema é o desfasamento entre esta relevância e o investimento dos líderes na qualificação das suas equipas. A inteligência emocional desenvolve-se, treina-se. Daniel Goleman, autor do livro “Inteligência Emocional”, defende que aos 30 anos os indivíduos estão já focados no alcance de metas, o que facilita o treino da inteligência emocional. Rui Ribeiro confirma: “A inteligência emocional aprende-se e pode ser decisiva para orientar o pensamento, o comportamento, gerir e ajustar emoções ao ambiente que nos rodeia, ou para atingir determinados objetivos.”
Segundo o estudo conduzido pela QSP, “das várias dimensões da inteligência emocional, aquela que recebe mais atenção por parte dos líderes das empresas é a gestão de relacionamento, indicada por 76% dos inquiridos, seguem-se o autoconhecimento (70%), a consciência social (63%) e a autogestão (59%)”. Porém, o líder da QSP reconhece que, nestas matérias, “os novos desafios da comunicação e liderança ainda estão longe de ser entendidos num contexto empresarial” e a aposta no desenvolvimento destas competências, apesar de ser entendida como vital tem, na prática, um papel secundário nas políticas de gestão de talento.