Marisa Antunes
A iniciativa Novas Oportunidades está a revolucionar a vida de milhares de portugueses. Em especial, a geração que já passou dos 40 e que nem nos sonhos mais remotos se imaginava um dia a voltar aos bancos da escola. Em comum, estes adultos partilham percursos de vida difíceis, que os obrigaram muito cedo a largar os estudos e a meter ‘mãos à obra' para ajudar a família no sustento da casa. Basta dizer que, há 30 anos, apenas 25% dos portugueses acediam ao ensino secundário. Hoje, são mais de 75%.
Para aumentar as qualificações dos menos jovens, que estão há muito no activo, o Governo espera entregar cerca de um milhão de certificados, conseguidos através das Novas Oportunidades, até ao próximo ano. Até agora, a iniciativa conta com 750 mil inscritos.
Carlos do Carmo, quadro do grupo Jerónimo Martins (JM), lembra-se bem do dia em que recebeu uma carta, assinada pelo administrador-executivo da instituição, Pedro Soares dos Santos, a convidá-lo a participar no programa Novas Oportunidades.
A trabalhar no grupo há 27 anos, o director do hipermercado Feira Nova de Sintra parou de estudar aos 15, com o 8º ano de escolaridade completo. Na altura, arranjou um emprego de Verão como operador de supermercado numa das lojas do grupo, mas a ligação acabaria por se prolongar por quase três décadas, proporcionando-lhe uma ascensão profissional que levou o então menino que repunha os produtos nas prateleiras ao cargo de responsabilidade que tem hoje.
“Fui sempre adiando o meu regresso à escola. Durante um tempo ainda me ocorreu tentar conciliar a actividade profissional com as aulas à noite, mas o trabalho e, mais tarde, a família — pois entretanto casei-me e tive dois filhos — obrigou-me a pôr de parte esse sonho”, conta Carlos do Carmo. Até ao dia em que a administração da Jerónimo Martins abraçou a iniciativa governamental e investiu a fundo no programa, que tornou acessível, para uma boa parte dos 11 mil colaboradores da JM, a qualificação do 9º e 12º ano,
“Temos cerca de 5000 pessoas sem o 9º ano a trabalhar para o nosso grupo. E quisemos proporcionar a estas e a todas as outras que, apesar de terem o 9º não possuem o 12º, a oportunidade de completarem a sua formação. Foi algo que fizemos com muito entusiasmo mas também com muita naturalidade, pois investir na formação faz parte do ADN do grupo JM há muito tempo”, realça Marta Maia, directora de Recursos Humanos da empresa.
A partir das Novas Oportunidades, a JM criou internamente o programa ‘Aprender a Evoluir' através da assinatura de um protocolo entre o grupo, o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e a Agência Nacional para a Qualificação.
Carlos do Carmo fez parte do primeiro grupo de diplomados desta escola interna e agora ostenta com orgulho a certificação que lhe confere a equivalência ao 12º ano. Há poucos meses, ele e mais 244 colegas receberam, com pompa e circunstância, os diplomas na presença dos ministros do Trabalho e da Educação. Hoje, Carlos do Carmo sonha ainda mais alto: “Quero tirar uma licenciatura em Gestão de Empresas. Talvez já para o ano”.
Na Siemens Portugal, a auto-estima também disparou a mil. Durante um ano, Florimundo Catalão, encarregado de linha de produção na fábrica da multinacional em Sabugo (Queluz), voltou às aulas, a um ritmo de três horas, três dias por semana (em horário laboral).
Este responsável foi um dos primeiros a alinhar na iniciativa proporcionada pela multinacional, que estabeleceu um protocolo com o CINEL (Centro de Formação Profissional da Indústria Electrónica) para, no âmbito do programa ‘Novas Oportunidades', dar a 60 colaboradores das suas fábricas do Sabugo (transformadores) e Corroios (quadros eléctricos) a possibilidade de se valorizarem em termos académicos.
O director de Recursos Humanos da Siemens, Pedro Henriques, lembra que esta é apenas a primeira etapa de um projecto motivacional e de formação que abrange a equivalência ao 9º ano. “O objectivo é prolongar as acções de formação, que elevarão o nível académico dos colaboradores envolvidos até ao 12º ano de escolaridade. O nosso grande objectivo é não só proporcionar-lhes outras oportunidades profissionais no seio da empresa mas também contribuir para a sua valorização enquanto cidadãos”, reforça o responsável dos Recursos Humanos da Siemens Portugal.
Para Florimundo Catalão, a valorização pessoal foi precisamente a sua grande motivação. Com 13 anos abandonou a escola para ajudar a família: “Como muita gente, também eu tive de deixar de estudar muito cedo, apenas com o 6º ano (o antigo 2º ano). Ainda me inscrevi na escola industrial do Cacém para continuar os estudos mas a vida lá em casa estava muito difícil, o que se agravou com a ausência dos meus dois irmãos, que estavam na tropa”.
Passou pelas obras e, mais tarde, pela indústria dos mármores até ir parar à Siemens, onde começou na área de fresagem e torneamento de motores. Volvidos 38 anos, Florimundo é hoje um dos dois encarregados da linha de produção dos transformadores de potência, na fábrica do Sabugo.
Quando surgiu a oportunidade de voltar a estudar e completar o 9º ano de escolaridade, interiorizou a ideia com entusiasmo. Uma atitude sempre muito apoiada pela mulher e os dois filhos. “Para me motivarem, os meus filhos começaram a dizer-me o que sempre lhes disse eu a eles: é fundamental estudar e cultivar a mente”.
Já com o diploma equivalente ao 9º ano, Florimundo Catalão quer agora ir mais longe e completar o 12º ano. “Eu sempre gostei da escola e jamais conseguiria concretizar o meu sonho se a empresa não proporcionasse estas condições”, remata o encarregado fabril.