Em Portugal há 57 desempregados por cada oferta de emprego. O país figura na lista dos que registam menos ofertas por cada desempregado, segundo dados esta semana divulgados pelo European Vacancy Monitor, do Eurostat. Numa altura em o país atravessa uma das suas maiores crises de sempre e se debate (também) a precariedade laboral, pode parecer contraditório, mas trabalhar temporariamente coloca-o em vantagem. Pelo menos face aos mais de 600 mil desempregados que engrossam as fileiras do desemprego nacional. Mas os especialistas garantem que há uma outra face desta moeda. “Há já profissionais de topo, ao nível das chefias e cada vez mais qualificados, adeptos do trabalho temporário (TT). O preconceito está a diminuir”, explica Fabrícia Antunes, executive manager da Page Personnel.
Durante muito tempo, o TT foi encarado como uma forma menor de empregabilidade, quase característica dos menos qualificados. Uma realidade que nos últimos anos, a conjuntura económica adversa e uma mudança cultural ao nível das organizações nacionais veio alterar. A cada ano, o TT coloca no mercado cerca de 120 mil trabalhadores. O seu papel enquanto dinamizador económico e gerador de emprego deixou de ser questionável. Tanto mais que esta forma de trabalho tem vindo, de modo crescente, a assegurar um primeiro contacto com o mercado laboral para muitos jovens recém-licenciados, e também uma perspetiva de carreira para perfis mais maduros e qualificados, ao nível de cargos de gestão.
Trabalhar temporariamente está longe de ter de ser uma tragédia. Dizem os especialistas que o importante é saber retirar o melhor partido da situação, que não tem de se perpetuar no tempo. Você não tem de ser temporário para sempre. Mas já pensou se prefere estar desempregado ou ir capitalizando experiências, mantendo-se no ativo enquanto não alcança a estabilidade que procura?
A resposta é óbvia, sobretudo para quem recruta. “Da parte de quem contrata, quer para funções temporárias ou não, é muito valorizada a capacidade de adaptação à mudança, a proatividade, a flexibilidade que demonstra um candidato que prefere trabalhar temporariamente (mesmo que em funções abicho da sua qualificação) do que perpetuar-se no desemprego até ao fim do subsídio. Isto é importante para quem contrata e é um fator de valorização para qualquer candidato”, defende Fabrícia Antunes.
A Page Personnel opera o trabalho temporário ao nível das posições de interim management . No grupo Michael Page, onde a empresa está integrada, o TT representa 24% do volume de negócios do grupo. “Cerca de 8,7% do trabalho temporário é já ao nível dos quadros de direção”, explica Fabrícia Antunes. Segundo a especialista, “o TT em interim tem vindo a crescer, nomeadamente em setores como a banca, os serviços de consumo, os centros de serviços partilhados, as áreas de suporte financeiro e de contabilidade, a análise de risco, os comercias e o marketing”. Todas, funções que exigem qualificação superior.
Fabrícia reconhece que este target não representa ainda a maior fatia do TT em Portugal, mas não tem a mínima dúvida de que “a motivação dos profissionais altamente qualificados para trabalhar temporariamente é hoje muito maior”. Há, como refere, “cada vez mais profissionais a querer trabalhar por projeto, desde que a empresa represente uma mais-valia em termos de currículo profissional. Já tivemos candidatos que se encontravam profissionalmente desmotivados e apesar de terem um emprego sólido e estável, negociaram saídas e abraçaram missões temporárias, para enfrentar novos desafios e criar currículo”.
Do lado de quem emprega o TT também é cada vez mais valorizado. “No estrangeiro, os administradores há muito utilizam esta ferramenta para cargos de gestão e só não a utilizavam cá por receio de, tendo em conta a má imagem que estava associada ao TT, não conseguirem atrair profissionais qualificados. A mentalidade inverteu-se”, explica Fabrícia Antunes. Em termos de perfil, a Page Personnal trabalha apenas com profissionais com formação superior ao nível da licenciatura, pós-graduação e até MBA. Em termos de idade, “o target da empresa é entre os 26 e os 32 anos e depois profissionais acima dos 52 anos, com carreiras sólidas porque as empresas ao recrutar nestas funções, não querem dedicar muito tempo à formação e procuram profissionais experientes”, enfatiza.
“Está-se a elevar a exigência dos perfis”, garante a executive manager da empresa de recrutamento e até para os mais jovens esta pode ser uma interessante abordagem de entrada no mercado de trabalho, dentro ou fora da sua área de formação. Com os recrutadores a valorizarem cada vez mais esta capacidade de aceitar desafios e projetos e se mobilizar, os mais jovens só tem a ganhar em abraçar um emprego temporário enquanto não conseguem o trabalho com que sonharam. Não estão parados, constroem currículo, experiências e competências, tem oportunidade de perceber como funcionam as organizações, de ganhar dinheiro e, sobretudo, de estarem no ativo. “Todos sabemos que é mais fácil conseguir emprego quando já estamos a trabalhar do que quando estamos em casa à espera”, conclui Fabrícia Antunes.