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Controlador aéreo: uma vida de adrenalina



01.01.2000



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Controlador Aéreo...uma vida de adrenalina

António Abreu Guerra é Controlador Aéreo na Navegação Aérea de Portugal, NAV. Se é um facto que esta é uma profissão altamente stressante, também é verdade que para se conseguir enfrentá-la é mesmo preciso um certo nível de stress. Venha saber porquê.


ExpressoEmprego: Considera que, em termos de stress, tem uma profissão de risco?

António Abreu Guerra: Sim, em termos de stress tenho, mas têm também os pilotos, os médicos, os homens das bolsas. Apesar disso, vi uma vez uma lista em que nós, controladores aéreos, estávamos em primeiro lugar, logo seguidos dos pilotos.
O que é mais engraçado é que não se consegue exercer esta profissão sem um determinado nível de stress, para termos todas as nossas capacidades despertas precisamos disso. O problema é se esse stress ultrapassa um determinado nível, isso é um bocado como o colesterol. Por causa do stress fizemos uma campanha de informação: O que é o stress? Como funciona? Quais são os sinais de alarme? O que é que se deve fazer se tiverem sinais de alarme? Os sinais de alarme são os do costume, irritabilidade, falta de vontade de ir para o trabalho, úlceras, isofagites crónicas. Eu tenho uma e quase todos temos. Além de tudo isto, a fadiga acaba por se transformar num perigo.
Uma vez num teste que fizemos por computador a um controlador que tinha bebido e a um outro que estava apenas cansado, verificámos que os resultados daquele que tinha bebido eram muito superiores ao outro, isto porque o cansaço pode ser mais prejudicial que o álcool, além de que trabalhar por turnos às vezes é complicado. Começa-se às duas da tarde acaba-se às dez da noite, e no dia seguinte começa-se às oito da manhã e acaba-se às duas, é cansativo.


EE: Há um stress permanente ou há picos de stress?

AAG: Há picos de stress, isto porque no controlo de tráfego aéreo, há sítios onde o tráfego é constante. Em Portugal temos uma situação de tráfego um bocado diferente.
Temos alturas em que temos muito tráfego e outras em que temos pouco e isto tem uma explicação, são os voos programados com o vento favorável, ou seja por trás, e isso sabe-se com antecedência, entre outras situações.
Não sei o que será pior, se um stress constante ao longo de 24 horas se os picos.

EE: Quais são os benefícios que a profissão lhe traz?

AAG: Traz dois, do ponto de vista económico e regalias sociais. Há ainda outra satisfação que é, com "honrosas excepções", as pessoas estão a fazer uma coisa que gostam e que é um desafio. Quando digo que há stress também há adrenalina, para já estamos a fazer algo que não é rotineiro.

EE: Houve situações em que tivesse sofrido uma tensão superior à habitual?

AAG: Na aviação, tudo o que é baseado em decisões humanas tem erro. Há um grupo mundial a estudar o erro na aviação, para o detectarmos antes que ele tenha consequências graves. O erro está cá e é impossível erradicá-lo, por isso o que andamos a estudar é como se erra e porquê.
Há uma ferramenta, que existe em todos os países europeus, que é um dispositivo no radar que nos avisa se dois aviões estão em rota de colisão dois minutos antes. Em Portugal ainda não temos essa ferramenta, mesmo assim ainda conseguimos ter os mesmos níveis de incidentes que têm os países europeus, um desempenho normal.
É engraçado que os incidentes em controlo de tráfego aéreo não se dão nas horas de maior aperto mas nas mais descansadas, precisamente porque o nível de stress baixa, as pessoas relaxam, baixam as defesas, a atenção diminui, e erram.

EE: Acha que é uma profissão que pode afectar a sua saúde?

AAG: Sim, temos problemas do foro neurológico, como o CIS, Critical Incident Stress, que é um stress agudo, provocado por um acumular de situações, não só da profissão.
O que julgámos que provocou o distúrbio, afinal muitas vezes não o foi, foi sim a gotinha que fez entornar o copo.
Temos controladores e controladoras em situação de bournout e, nesta situação, as pessoas têm medo de vir trabalhar, medo de errar, e o problema é que o povo português ainda hoje muito dificilmente aceita ir a um psiquiatra, acham que é para malucos.
Criámos uma comissão que é a CISM, Critical Incident Stress Manage, constituída por colegas de profissão tecnicamente treinados para ouvir.
A proposta do CISM foi feita ao conselho de administração à dois anos, porque quando houve o acidente de Faro os nossos colegas ficaram bastante mal, há sempre aquela dúvida na cabeça: será que fiz tudo que podia ter feito para evitar isto? Um deles ainda hoje não podia falar do acidente e já foi há oito anos.
O que o projecto CISM pretende evitar é que haja bournout. Há um gabinete de apoio em que existe um psicólogo, vai lá quem quer e tem havido adesão, por vezes essas pessoas são direccionadas para mim, porque eu tenho formação, no entanto é bom esclarecer que não somos terapeutas, apenas damos apoio.

EE: Para além do apoio, fazem desporto para eliminar o stress?

AAG: Sim, fazemos vários desportos, karting, ténis, pesca, futebol, campeonato europeu, futebol de salão, bowling e entramos em iniciativas como a descida do Douro, tudo em nome do stress.
Neste momento estamos a tentar fazer um protocolo com o centro anti-stress do Caramulo e pedimos aos gabinetes de psicologia aplicada que nos enviem candidatos capazes de resistir ao stress.
Por outro lado, é bom saber que entre os acidentes que ocorrem, apenas 5 a 10% é da responsabilidade do controlo. No entanto há um problema, é que alguns controladores, mesmo sabendo que têm um problema de stress, não conseguem dormir, e têm vários outros sintomas, apesar disso, não contam aos psicólogos para não perderem a licença. E aí é que entra o CISM.

EE: Como é que um controlador aéreo vê a tragédia dos Estados Unidos?

AAG: Eu vi em directo e pensei que era acidente, um controlador não gosta de ver aviões a bater, nem no simulador. Se me perguntar o que é que se podia fazer? Respondo, neste caso nada, porque quem fez o que fez, sabia perfeitamente como funcionava o sistema.
Há um código com quatro dígitos, que o piloto introduz a bordo, com o qual se comunica e se pergunta: quem és tu? Ele responde que é por exemplo o 4588, que nós sabemos que corresponde ao tap 128. Se desligarem o respondedor a bordo não aparece nada. Foi o que eles fizeram de certeza, desligaram e desapareceram com o avião. O controlador deve ter notado que desapareceu um avião e deve ter ficado muito provavelmente em pânico. O que é que ele pensou: Falha de comunicações, aquilo avariou, ou pode ter caído, ninguém lhe passa pela cabeça que aqueles aviões se fossem atirar contra as torres, ninguém desliga aquilo de propósito para ir bater contra uma torre, eu não esperava aquilo.
Faço ideia o que os canadianos passaram quando receberam de repente 500 aviões dos Estados Unidos, eu imagino o que é um centro tão atarefado como Toronto, receber de repente mais 500 aviões, é de loucos!


AF






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