Cátia Mateus e Fernanda Pedro
Pessoas com deficiência
apostam na criação do próprio negócio
Deficientes com emprego assegurado
CRIAR um negócio próprio é um desafio para qualquer
pessoa. O medo de arriscar é por vezes o maior obstáculo
ao empreendedorismo em Portugal e também não é excepção
para aqueles que são portadores de deficiência. Talvez por
isso não são muitos os que decidem seguir esse caminho.
Por falta de apoios e meios, ou mesmo por receio da discriminação
a que ainda são sujeitos, o certo é que o espírito
empreendedor por parte de pessoas portadoras de deficiência começa
aos poucos a despontar em Portugal.
Ainda não existem dados oficiais quanto ao número de deficientes
que abraçam uma carreira empresarial. Contudo, na Associação
Portuguesa de Deficientes (APD), no ano de 2002, apenas 12 associados
mostraram interesse em se estabelecer por conta própria.
A ausência de um levantamento estatístico nesta área
é uma das lacunas apontadas por Humberto Santos, presidente da
APD, que alerta ainda para a necessidade de se alterar a mentalidade vigente
e de se apostar numa nova cultura de cidadania, sensibilizando para uma
"real igualdade de oportunidades".
Conscientes deste panorama, várias instituições travam
uma batalha contra a discriminação dos portadores de deficiência
no mundo empresarial. Anualmente o Instituto do Emprego e Formação
Profissional (IEFP) atribuiu o Prémio de Mérito.
O objectivo desta iniciativa é distinguir as empresa que acolhem
cidadãos nestas condições e também portadores
de deficiência com projectos empresariais de sucesso.
É o exemplo de Nuno Caria. Aos 30 anos de idade este empreendedor
arrecadou o primeiro lugar do Prémio de Mérito 2003. O facto
de sofrer de paralisia cerebral não o impediu de criar a Consagrus,
uma empresa de consultoria na área da agricultura (por exemplo,
elabora estudos de viabilidade para a implementação de projectos
no sector).
O seu exemplo é de sucesso, mas o percurso que escolheu não
foi feito sem dificuldades. Para Nuno Caria, "é mais difícil
gerir o dia-a-dia do negócio do que conseguir os apoios necessários
para implementá-lo", explica.
Uma desconfiança latente
O jovem empresário confessa que já viu clientes rejeitarem
os seus serviços devido à sua deficiência e refere
que "há clientes que não confiam; e quando se trata
de gerir o dinheiro dos outros é necessário confiança".
Ainda assim, Nuno Caria sente-se realizado profissionalmente. Com um ano
e meio de vida, a Consagrus tem já uma carteira de 30 clientes
e para o empreendedor "o futuro será encarado com dinamismo
e muita vontade de vencer".
Empreendedores portadores de deficiência
Uma força de vontade que também caracteriza a postura de
Renato Duarte, vencedor do segundo lugar do mesmo prémio. Aos 28
anos, este empreendedor desloca-se numa cadeira de rodas e tem muitas
dificuldades em falar e escrever sozinho.
Sofre de deficiência motora e paralisia cerebral, mas isso não
o impediu de criar a Estudamédia, uma empresa de multimédia
vocacionada para o desenvolvimento de projectos educativos para crianças.
Neste projecto, Renato Duarte tem dois sócios. A vontade de triunfar
num mercado extremamente competitivo é muita e o empresário
sabe que o percurso não se fará sem dificuldades. Ainda
assim confessa-se pronto para ultrapassar cada barreira e mostrar que
o seu projecto tem valor.
O caso de Renato Duarte prova que as novas tecnologias foram decisivas
para impulsionar a criação de novas empresas nestas áreas.
Na opinião de Humberto Santos, elas foram a grande plataforma para
a mudança da empregabilidade das pessoas portadoras de deficiência.
"Estas tecnologias vieram contribuir para que muitos deles pudessem
ter as mesmas oportunidades. O que realmente condiciona a concretização
do sonho de um negócio próprio são os meios e os
apoios que se revelam ainda insuficientes", explica.
Na realidade, para Humberto Santos, a criação de uma empresa
é ainda um dos canais para a entrada no mercado de trabalho destes
cidadãos, "porque por conta de outrem é ainda muito
difícil, já que a maioria dos empregadores ainda não
se mostram sensíveis à empregabilidade de portadores de
deficiência".
O estrangulamento da burocracia
Uma situação que felizmente nunca afectou José de
Almeida. Aos 57 anos de idade e com uma deficiência motora desde
os 29 devido a um acidente de viação, nunca teve problemas
em arranjar trabalho. "Barman" de profissão, conseguiu
sempre exercer a sua actividade em vários hotéis da cidade
de Lisboa.
"Chegava a passar 16 horas a trabalhar e ao outro dia ressentia-me
fisicamente e foi por isso que em 1991 pensei em trabalhar por conta própria
na área da restauração", recorda.
Inscreveu-se na Câmara Municipal de Lisboa para ocupar um espaço
e foi ao centro de emprego para conseguir um apoio financeiro. Mas só
10 anos depois lhe foi atribuído um quiosque perto do palácio
da Justiça. Para seu descontentamento, "um local onde ninguém
passa e voltado para os taipais do estaleiro das obras do metro".
O sonho acalentado durante tanto tempo está em risco de se desmoronar
porque nestas condições José de Almeida encontra-se
prestes a fechar as portas do seu negócio.
Discriminação fiscal
O empreendedor reconhece que teve todo o apoio económico e pedagógico
por parte do centro de emprego, mas sente que em todo o processo sentiu
por vezes na pele a prepotência por parte de algumas pessoas.
"Nunca usufrui até agora das regalias fiscais para pessoas
portadoras de deficiência, sempre cumpri com todas as minhas obrigações
sociais e fiscais enquanto cidadão e é muito triste quando
sentimos o peso da discriminação", revela.
Também António Lopes, de 42 anos de idade e deficiente motor
desde os 32 devido a um acidente de viação, teve de ultrapassar
em algumas ocasiões o tratamento discriminatório a que esteve
sujeito quando iniciou o seu processo de retorno à vida profissional
.
De taxista passou a sapateiro e agora gosta do que faz. Foi no Centro
de Recuperação de Alcoitão que tirou o curso de reparador
de calçado "para poder seguir em frente com a vida. Precisava
de voltar rapidamente para o mercado de trabalho, a família precisava
de mim", relembra.
Quando pensou em estabelecer-se por conta própria, pediu um local
na Câmara Municipal de Lisboa e um subsídio ao IEFP. Um ano
depois conseguiu um lugar no Mercado Municipal da Picheleira. Já
passaram quatro anos e o negócio tem vindo a crescer.
António Lopes salienta, no entanto, que os momentos mais difíceis
foram os primeiros seis meses, mas a partir daí os clientes foram
aumentando. "Tive a sorte de apostar numa área onde há
falta de profissionais, só que foi necessário muita luta
para ser aceite como empresário", explica.
Célia Fernandes, coordenadora da Operação para a
Promoção de Emprego de Pessoas com Deficiência da
Cidade de Lisboa (OED - uma instituição que resulta da parceria
entre o IEFP, a Câmara Municipal de Lisboa e a Liga Portuguesa de
Deficientes Motores Centro de Recursos Sociais), refere que a criação
de um negócio próprio ainda não está nos horizontes
da maioria daqueles que procuram a OED.
Com efeito, em 2001 existiram apenas quatro pedidos para trabalhar por
conta própria e em 2002 ninguém tomou essa iniciativa. "A
realidade é que o empreendedorismo neste segmento de cidadãos
está aos poucos a desabrochar", remata Célia Fernandes.
Apoios e informação
APESAR das dificuldades no estabelecimento por conta própria por
parte das pessoas deficientes, a lei já deu alguns passos de forma
a garantir a igualdade de oportunidades.
Na verdade, a legislação portuguesa contempla no Decreto-lei
nº 247/89 de 5 de Agosto, o regime de apoio técnico e financeiro
a programas de reabilitação profissional das pessoas com
deficiência. O despacho normativo nº99/90 de 6 de Setembro
estabelece normas sobre a regulamentação da concessão
de subsídios, para a instalação por conta própria
e da atribuição de prémios de integração.
O Despacho nº 12008/99 (II Série) de 23 de Junho regula o
prémio de mérito e é concebido apoio à pessoa
com deficiência nas despesas de instalação numa actividade
remuneradora economicamente viável.
Mas para uma melhor orientação na aventura do empreendedorismo
aqui ficam alguns endereços "online" de instituições
que podem ajudar nessa direcção:
- www.anje.pt - Associação Nacional
de Jovens Empresários
- www.iodo.org/ - Projecto IODO - "Iguais
Oportunidades Diferentes Opções"
- www.iefp.pt - Nas Perguntas Frequentes
pode pesquisar sobre o programa de apoios