Ruben Eiras
PARA competir no mundo moderno, a elite empresarial tem
que adoptar uma gestão democrática que estimule a participação
dos trabalhadores, estando sempre disponível para apoiá-los.
É o que defende Fernando Pinto, CEO da TAP, na segunda entrevista
ao EXPRESSO sobre a competência das elites. O gestor salienta que
o líder tem que actuar "como a base da pirâmide e
não o topo".
EXPRESSO - Quais são os factores críticos de sucesso
de uma elite com fortes competências de liderança?
FERNANDO PINTO - O primeiro é a visão, porque
é fundamental para a capacidade de definir caminhos. É
também muito importante saber comunicar com eficácia para
concretizar a visão, criar transparência e motivar as pessoas.
EXP. - Em concreto, como se processa essa comunicação
eficaz?
F.P. -Tem que ser objectiva, simples, prática e deve
passar primeiro por uma "peneira", para filtrar o que é
acessório. Deve-se focar a comunicação nos pontos
importantes. Mas isto não significa esconder informação.
Há que sempre ser transparente - escolhemos as questões
mais críticas e transmitimo-las, para eliminar ruídos
de comunicação, a informal que se realiza muitas vezes
nos "corredores".
EXP. - E como é que aplicou essa metodologia na TAP?
F.P. - Temos um contacto regular e permanente com os sindicatos,
fomos ao fundo dos problemas da empresa, definimos com mais clareza
a situação do mercado dos transporte aéreo e o
seu futuro. Fizemos conferências, seminários e "workshops"
para comunicar aos trabalhadores o panorama do sector.
Mostramos quais os vários caminhos que tínhamos para seguir
- havia alguns perigosos e difíceis, e outros em que era mais
fácil de sobreviver. E aí sim, através de uma comunicação
sistemática e permanente, com todos os trabalhadores, quadros,
comissões de trabalhadores e sindicatos, mantemos toda a gente
actualizada.
EXP. - Fala directamente com os trabalhadores?
F.P.- Temos uma equipa de vice-presidentes que transmite as orientações.
Mas fazemos reuniões gerais em que apresentamos os resultados
a todos os trabalhadores da empresa, mas às vezes falhámos.
Não somos infalíveis... O processo de comunicação
é o seguinte: antes de fazermos a apresentação
dos resultados para a imprensa, divulgamo-la aos quadros da empresa,
que se encarregam de transmitir essas mesmas informações
aos seus subordinados.
Além disso, também fazemos apresentações
periódicas aos sindicatos. E de seis em seis meses, mais ou menos,
realizamos uma apresentação directa dos resultados aos
trabalhadores. E aí comunicamos directamente a grupos grandes,
entre 500 e 1.000 pessoas. A apresentação dura uma meia
hora e os restantes 40 minutos são para sermos questionados directamente
pelos trabalhadores.
EXP.- Quando surgem perguntas "incómodas", responde-as?
F.P. - O objectivo é esse - é melhor que as façam
a nós, do que as considerem como verdades. Então fazendo
directamente até nós fica mais fácil a transparência.
Se existe um problema sobre o qual não estavámos a par,
respondemos: "Não sabíamos disso, vamos pesquisar
e dar resposta em tempo útil".
Eu sempre fiz assim e não sei fazer de outro jeito. Na minha
gestão das quatro empresas que estive à frente até
hoje, sempre pratiquei total transparência. E sempre usei muito
a comunicação para que as pessoas soubessem qual é
o caminho que tinham de seguir. Isto é, não é só
impor o caminho, mas negociá-lo.
Se existirem outras escolhas para o futuro da empresa, mostrar através
da comunicação e da transparência que não
há outras razões senão aquele que é o melhor
caminho para a empresa. E assim motiva-se as pessoas.
EXP. - Isso é quase a democracia na empresa
F.P.-É verdade. O mundo hoje é mais democrático
e acho que a gestão também o deverá ser. O gestor
tem que ser mais democrático e participativo para que as pessoas
tenham mais motivação.
EXP. - E os gestores portugueses, daquilo que tem observado, pautam
por uma liderança democrática?
F.P.-Eu acho que aí temos escolas diferentes. Eu vim de
uma escola que é brasileira (Fundação Getúlio
Vargas), mas que tem fortes influências da escola americana. A
escola europeia, no seu todo, é influenciada pela realidade do
relacionamento sindical.
Há um histórico de vários embates e conflitos,
que criou um certo distanciamento entre trabalhadores e empresários.
E isso prejudica a abertura em termos de conversação,
negociação e de acompanhamento. Eu diria que só
vindo de uma outra escola neutra nisso, é que foi possível
quebrar esse gelo e iniciar um relacionamento diferente.
EXP. - A nível da formação dos empresários,
que caminhos se deveriam tomar para criar uma cultura mais dialogante
e de participação?
F.P.-Essa é uma mudança que vem acontecendo naturalmente
com o tempo. É uma questão de sobrevivência. É
verdade que em Portugal não se encontra muitos empresários
com um alto nível de formação, mas que possuem
um alto nível de qualidade de gestão. São empreendedores
de grande sucesso, o que mostra que muitas vezes um alto nível
de formação não é fundamental.
Mas é claro que o somatório dos dois é muito bom.
E quanto mais profissionalismo for incutido na gestão, através
de uma maior ligação da escola com a empresa e o próprio
Estado, vamos conseguir pessoas com uma formação mais
específica para os desafios concretos que temos hoje à
nossa frente.
EXP. -Voltemos à questão da liderança. Costuma
dizer que "o líder é a base de uma pirâmide".
O que quer dizer com isto?
F.P.- A mentalidade que imperava era chegar ao topo da pirâmide,
sentar-se no trono e dizer: "Agora tenho o domínio".
Muitos até se achavam intocáveis. Isso vem mudando, especialmente
nas empresas de serviços, como a nossa, onde a pirâmide
está invertida - os líderes têm que suportar a pirâmide.
Ou seja, têm que dar suporte, apoio às pessoas mais importantes,
aquelas que têm trato directo com o cliente. Esta inversão
de mentalidade é crucial para competir com qualidade.
EXP. -Sente-se reconhecido pelo trabalho que fez na TAP?
F.P.-Acho que sim. Há muitos reconhecimentos importantes,
mas o maior é o do próprio trabalhador. Já reconhece
o trabalho feito pela nossa equipa e isso é o mais valioso para
nós.