Marisa Antunes
São uma pura perda de tempo, provocam irritação e até mesmo indignação. As entrevistas de trabalho com propostas dúbias, maliciosas ou enganadoras, que apanham desprevenidos os candidatos, só trazem frustração e ira a quem já está fragilizado na sua busca desesperada por emprego.
Foi como se sentiu Inês F., uma jornalista de imprensa à procura de novos desafios de trabalho na área da assessoria. Viu um anúncio num «site» insuspeito e não hesitou em responder à suposta empresa de produção que necessitava de alguém que fizesse a ligação com os «media». Pedia-se uma pessoa polivalente, dinâmica, organizada, com disponibilidade de tempo.
Antes de ir à entrevista, tentei pesquisar mais informações sobre a empresa mas não as encontrei. Pensei simplesmente que era uma produtora nova e não estranhei, conta a jornalista.
O primeiro sinal de desconfiança surgiu, assim, só no dia da entrevista e ainda fora de portas: O prédio tinha um aspecto degradado, um dos elevadores estava avariado, os corredores de acesso eram cinzentos e feios e já lá dentro do escritório reinava a desarrumação e a papelada atulhada. Mesmo assim resolveu esperar pacientemente pela sua vez.
Algum tempo depois, saiu da sala onde estavam a realizar-se as entrevistas uma outra candidata, que esperara mais de duas horas para ser ouvida, com os olhos cheios de lágrimas.
Apesar de intrigada, Inês avançou para o cubículo. Veio então a descobrir que quem estava a recrutar não era a tal empresa de produções referenciada no anúncio mas uma associação que esporadicamente efectua campanhas de sensibilização ambiental e de prevenção rodoviária, com uma lista que inclui patrocinadores de peso entre Estado e grandes empresas. Apesar de ter o meu currículo detalhado nas mãos, o responsável desta associação não fez qualquer referência ao meu percurso profissional ou ao que era exigido profissionalmente naquelas funções. Partiu logo para as perguntas pessoais, relata. À questão se tinha disponibilidade para viajar porque a tarefa implicava deslocações frequentes de dois a três dias ao Porto , seguiram-se logo as já habituais se era casada e se tinha filhos. Como respondi que não, perguntou-me se vivia sozinha, se tinha casa própria e quanto pagava de prestação mensal. Sempre com muito à-vontade e um sorrisinho nos lábios, remata. Esta situação ocorreu há mais de três meses e o anúncio continua a ser colocado no «site», porque provavelmente até agora ninguém aceitou o cargo.
Uma situação similar aconteceu a Anabela S., com a pequena diferença de que a entrevista sucedeu-se não a uma resposta a um anúncio mas a um convite por parte de um cliente da empresa onde trabalhava. Recorde-se que a rede de contactos é a forma mais habitual de conseguir emprego em Portugal.
Até então, essa pessoa sempre teve um comportamento profissional e meramente cordial comigo. Nunca tinha olhado para mim duas vezes. Nós sabemos quando somos abordadas por alguém com malícia, recorda a administrativa.
Mas a abordagem mudou no dia em que se realizou a entrevista, apesar do pretenso empregador ter mantido sempre a sua postura pseudoprofissional. Com muito à-vontade, sempre muito educado, recebeu-me num escritório óptimo e começou por dizer que precisava de alguém para o secretariado e que tivesse disponibilidade para viajar. À pergunta se poderia estar três dias seguidos no Algarve, disparou a primeira indiscrição ao questionar se o meu namorado era ciumento, mas eu não lhe respondi, recorda.
A conversa prolongou-se um bom bocado até que ele lhe referiu que um dos bónus inerentes ao cargo seria ter à disposição um BMW descapotável. Aqui, a minha reacção foi de certa agressividade e perguntei-lhe se era normal as secretárias dele terem esse tipo de benesses. Ele respondeu-me que eu não seria uma secretária qualquer, seria uma secretária de luxo, refere Anabela.
A partir desse momento, as cartas ficaram totalmente em cima da mesa e o indivíduo, mantendo sempre a mesma postura meramente cordial, ofereceu-se para lhe montar uma casa e até um negócio, caso ela aceitasse trabalhar naquelas condições. Anabela despediu-se e disse que não estava interessada na proposta.
Irene Rodrigues, do departamento jurídico da Comissão para a Igualdade e para os Direitos da Mulher, lembra que quem se sentir lesado por este tipo de propostas pode sempre apresentar queixa naquele organismo ou na Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego. Damos informação jurídica e encaminhamos a situação. Em alguns casos, pode até configurar um crime e seguir então para o Ministério Público ou Tribunais de Trabalho, explica a jurista.
Sónia Silva, responsável pelo recrutamento e «outplacement» da multinacional Select Vedior, dá algumas dicas para se perceber de imediato que a proposta não é séria: Começar por apresentar a empresa e falar sobre o percurso profissional do candidato e as suas habilitações é a norma para iniciar uma entrevista. Perguntas mais pessoais, como saber se é casada e tem filhos, são também normais e podem ser feitas não para excluir mas para saber se a pessoa tem estabilidade emocional e responsabilidades a seu cargo. Mas inquirir se tem casa própria ou quanto é a renda não é nada apropriado.
Sublinhando que estes casos são felizmente atípicos e que em Portugal o mercado de recrutamento por anúncios é bastante fiável, a directora da DBM Portugal, empresa de «outplacement», acrescenta: Os empregadores querem ter a certeza de que existem condições para exercer o cargo. Nós até aconselhamos as nossas candidatas a anteciparem-se e dizerem que têm filhos e com que apoios podem contar para situações imprevistas. Mas quando as perguntas se tornam muito inadequadas, a candidata não é obrigada a responder e pode dar por terminada a entrevista.