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Socorrista à prova de stress



01.01.2000



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Socorrista à prova de stress

Carlos Martins tem 26 anos e é socorrista da Cruz Vermelha. O serviço é prestado numa das ambulâncias do CODU, Centro de Orientação de Doentes Urgentes.
O stress das urgências faz de tal forma parte da sua vida que não lhe atribui grande importância, mas nunca é demais lembrar que este é um mal bastante grave em profissões de risco como esta.
Se tem ou pensa vir a ter uma "profissão de risco" previna-se... "Não deixe que o stress o apanhe!"



Expressoemprego: Considera que tem uma profissão de risco? Porquê?

Carlos Martins: Sim, tenho uma profissão de risco devido a várias situações.
Em primeiro lugar porque muitas vezes, além de socorrer os doentes sou eu quem conduz a ambulância, e isso só por si já é uma situação de risco, porque envolve muita perícia e cautela na condução, uma vez que se trata de um veiculo prioritário que tem por vezes que infringir as normas de trânsito.
É ainda uma situação de risco porque se lida com todo o tipo de doenças, desde bronquites, pneumonias, sida, uma série de doenças transmissiveis, que corremos sempre algum risco de apanhar.


EE: Quais as situações em que vive maior stress?

CM:As situações em que vivo um maior stress são as urgências com crianças. Até chegar ao local, vivo uma ansiedade bastante grande porque não sei bem o que vou encontrar. Quando estou já perto da pessoa em causa o stress passa e só penso em socorrê-la, penso que naquele momento aquela pessoa precisa de nós.
No entanto, há casos que são mal contados e não podemos mesmo ter a certeza do que realmente se passa. Há poucos dias fui chamado para socorrer uma menina de 12 anos que se pensava ter caido de uma altura de 5 metros, o equivalente a um segundo andar, mas quando eu e a equipa chegámos ao local, soubemos que a menina tinha desmaiado e batido com a cabeça num móvel em consequência do desmaio.
Quando existem situações limite, de vida ou morte, também vivo um grande stress, pelas razões óbvias, mas é sempre antes de chegar ao local que o meu stress mais se manifesta, depois é acima de tudo pensar no outro. No fundo é o que me leva a gostar deste serviço, é se alguém está mal, saber fazer a diferença, porque é essa diferença que determina se a pessoa vive ou morre.


EE: frequente emocionar-se ou é fundamental manter o "sangue frio"?

CM:Emociono-me, mas é claro que escondo o que sinto porque se nos mostramos nervosos é muito negativo para o doente.
Lido muito com casos de doença súbita, são situações de enfarte e doença pulmonar, e, nestes casos, como em muitos outros, o que as pessoas menos precisam é de alguém em pânico ou nervoso perto delas. É portanto essencial saber manter o sangue frio, pelo menos aparentemente.


EE: Conte-me um caso particularmente significativo para si.

CM: Um caso em que me emocionei muito foi o de uma rapariga de 16 anos que morreu, suspeito que por ingestão a longo prazo de comprimidos para emagrecer, que lhe podem ter causado uma paragem cardíaca.
Estivemos hora e meia a fazer-lhe reanimação. Claro que nessas horas existe stress, mas é um stress inconsciente, porque naquele momento só pensamos em salvar aquela pessoa. O que temos de material disponivel é o suporte básico de vida, que implica oxigénio, insuflador manual (para fazer boca-a-boca) e pouco mais. Só os médicos têm o chamado suporte avançado de vida que é composto por electro-cardigrafo, drogas, entre outros factores importantes, nós só dispomos, quase exclusivamente de um processo natural de reanimação.
Para além deste caso, também me emocionou bastante seis rapazes que há uns anos atrás morreram de acidente na segunda circular. Ainda consegui retirar um deles vivo, mas morreu a caminho do hospital. Isto toca-nos muito e é claro que o nosso nível de ansiedade e stress aumenta bastante.

EE: Sente-se muito "stressado"?

CM:Não me sinto muito stressado no dia-a-dia porque já encaro isto com naturalidade. É o que faço e o que realmente gosto de fazer.
Claro que o factor surpresa é determinante para o stress. O facto de sabermos tão pouco sobre a vítima deixa-nos muito apreensivos e ansiosos. Além disso, há muita confusão com moradas, porque existem ruas em Lisboa com nomes iguais. Já me aconteceu um caso em que fomos chamados para uma rua que pensávamos ser perto das Amoreiras e afinal era no Areeiro e tinha exactamente o mesmo nome.
O que nos dizem via rádio é muito pouco, limita-se à morada, com pontos de referência e Junta de Freguesia ( aspectos que nem sempre nos são dados) nome e idade da pessoa, se é homem ou mulher, número da ficha CODU que se abre quando é recebida a chamada no 112 e a possivel situação que se vai encontrar. Se for por exemplo uma queda podem ou não dizer-nos se há hemorragia e onde se localiza.
No local, temos que fazer o chamado exame primário que tem a ver com a verificação dos parâmetros vitais, como a respiração e o ritmo cardíaco, e se a vítima estiver consciente perguntar-lhe de que se queixa. Depois faz-se ainda o exame secundário, que implica saber quais os medicamentos que a vítima toma e os seus antecedentes clínicos.

EE: Acha que o stress afecta a sua saúde? De que forma?

CM: Penso que o stress não afecta a minha saúde, talvez porque faço o que gosto, e isso é determinante para que me sinta bem. No entanto, admito que possa ter algum tipo de efeito a longo prazo, felizmente neste momento, se existe esse efeito ainda não o sinto.


EE: O que faz para eliminar o stress?

CM:Não faço nada em especial para eliminar o stress porque como já referi não está sempre presente conscientemente. No entanto, embora agora não pratique nenhum desporto, esforço-me por levar uma vida tranquila e saudável... nas horas vagas.

AF






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