Mudam-se os tempos, mas dificilmente se mudam certas vontades. No que respeita às desigualdades salariais entre homens e mulheres, quase se poderia dizer, aliás, que a mentalidade de muitos empregadores remonta ainda à Idade Média. Uma postura retrógrada e muito conveniente. Um estudo do economista Eugénio Rosa mostra que em Portugal as empresas obtêm um lucro extraordinário (mínimo) de 5.500 milhões de euros por discriminarem as mulheres nas remunerações que auferem.
As contas são simples e clarividentes. A partir das estatísticas do Ministério do Trabalho e da Segurança Social (MTSS) sabe-se que em 2009, a remuneração média das portuguesas (933 euros) era de apenas 76,5% da dos homens (1220 euros). “Se multiplicarmos essa diferença de remunerações - 287€ - pelo número de mulheres constantes dos quadros de pessoal e depois por 14 meses, obtém-se este valor de 5.500 milhões de euros”, conclui o economista do gabinete de Estudos da CGTP-In. Um montante mínimo, pois nem sequer estão incluídas as comparações de quem trabalha a recibos verdes.
E desengane-se quem pensa que esse fenómeno de injustiça profissional ocorre com mais frequência em actividades pouco qualificadas. O panorama é precisamente o oposto.
Aliás, pode mesmo afirmar-se que quanto maior é a escolaridade da mulher, maior é discriminação, sublinha o especialista. De acordo o MTSS, em 2008, por exemplo, a remuneração média de uma mulher com escolaridade “inferior ao 1º ciclo do Ensino Básico” correspondia a 81,2% da do homem com o mesmo nível de ensino, enquanto que uma mulher com “Doutoramento” recebia o correspondente a 71,8% do recebido pelo seu colega masculino com as mesmas habilitações literárias. A nível de “Quadros superiores”, a discriminação alcançava mesmo o seu nível mais elevado: o salário das mulheres correspondia, em média, apenas a 69,7% dos colegas masculinos.
E se já não bastasse a discriminação também a representatividade feminina tem vindo a diminuir nos níveis mais elevados de qualificação. Analisando novamente os “Quadros superiores” constata-se que a percentagem de mulheres, que era já minoritária, diminuiu de 33,9% para 31,4% entre 2005 e 2009, analisa Eugénio Rosa. O mesmo sucedeu no grupo de “especialistas das profissões intelectuais e cientificas” que entre 2005 e 2009, viu a percentagem de profissionais femininas baixar de 57,3% para 56,8%.
“Apesar das mulheres possuírem um nível médio escolaridade superior ao dos homens, as entidades patronais continuam a não reconhecer as suas competências”, lembra o economista. Recorde-se que a percentagem de mulheres com ensino secundário e superior representava, em 2009, 17,4% da população activa total, enquanto os homens com idêntica escolaridade constituíam apenas 14,7%.
Discriminadas no salário, discriminadas também na precariedade. Apesar de terem um nível médio de escolaridade mais elevada, são novamente as mulheres, as mais atingidas pela precariedade e desemprego de longa duração. Em 2009, 44,3% das trabalhadoras portuguesas ou estavam desempregadas ou tinham emprego precário, enquanto a percentagem de homens em idêntica situação era de 40,6%, especifica Eugénio Rosa. “Por outro lado, no fim do 4º Trimestre do ano passado, 26,8% dos desempregados eram mulheres que já estavam no desemprego há um ano ou mais, enquanto a percentagem de homens em idêntica situação, na mesma altura, era de 22,8%”. Feitas as contas, mais de 1,2 milhões de trabalhadoras ou estão desempregadas ou numa situação de emprego precário, conclui ainda.
O ciclo de injustiças prossegue quando a população feminina atinge a reforma.”Depois de ter sido sobreexplorada pelas entidades patronais, a mulher quando se reforma (ou é atingida pela invalidez), é afectada profundamente a nível de pensões. Basta ver que em Janeiro de 2010, a pensão média de velhice da mulher em Portugal era apenas de 301,42 euros - o número de mulheres a receber pensão de velhice atingia 991.841 -, enquanto a pensão média do homem na mesma data era de 507,41 euros – cerca de 874.071 homens a receber pensão de velhice. Isto significa que a pensão média de velhice da mulher corresponde apenas a 59% da do homem. Historicamente discriminadas, as mulheres continuam a aguardar por um sentido de justiça mais apurado.