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Controlador Aéreo...uma vida de adrenalina
António Abreu Guerra é Controlador
Aéreo na Navegação Aérea de Portugal, NAV. Se
é um facto que esta é uma profissão altamente stressante,
também é verdade que para se conseguir enfrentá-la
é mesmo preciso um certo nível de stress. Venha saber porquê.
ExpressoEmprego: Considera
que, em termos de stress, tem uma profissão de risco?
António Abreu Guerra: Sim, em termos de stress tenho, mas
têm também os pilotos, os médicos, os homens das bolsas.
Apesar disso, vi uma vez uma lista em que nós, controladores aéreos,
estávamos em primeiro lugar, logo seguidos dos pilotos.
O que é mais engraçado é que não se consegue
exercer esta profissão sem um determinado nível de stress,
para termos todas as nossas capacidades despertas precisamos disso. O
problema é se esse stress ultrapassa um determinado nível,
isso é um bocado como o colesterol. Por causa do stress fizemos
uma campanha de informação: O que é o stress? Como
funciona? Quais são os sinais de alarme? O que é que se
deve fazer se tiverem sinais de alarme? Os sinais de alarme são
os do costume, irritabilidade, falta de vontade de ir para o trabalho,
úlceras, isofagites crónicas. Eu tenho uma e quase todos
temos. Além de tudo isto, a fadiga acaba por se transformar num
perigo.
Uma vez num teste que fizemos por computador a um controlador que tinha
bebido e a um outro que estava apenas cansado, verificámos que
os resultados daquele que tinha bebido eram muito superiores ao outro,
isto porque o cansaço pode ser mais prejudicial que o álcool,
além de que trabalhar por turnos às vezes é complicado.
Começa-se às duas da tarde acaba-se às dez da noite,
e no dia seguinte começa-se às oito da manhã e acaba-se
às duas, é cansativo.
EE: Há um stress permanente ou
há picos de stress?
AAG: Há picos de stress, isto porque no controlo de tráfego
aéreo, há sítios onde o tráfego é constante.
Em Portugal temos uma situação de tráfego um bocado
diferente.
Temos alturas em que temos muito tráfego e outras em que temos
pouco e isto tem uma explicação, são os voos programados
com o vento favorável, ou seja por trás, e isso sabe-se
com antecedência, entre outras situações.
Não sei o que será pior, se um stress constante ao longo
de 24 horas se os picos.
EE: Quais são
os benefícios que a profissão lhe traz?
AAG: Traz dois, do ponto de vista económico e regalias sociais.
Há ainda outra satisfação que é, com "honrosas
excepções", as pessoas estão a fazer uma coisa
que gostam e que é um desafio. Quando digo que há stress
também há adrenalina, para já estamos a fazer algo
que não é rotineiro.
EE: Houve situações
em que tivesse sofrido uma tensão superior à habitual?
AAG: Na aviação, tudo o que é baseado em decisões
humanas tem erro. Há um grupo mundial a estudar o erro na aviação,
para o detectarmos antes que ele tenha consequências graves. O erro
está cá e é impossível erradicá-lo,
por isso o que andamos a estudar é como se erra e porquê.
Há uma ferramenta, que existe em todos os países europeus,
que é um dispositivo no radar que nos avisa se dois aviões
estão em rota de colisão dois minutos antes. Em Portugal
ainda não temos essa ferramenta, mesmo assim ainda conseguimos
ter os mesmos níveis de incidentes que têm os países
europeus, um desempenho normal.
É engraçado que os incidentes em controlo de tráfego
aéreo não se dão nas horas de maior aperto mas nas
mais descansadas, precisamente porque o nível de stress baixa,
as pessoas relaxam, baixam as defesas, a atenção diminui,
e erram.
EE: Acha que é
uma profissão que pode afectar a sua saúde?
AAG: Sim, temos problemas do foro neurológico, como o CIS,
Critical Incident Stress, que é um stress agudo, provocado por
um acumular de situações, não só da profissão.
O que julgámos que provocou o distúrbio, afinal muitas vezes
não o foi, foi sim a gotinha que fez entornar o copo.
Temos controladores e controladoras em situação de bournout
e, nesta situação, as pessoas têm medo de vir trabalhar,
medo de errar, e o problema é que o povo português ainda
hoje muito dificilmente aceita ir a um psiquiatra, acham que é
para malucos.
Criámos uma comissão que é a CISM, Critical Incident
Stress Manage, constituída por colegas de profissão tecnicamente
treinados para ouvir.
A proposta do CISM foi feita ao conselho de administração
à dois anos, porque quando houve o acidente de Faro os nossos colegas
ficaram bastante mal, há sempre aquela dúvida na cabeça:
será que fiz tudo que podia ter feito para evitar isto? Um deles
ainda hoje não podia falar do acidente e já foi há
oito anos.
O que o projecto CISM pretende evitar é que haja bournout. Há
um gabinete de apoio em que existe um psicólogo, vai lá
quem quer e tem havido adesão, por vezes essas pessoas são
direccionadas para mim, porque eu tenho formação, no entanto
é bom esclarecer que não somos terapeutas, apenas damos
apoio.
EE: Para além
do apoio, fazem desporto para eliminar o stress?
AAG: Sim, fazemos vários desportos, karting, ténis,
pesca, futebol, campeonato europeu, futebol de salão, bowling e
entramos em iniciativas como a descida do Douro, tudo em nome do stress.
Neste momento estamos a tentar fazer um protocolo com o centro anti-stress
do Caramulo e pedimos aos gabinetes de psicologia aplicada que nos enviem
candidatos capazes de resistir ao stress.
Por outro lado, é bom saber que entre os acidentes que ocorrem,
apenas 5 a 10% é da responsabilidade do controlo. No entanto há
um problema, é que alguns controladores, mesmo sabendo que têm
um problema de stress, não conseguem dormir, e têm vários
outros sintomas, apesar disso, não contam aos psicólogos
para não perderem a licença. E aí é que entra
o CISM.
EE: Como é
que um controlador aéreo vê a tragédia dos Estados
Unidos?
AAG: Eu vi em directo e pensei que era acidente, um controlador
não gosta de ver aviões a bater, nem no simulador. Se me
perguntar o que é que se podia fazer? Respondo, neste caso nada,
porque quem fez o que fez, sabia perfeitamente como funcionava o sistema.
Há um código com quatro dígitos, que o piloto introduz
a bordo, com o qual se comunica e se pergunta: quem és tu? Ele
responde que é por exemplo o 4588, que nós sabemos que corresponde
ao tap 128. Se desligarem o respondedor a bordo não aparece nada.
Foi o que eles fizeram de certeza, desligaram e desapareceram com o avião.
O controlador deve ter notado que desapareceu um avião e deve ter
ficado muito provavelmente em pânico. O que é que ele pensou:
Falha de comunicações, aquilo avariou, ou pode ter caído,
ninguém lhe passa pela cabeça que aqueles aviões
se fossem atirar contra as torres, ninguém desliga aquilo de propósito
para ir bater contra uma torre, eu não esperava aquilo.
Faço ideia o que os canadianos passaram quando receberam de repente
500 aviões dos Estados Unidos, eu imagino o que é um centro
tão atarefado como Toronto, receber de repente mais 500 aviões,
é de loucos!
AF