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“Perdemos 30% das nossas competências a cada quatro anos”

“Perdemos 30% das nossas competências a cada quatro anos”

O futuro do trabalho não se faz só de qualificação. Faz-se também de flexibilidade e adaptação à mudança. E para isso são necessários não só profissionais tecnicamente bem preparados, mas disponíveis para serem eternos estudantes. Por outras palavras, para se qualificarem profissionalmente até à idade da reforma. Até porque, a cada quatro anos 30% das suas competências estarão desatualizadas. Esta é a visão do futuro do trabalho preconizada por Alain Dehaze, CEO mundial do Grupo Adecco, que esteve em Portugal e com quem o Expresso falou em exclusivo.

10.04.2018 | Por Cátia Mateus


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O último relatório do Fórum Económico Mundial defende que desemprego e o subemprego são os maiores riscos que enfrentam hoje os profissionais. Quão realistas são os receios da robotização e da substituição homem-máquina? 
Comparo a tecnologia à eletricidade. Tivemos a revolução da eletricidade que, no princípio, tinha uma ou duas aplicações, uma delas a luz. Graças a ela, as pessoas começaram a trabalhar noite e dia, até que surgisse regulamentação. Mas com a eletricidade apareceram uma série de novos negócios e empregos. O mesmo sucederá agora com a robotização e a inteligência artificial (IA). Novos negócios e indústrias e empregos serão criados. O processo é o mesmo. O desafio é equilibrar os empregos que são destruídos pela tecnologia e os novos que ela gerará. O caminho para este equilíbrio faz-se apoiando a criação de startups, novos negócios e indústrias, mas a formação e requalificação permanente dos profissionais.

Que tipo de empregos e sectores serão mais afetados? 
Todas tarefas simples e repetitivas serão potencialmente automatizadas. E há-as em todas as indústrias, dos media à agricultura. Portanto, não acho que seja uma questão de sectores. É antes uma questão de funções e de processos. Se estamos numa indústria, empresa ou departamento que desempenha processos repetitivos, independentemente do sector, o caminho será o da automação. O paradoxo é o que estamos, por exemplo, a viver na Alemanha que é um dos cinco países do mundo mais robotizados. A automação absorve 75% do investimento e a indústria automóvel é uma das mais automatizadas. E sabe o que é curioso? A Alemanha para nós é um grande mercado, faturamos mais de €2 biliões ao ano e 30% do nosso negócio no país deriva da indústria automóvel. Isto significa que mesmo perante os avanços tecnológicos, as pessoas são e serão sempre essenciais.
 
Mas certamente os modelos de gestão não serão os que atualmente conhecemos... 
A tendência aponta para uma combinação entre a tecnologia e uma força de trabalho mais flexível. As empresas precisam de se tornar mais ágeis, flexíveis e competitivas e é, neste sentido, que se estão a desenvolver e a adaptar os seus modelos de gestão. 

A flexibilidade laboral é uma tendência futura a nível global? 
Não é futura, é atual. É um bocadinho um regresso ao futuro. No passado tínhamos uma franja muito significativa de artesãos que trabalhavam para vários clientes, eram independentes e passavam de um projeto para o outro sem qualquer problema. Por isso, isto em si não é uma novidade. Os profissionais de hoje, essencialmente os mais jovens, são especializados, competitivos e colocam as suas competências e conhecimento ao serviço das empresas e do mercado. Tal como no passado.

Não é linear para todas as gerações de profissionais, nem em todos os países. Em Portugal, por exemplo, temos muita resistência a essa flexibilidade.
Há, de facto, duas realidades. As gerações mais jovens querem esta flexibilidade, procuram esta ideia de melhor compatibilização trabalho-família. Querem ter a possibilidade de trabalhar quando querem. Não é trabalhar menos, é trabalhar de uma forma compatível ao seu contexto pessoal, em projetos que os motivam e no seu tempo. Às gerações mais seniores esta flexibilidade assusta. A adaptação dos profissionais a este novo contexto do mercado exige que os governos tenham de repensar e reformular o seu contrato social de forma a que seja possível oferecer às empresas a flexibilidade de que necessitam para serem competitivas, mas também garantir aos profissionais a segurança a que aspiram. É o tão falado conceito de flexisegurança que impõe a criação de um novo contrato social. Infelizmente, na maioria dos países a regulamentação existente não permite esta flexibilidade. 
 
Nesse modelo de trabalho mais flexível, o que lhe parece mais essencial: assegurar o emprego ou a empregabilidade dos profissionais? 
Claramente a empregabilidade. É determinante trabalhar o desenvolvimento de competências que permitam aos profissionais ser 'empregáveis' em qualquer lugar, empresa ou função, adequando-as às necessidades do mercado e das organizações. E é mais importante trabalhar esta empregabilidade das pessoas do que a criação de emprego.

Que competências são essas? 
As competências do futuro serão uma combinação de técnica - certamente as designadas competências STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemáticas) e também outras que venham a revelar-se críticas para as empresas - com competências comportamentais e emocionais, como o trabalho em equipa, a resolução colaborativa de problemas, a criatividade ou a empatia. Em suma, tudo aquilo que os algoritmos e a IA não conseguem substituir. É isso que fará a diferença no futuro.

O sistema educativo atual está a conseguir dar resposta a isto? Estamos a conseguir formar os profissionais de que o mercado e as empresas de facto necessitam?
Não, o sistema educativo atual não está a conseguir dar resposta a isto. O que significa que tem de mudar para conseguir dar resposta às competências que as empresas necessitam hoje.

Defende um maior reforço da qualificação nas áreas STEM, onde Portugal lida com escassez de talento? 
Defendo um modelo de formação profissionalizante (apprenticeship), ou ensino dual, onde os jovens desenvolvam as competências e especializações adequadas às necessidades reais do mercado. Países como a Alemanha, Suíça ou Áustria, onde o ensino profissionalizante é uma realidade expressiva há décadas, comprovam o sucesso deste método. Não só o desemprego é baixo, como o desemprego jovem é muito baixo. 
 
Considera  então que a formação profissional é a receita para combater o desemprego jovem? 
É uma ferramenta-chave. O desemprego pode ser abordado de diversas formas, o ensino profissionalizante é uma delas e é muito importante. É fundamental que sejam dadas aos jovens, desde cedo, as ferramentas necessárias para o desenvolvimento de competências que lhes permitam ingressar no mercado de trabalho. Na Suíça, 70% dos jovens não frequentam o sistema clássico de ensino, mas sim a via profissional. A grande vantagem é que quando chegam aos 18 anos, já dominam tecnicamente uma profissão que faz deles 'empregáveis', independentemente de poderem ou não dar continuidade os seus estudos. E esse é outro aspeto importante no combate ao desemprego, é fundamental apoiar a sua formação contínua ao longo da vida e requalificação profissional, se necessária.

Mas nessa equação não será irrelevante a área de formação escolhida... 
Há uma carência global do que consideramos de competências STEM. É uma das megatendências que decorre do desenvolvimento tecnológico generalizado, nos negócios e nas empresas. Não falamos apenas de robótica. Falamos de IA e da aplicação da tecnologia a atividades que antes eram exclusivas ao homem, como as ciências, a saúde, a agricultura e outras. Isto requer profissionais com novas competências, sobretudo nas áreas STEM. O que significa que as empresas estão, naturalmente, muito focadas em recrutar estes profissionais, mas também em requalificar os profissionais que têm no ativo para estas áreas, ampliando as suas competências e adequando-as ao atual contexto do mercado. Tornou-se essencial fazer isto em permanência. Dou sempre o exemplo do marketeer. Ser marketeer hoje é totalmente diferente de o ser há cinco anos atrás. Hoje falamos em redes sociais, em social engine optimization (otimização de motores de pesquisa) e num número infindável de processos digitais que é preciso gerir quotidianamente. Há cinco anos um marketeer estaria a preparar panfletos. O contexto é totalmente diferente. 

E a tendência é para se alterem as profissões a um ritmo progressivamente mais acelerado... 
Esse é um aspeto muito relevante quando falamos de tecnologia. Sabemos que, em média, enquanto profissionais, perdemos 30% das nossas competências a cada quatro anos. Esta velocidade de deterioração de competências impõe a necessidade (ou antes, a obrigatoriedade) dos profissionais apostarem na requalificação profissional permanente.
 
É a única forma de nos mantermos competitivos no mercado de trabalho futuro? 
É a forma de criarmos o futuro. A minha geração foi treinada para estudar 20 anos e entrar no mercado de trabalho. A realidade hoje já não é essa e no futuro não haverá outro caminho senão o de estudar e trabalhar em simultâneo, até ao fim da carreira. Hoje, os jovens americanos entre os 18 e os 25 anos mudam, em média, 12 vezes de emprego. Fazem-no porque preferem, como já falamos, desenvolver a carreira como freelancers, mas também porque se qualificam e especializam para que serem competitivos atrativos perante os empregadores. E para perfis assim, a mudança não é limitativa.
 
O emprego do futuro tem tecnologia e vocação social
Flexibilidade, tecnologia, qualificação permanente, diversidade e vocação social serão as grandes tendências do emprego no futuro. E para Alain Dehaze não estamos a falar de previsões a longo prazo. Estamos a falar de uma mudança de paradigma que já está em marcha e que em muitas organizações tem já um papel estratégico nas opções de recrutamento. “Estamos a viver num mundo volátil, imprevisível, complexo e ambíguo e, face a isto, a generalidade das empresas têm flexibilizado mais a sua força laboral de forma para se tornarem mais ágeis e competitivas”. 

Para o líder mundial da Adecco a estratégia é positiva, desde que consiga assegurar as necessidades de empresas e profissionais. E é aqui que as coisas se complicam. 
Mais de 40% dos empregadores mundiais afirmam que não estão a conseguir encontrar no mercados profissionais com as competências de que necessitam. O cenário, traçado por Alain Dehaze, pode ser invertido pela via da qualificação permanente e  da requalificação profissional, que o CEO da Adecco advoga, mas também pelo fomento a uma cultura de diversidade que é cada vez mais vital para o sucesso das empresas. O efeito da ausência de diversidade (seja ela de género, idade, cultura, religiosa ou outra) nas empresas pode ser devastador para o negócio, garante.

A diferença ainda limita
“Para serem competitivas, as empresas precisam de pensar e trabalhar de forma mais diferenciada e diversa possível”, explica o gestor acrescentando que a promoção da diversidade interna, não só é relevante como “potencia o talento, a inovação e a criatividade na empresas”. Razão pela qual, defende, “a inclusão da diferença deve ser encarada como uma vantagem competitiva das organizações e nunca um obstáculo”. Um cenário que, reconhece, será no futuro, mais do que uma realidade, uma necessidade das organizações para atrair talento e inovar.

A tecnologia é outra das grandes tendências. E não apenas na questão da substituição do homem pela máquina, que será transversal a todos os sectores de atividade. Para Alain Dehaze, a tecnologia impõe a necessidade de recrutamento de profissionais mais qualificados que estejam preparados para tirar dela o melhor partido, mas terá também impacto nos processos de recrutamento que se tornarão mais digitais. Na própria Adecco a revolução já está em marcha. “Lançámos já uma empresa de recrutamento temporário completamente digital - a ADIA -, estamos a aplicar a IA na seleção de candidatos e a utilizar robotic process automation em muitas das tarefas do recrutamento”, explica.

E se as competências tecnológicas dos profissionais serão determinantes no futuro, as sociais não serão menos. Além da crescente relevância que as competências comportamentais estão a assumir nos processos de recrutamento, Alain Dehaze destaca a importância que os perfis com qualificações humanas e sociais terão nas empresas do futuro. “O envelhecimento das populações exigirá um reforço da contratação de perfis capazes de cuidar de idosos”, antecipa ao mesmo tempo que garante que nas empresas será cada vez mais importante para as organizações contratar profissionais com maior vocação humana e social, capazes de lidar com os desafios éticos que a tecnologia impõe.  


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