Em janeiro deste ano, as exportações nacionais cresceram 9,6% em termos homólogos, segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Uma variação positiva muito sustentada na dinâmica de indústrias como a da metalurgia e metalomecânica, têxteis, calçado, moldes, turismo ou dos componentes para a indústria automóvel. Mas esta dinâmica pode ser travada por um fator: a escassez de profissionais qualificados que afeta estas indústrias. O Expresso realizou uma ronda por estes seis sectores, que estão entre os líderes das exportações nacionais, e apurou que faltam, pelo menos, 67 mil profissionais qualificados. E o cenário tende a agravar-se.
“Socialmente, trabalhar nos serviços continua a ser muito mais bem visto do que trabalhar na indústria. E esta questão cultural é o maior entrave à contratação. Maior do que a falta de profissionais. Esses podemos formar, assim tenhamos quem queira trabalhar na indústria”. É Paulo Vaz, diretor-geral da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), quem o afirma. Em 2017, as exportações do sector atingiram os €5,2 milhões, num crescimento de 4% face a 2016. Às empresas do sector faltam pelo menos 15 mil profissionais, avança Paulo Vaz.
As maiores necessidades são na área do vestuário, “em particular na confecção onde são necessárias muitas pessoas e onde é muito difícil contratar”. Paulo Vaz fala, por exemplo, de costureiras. Uma carreira que não atrai os mais jovens, mas que é o grande trunfo desta indústria e que, afirma, está longe de ser uma carreira sem futuro. “Substituir a confeção por tecnologia não será fácil, pelo que estes perfis são, e continuarão a ser, fundamentais ao sector”, explica. Na lista de dificuldades de contratação das empresas da fileira têxtil estão também perfis tecnológicos, engenheiros têxteis, designers, especialistas em inovação e técnicos de produção experientes.
Calçado também sofre
No calçado o cenário é idêntico. Há oito anos que as exportações do sector estão em crescimento. Aumentaram 55% desde 2010 e em 2017 bateram novo recorde: foram vendidos 84 milhões de pares de calçado para 152 países, nos cinco continentes. Tal como no sector têxtil, há dificuldades de contratação. “O crescimento muito rápido do sector esgotou a mão-de-obra disponível”, explica Paulo Gonçalves, porta-voz da associação dos industriais do calçado, a APICCAPS. Desde 2010, o sector contratou mais de 10 mil profissionais. Paulo Gonçalves tem dificuldade em contabilizar, a números atuais, quantos faltam hoje nas empresas, mas confirma a preocupação de “atrair uma nova geração de talento”, essencial para fazer face aos desafios da indústria 4.0.
A metalurgia e metalomecânica é um dos sectores exportadores com maiores dificuldades na captação de talento. Rafael Campos Ferreira, vice-presidente executivo da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), fala num défice de 28 mil profissionais qualificados. Em 2017, as exportações atingiram o recorde de €16,4 mil milhões. Um crescimento que pode estar ameaçado pela carência de talento em quase todas as áreas: “posições intermédias, como operadores de máquinas, soldadores especializados e torneiros mecânicos, são profissionais que simplesmente não temos disponíveis no mercado e para os quais há imensa procura”, explica defendendo que é fundamental “mostrar aos jovens e à comunidade, que a indústria é interessante para desenvolver uma carreira e é uma área com futuro”.
Manuel Oliveira, secretário-geral da Cefamol (Associação Nacional da Indústria de Moldes), partilha a mesma visão. O sector emprega em Portugal 10.460 profissionais, num universo de 500 empresas, maioritariamente de pequena e média dimensão que alcançaram, em 2017, €675 milhões em exportação. O líder arrisca assumir que todas têm recrutamentos ativos. “Se tivermos em conta o universo do sector e pensarmos que cada empresa tem, pelo menos, uma vaga (e tem mais!), é fácil perceber que teremos entre 500 a mil oportunidades para preencher no imediato”, explica reconhecendo a dificuldades de contratação, sobretudo nas áreas mais técnicas (projeto, conceção de moldes e montagem). “O problema não passa pela existência de cursos nestas áreas, mas pelo facto dos alunos estarem longe destas carreiras e terem uma imagem distorcida da competitividade da indústria nacional”, desabafa.
Na fabricação de componentes para o sector automóvel, bateu-se em 2017 o recorde de exportações: €7,7 mil milhões. Os resultados refletem o impacto do aumento da produção automóvel, mas Tomás Moreira, presidente da direção da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), também reconhece o desafio que é atrair talento. Apesar das dificuldades, as 220 empresas do sector têm conseguido aumentar os seus quadros a um ritmo de 5% ao ano e empregam hoje 52 mil profissionais. O líder admite que venham a surgir este ano milhares de oportunidades no sector, em quase todas as áreas, mas sobretudo para quadros técnicos especializados, engenheiros e pessoal fabril. A automação, garante, não é uma alternativa às dificuldades de contratação. “Precisaremos sempre de profissionais qualificados para operar a tecnologia e isso coloca maior pressão numa das áreas onde é mais difícil recrutar: a dos perfis altamente qualificados”. Em fevereiro deste ano a associação admitia que até 2020 seriam necessários quase oito mil novos trabalhadores para o sector.
Turismo só recruta um quinto dos trabalhadores que precisa
O turismo é o sector da moda, mas nem por isso escapa ao desafio de contratar. A última edição da Bolsa de Turismo de Lisboa, que decorreu este mês, deixou-o bem claro ao promover uma feira de emprego com 15 mil vagas em aberto. Necessidades de contratação imediatas que até ao final do ano deverão aumentar e em grande escala. Francisco Calheiros, presidente da Confederação de Turismo de Portugal, admite que “tendo em conta a atual realidade de crescimento contínuo do turismo, estimamos que sejam necessários 50 mil profissionais por ano e o sector apenas consegue contratar cerca de 10 mil”. Para o líder, “o turismo depara-se com várias dificuldades entre as quais a inexistência de pessoas disponíveis no mercado de trabalho e a incapacidade de resposta das escolas de formação”.
Recrutamento e motivação ?são os grandes desafios dos CEO
O otimismo em relação à evolução da economia domina entre os líderes empresariais nacionais. O último inquérito realizado pela empresa de executive search (recrutamento de executivos) Stanton Chase aos CEO nacionais — o CEO Survey 2018 —, a que o Expresso teve acesso, revela que 76% dos líderes empresariais têm uma perspetiva favorável para a economia nacional durante este ano. O valor mais do que duplica em relação ao registado em 2017 e está sobretudo sustentado nas expectativas dos líderes face ao crescimento da economia global em 2018, às políticas monetárias do Banco Central Europeu e a uma maior eficácia na atração de investimento estrangeiro extraeuropeu. Mas apesar deste otimismo, os CEO nacionais reconhecem alguns entraves que podem fazer desacelerar esta dinâmica: o recrutamento de profissionais qualificados e a retenção das suas equipas, por via da motivação.
A maioria dos líderes inquiridos pela Stanton Chase são seniores que ocupam a sua função há sete anos ou mais, mas nem por isso negam dificuldades no exercício da missão. Para 55% dos líderes inquiridos, o recrutamento de perfis qualificados é a maior dor de cabeça que atualmente se coloca a um líder. O valor apurado para este parâmetro de análise foi o mais alto registado nos últimos anos e quase duplicou face a 2012. Os líderes nacionais revelam também dificuldades na gestão das suas equipas no que toca à motivação e compromisso dos profissionais. Para 33% dos líderes esta questão é um problema e não deverá inverter-se a curto prazo, com a guerra pela disputa de talento no seu auge.
Gerir a mudança é crítico
Turismo, hotelaria e eventos, tecnologias de informação e indústria são apontados pelos CEO nacionais como os sectores que, nos últimos três anos, mais aumentaram a sua capacidade competitiva face ao estrangeiro. Manter esta dinâmica passa, segundo os líderes, não só pela capacidade de conseguir atrair recursos humanos qualificados em volume compatível com as necessidades das empresas, mas também por reforçar internamente um conjunto de competências consideradas vitais para a sustentabilidade dos negócios.
Segundo José Bancaleiro, managing partner (diretor-executivo) da Stanton Chase Portugal, a gestão da mudança é apontada por 64% dos líderes nacionais como uma competência crítica para as empresas nos próximos anos e que é urgente reforçar. Na linha de prioridades dos gestores nacionais em matéria de reforço das suas equipas estão também as competências de liderança (referidas por 46% dos CEO como prioritárias), as soft skills — competências relacionais ou comportamentais — (41%), a visão e gestão estratégica (39%) e as competências digitais (27%) que ainda permanecem como um dos principais desafios das várias indústrias nacionais. Colmatar todas estas lacunas é o desafio dos gestores nacionais nos próximos dois anos, quando se espera que a economia possa registar um crescimento moderado. A opinião de 91% dos gestores inquiridos vai nesse sentido.
Na análise comparativa dos resultados do CEO Survey entre 2012 e 2018, merece destaque o facto dos líderes nacionais terem conseguido resolver algumas “patologias” na gestão das suas equipas. O reforço das áreas de criatividade e inovação, por exemplo, que era o grande desafio empresarial em 2012 e uma preocupação para quase metade dos CEO, só preocupa atualmente 28% dos líderes.