Nos últimos anos, a adversidade da conjuntura económica impulsionou a dispensa de milhares de profissionais altamente qualificados que durante décadas colocaram o seu conhecimento e saber técnico ao serviço das organizações. O regresso ao mercado de trabalho na mesma área e com patamares de responsabilidade (e até salário) idênticos revelou-se para alguns uma missão impossível, levando-os a candidatar-se a funções abaixo do seu nível de experiência e qualificação. Em muitos casos, a relevância do seu currículo foi um entrave e fez disparar nos empregadores a justificação que desespera qualquer candidato a emprego: “desculpe, mas tem excesso de qualificações para o cargo”.
Deve um candidato esconder as suas competências para conseguir um emprego ou ser penalizado por ter um bom currículo? Não. Mas na prática, os casos somam-se. A questão é polémica e embora a considerem reprovável, a generalidade dos especialistas em gestão de carreira confirmam que o excesso de qualificações ainda assusta muitos empregadores. Mas para candidatos que concorrem a funções para as quais possam ter mais qualificações do que as requeridas, há pequenos truques na organização do currículo que podem ajudar a ultrapassar a questão.
Don Goodman, especialista em gestão de carreira e presidente da Best Resume Writing Service, a empresa americana especializada na elaboração de currículos, reconhece que “o excesso de qualificações diminui muitas vezes as hipóteses de um candidato”. Para o especialista “é muito comum hoje em dia um empregador colocar de lado um currículo porque é bom demais para a função”. O desafio para um candidato a emprego hoje “já não é simplesmente competir com outros candidatos, mas encontrar o equilíbrio perfeito na informação essencial que deve colocar no seu currículo para que não parece demasiado qualificado para o cargo”, explica o Goodman.
O que preocupa afinal os empregadores? “Essencialmente o facto de que os candidatos com excesso de qualificações deixem a empresa logo que consigam um cargo mais compatível com a sua experiência anterior e com as suas competências”, refere. Don Goodman reconhece os problemas que isto coloca, por exemplo, a candidatos muito experientes que procuram mudar de sector de atividade ou reequacionar a sua carreira.
Minimizar o “fantasma” das qualificações
Para o gestor de carreiras, há formas de minimizar isto num currículo (ver caixa). E por muito ingrato que possa parecer, o primeiro passo para o candidato é reconhecer que no currículo que apresentará ao recrutador só deve constar a experiência efetivamente considerada relevante. Ou seja, “o candidato deve focar-se no que o empregador procura e demonstrar que é capaz de assegurar a função com sucesso”, explica acrescentando que “se parte da sua experiência de gestão, por exemplo, não faz parte dos requisitos da função, então não a mencione. Isto é particularmente relevante para candidatos que estão a tentar mudar de carreira”.
No patamar da formação, a regra é semelhante: “destaque apenas o graus académicos relevantes para o cargo”. A maioria das funções exige hoje qualificações ao nível da licenciatura ou mestrado. Mas mesmo que tenha decidido prosseguir os seus estudos para doutoramento, ou possua um MBA e múltiplos cursos especializados, “pode não trazer valor acrescentado referi-los na sua candidatura, se nada tiverem a ver com a função a que se candidata ou com a área de atuação da empresa” refere. Na verdade, em muitos casos “esta dispersão pode levar o empregador a considerar que o candidato não tem interesses relevantes para a função”. Don Goodman destaca ainda a relevância de “explicar com clareza a razão pela qual é o candidato certo para a função”. Segundo o especialista, trabalhar bem a carta de apresentação é fundamental.
“Esta apresentação de propósitos deverá ser suficientemente explicita sobre a razão pela qual se candidata ao cargo e como a sua experiência anterior, as suas competências e o seu talento podem impactar positivamente na função e nos resultados da empresa, demonstrando que se sente desafiado pela missão”, explica relembrando que “a última coisa que um empregador quer é contratar um profissional que se candidatou aquele emprego porque foi a última coisa que lhe apareceu e não tinha outras hipóteses”.
Gerir bem a experiência
Construir um bom currículo, capaz de equilibrar os requisitos exigidos pela empresa às competências do candidato para exercer a função é determinante, sobretudo para candidatos experientes e com muita experiência acumulada. Para afastar a ideia do “excesso de qualificações”, aposte num currículo cirúrgico que responda exclusivamente ao que o empregador pede.
Elenque apenas a experiência relevante para a função. Resista à tentação de procurar “impressionar demasiado”, seja com as suas competências académicas ou com o seu percurso profissional. Restrinja as referências ao que de facto pode marcar a diferença naquela função específica a que se candidata, sobretudo se quiser mudar de sector de atividade ou área de atuação. Lembre-se que o objetivo do currículo é conseguir oportunidade para uma entrevista e que nessa entrevista poderá explicar melhor o seu percurso e demonstrar ao recrutador que toda a sua experiência, mesmo noutras áreas, poderá ser relevante. Preocupe-se em demonstrar que se sente motivado pela função a que se candidata.
Destaque no seu percurso aspetos que o possam ajudar a qualificar-se para o emprego. Dedique algum tempo a pensar nos aspetos que o levaram, por exemplo, a alcançar em determinada etapa do seu percurso a liderança nas vendas da sua empresa, ou a ser eleito pelos seus pares o elemento mais proactivo, o aquilo que ao longo da sua carreira foi determinante para ir progredindo profissionalmente e alcançar o currículo que hoje detém. Elencar esse aspetos, na proporção certa para a função a que se candidata pode ser relevante. Escolha destacar etapas que se adequem sempre à função a que se está a candidatar.