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Quando o género condiciona o valor do trabalho

Quando o género condiciona o valor do trabalho

Em 2015, os homens ganharam em média mais 17,8% do que as mulheres; associações defendem que género não é fator único na equação.

24.04.2017 | Por Rute Barbedo


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Em sectores industriais como o da cortiça, vidro, construção, têxtil ou calçado, em que vigoram contratos coletivos de trabalho, “muitas vezes são as discriminações indiretas, mais difíceis de diagnosticar, que estão na origem das discriminações salariais entre homens e mulheres”, e esse é um ponto que pode ir contra a eficácia do plano do Governo em legislar o tema da paridade salarial em busca de maior justiça, alerta Fátima Messias, dirigente da Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro (FEVICCOM).

A propósito da elaboração da proposta pelo Ministério do Trabalho e Segurança Social, que será apresentada até ao dia 1 de maio para discussão em Conselho de Concertação Social, a também responsável pela área da Igualdade na Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) acrescenta que, por outro lado, “diferentes categorias profissionais com diferentes salários podem corresponder a trabalho de valor igual” mas que nem sempre é remunerado de forma equivalente. No caso de haver penalizações para as empresas que não cumpram a igualdade salarial, “é preciso insistir num processo de fiscalização contínuo e em negociações, porque muitas vezes o crime compensa”, declara a representante, sublinhando: “Esperamos que a lei tenha pés para andar no terreno, sendo que a penalização é só o fim de um processo. Ele tem de começar antes.”

As declarações ao Expresso surgem depois de, nesta segunda-feira, o jornal “Público” ter noticiado que as empresas que não cumprirem os critérios de igualdade salarial entre homens e mulheres que desempenhem as mesmas funções poderão ser excluídas nos contratos com o Estado. No dia seguinte, a Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos (APICCAPS) e a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário, Calçado e Peles de Portugal (FESETE) assinaram um contrato que prevê a “igualdade remuneratória para os trabalhadores que desempenham funções do mesmo nível de classificação profissional, independentemente do género” (ler página ao lado). Na apresentação do contrato, o ministro Vieira da Silva adiantou que é intenção do Governo resolver o tema “em acordo com os parceiros sociais, pelo exemplo e pelo estímulo positivo”.

As posições e situações de outros sectores sobre o assunto é distinta. No sector vidreiro, por exemplo, está para breve a publicação no “Boletim de Trabalho e Emprego” do Acordo de Empresa sobre a igualdade salarial entre mulheres e homens, “com base numa majoração salarial positiva” de 12 euros para o grupo XII (mulheres), no sentido da aproximação ao grupo X (homens), avança Fátima Messias, da FEVICCOM.

Já a Associação Têxtil e Vestuário de Portugal afirma, nas palavras do diretor-geral Paulo Vaz, que “os contratos do sector sempre respeitaram a igualdade de género” e que, embora este ponto não esteja especificamente consignado, “não há discriminação”. “Andamos a negociar contratos coletivos há vários anos e nem mesmo os sindicatos nos têm alertado sobre isto”, refere o responsável, acrescentando que a principal clivagem nos processos de negociação tem sido sobre o número de dias de férias.

A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), por sua vez, declara que, no sector do comércio por grosso, as diferenças salariais entre homens e mulheres são “inferiores à média nacional”. Olhando para o panorama circundante, a CCP acredita que, sendo esta uma problemática multifatorial, “medidas legislativas avulsas podem não ser suficientes, justificando-se medidas quer de sensibilização e de partilha de boas práticas [muitas já existem], quer estimulando a autorregulação”. Ainda que o diploma sobre este tema esteja por concretizar, a confederação recorda que “os salários são resultado de um conjunto de fatores que vão evoluindo em função das dinâmicas empresariais”.

De notar que, em 2008, também o sector da cortiça assistiu à assinatura de um acordo “com o objetivo de ultrapassar a situação de diferenciação profissional e salarial”, então de 97,66 euros mensais entre as categorias do grupo XVI e XIV do contrato coletivo de trabalho (o aumento dos ordenados das trabalhadoras visava, assim, uma aproximação salarial dos valores recebidos pelos elementos do género masculino).

Diferença versus discriminação
“Na prática, o que se observa é que, quando se identifica uma diferença salarial entre homens e mulheres, com inusitada frequência se qualifica a mesma como discriminação. Daí a necessidade de clarificar conceitos, porque tal qualificação não é, na maioria dos casos, correta”, alega a Confederação Empresarial de Portugal (CIP). Por outro lado, a organização defende que, para conhecer a realidade dos diferentes sectores, além do género, é necessário cruzar fatores como as qualificações, as habilitações literárias e os anos de exercício de uma determinada função.

Em 2015, os homens ganharam em média mais 17,8% do que as mulheres, mas para a CIP as diferenças salariais existentes em Portugal não são ditadas pela condição masculina ou feminina, podendo justificar-se exclusivamente pela “avaliação que as empresas fazem relativamente às qualificações, competências, mérito e confiança quanto aos seus ativos, bem como no valor acrescentado destes para a organização”.

Escolhas, qualificações, sectores
A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) concorda que, “em grande medida, o diferencial nas remunerações entre homens e mulheres não pode ser atribuível a critérios objetivos” e acrescenta que esta realidade “reflete as desigualdades que persistem no mercado de trabalho” em relação ao sexo feminino. Mas não é por esse motivo que não pode afirmar que, “frequentemente, as mulheres ganham menos que os homens para fazer trabalho igual ou de valor igual”. As causas para as disparidades salariais são, porém, “múltiplas, complexas e muitas vezes interligadas”, passando, por exemplo, por escolhas e qualificações escolares e profissionais, sectores de atividade ou interrupções na carreira. De acordo com a CITE, as disparidades salariais podem ser discriminatórias se não assentarem num “motivo legítimo que justifique a diferença”.

Traçando uma análise por atividade económica, as diferenças salariais são mais acentuadas “nas atividades onde a participação feminina é maior”, como na saúde e apoio social, em atividades de consultoria, na indústria transformadora, na educação e em atividades artísticas, espetáculo, desportivas e recreativas (o Expresso contactou o Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos mas não obteve resposta). Em contrapartida, as áreas em que as remunerações são mais equilibradas estão ligadas à “eletricidade, gás, vapor, água quente e fria e ar frio, transportes e armazenagem e atividades administrativas e de serviços de apoio”.



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