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Vocações sem trabalho

Escolher um curso saturado, mas para o qual se sente vocacionado, é ainda uma realidade para uma boa parte dos alunos que entra para o ensino superior. Porém, a procura de licenciaturas em áreas tecnológicas e de elevada empregabilidade tem vindo a aumentar
04.10.2007


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Marisa Antunes
Oito em cada dez candidatos ao ensino superior estatal conseguiu o tão desejado passaporte de entrada. Mas quase metade, dos cerca de 50 mil caloiros, entrou para segundas, terceiras ou mais alternativas, algumas das quais com uma duvidosa utilidade prática. E muitos foram também aqueles que, seguindo a sua vocação, acabaram por escolher, na sua primeira opção, cursos cronicamente associados a níveis consideráveis de desemprego.

Sónia Silva, directora comercial de recrutamento e selecção da empresa líder Select Vedior, enumera-os: “No topo do número de inscrições estão os licenciados em Direito, História e Psicologia. Mas não só. Surgem candidatos, com cursos tipo Psicopedagogia curativa ou outros do género e o mercado, pura e simplesmente, tem dificuldade em absorvê-los”. Uma situação de saturação que se arrasta há mais de uma década, mas que não impede que todos os anos surjam novos candidatos. Aos milhares.

“O objectivo parece ser apenas conseguir um diploma. Seja ele qual for”, realça a responsável, lembrando que, em contrapartida, existe um défice significativo de técnicos profissionais em determinadas áreas. Sem o canudo da praxe mas pagos a muito bom peso. “Precisam-se informáticos, «help-desks» e aqueles profissionais que já quase não se encontram, como electricistas ou serralheiros”.

Para os licenciados desempregados com cursos de pouca saída a grande salvação, neste momento, reside na banca, aponta a responsável: “Os bancos estão em grande expansão e estão a abrir balcões um pouco por todo o país. Neste momento, tenho muitas vagas para o Algarve e estou com muita dificuldade em preenchê-las”. Para Sónia Silva, a solução de alternativa profissional para quem escolheu um curso pouco talhado para as actuais conjunturas do mercado passa pela postura e flexibilidade. “Hoje em dia, as empresas estão cada vez mais focalizadas nas competências comportamentais dos candidatos. A licenciatura não basta. Porque as pessoas fazem a diferença, opta-se por quem tem espírito de equipa, está centrado nos objectivos, é responsável e flexível. Os agressivos e centrados neles próprios são rejeitados”.

Helena Veríssimo, presidente da Associação dos Professores de História, fala também na capacidade de adaptação que é necessário ter quando se optou por esta via, mas também da necessidade urgente de reconversão das mentalidades de quem emprega, à semelhança do que já vai acontecendo na banca. “Em Portugal ainda não há muito essa percepção, mas em países mais desenvolvidos, os empregadores já perceberam que os licenciados em História têm valências muito importantes que vale a pena explorar como a reflexão ou a capacidade de síntese e análise de informação em departamentos como o planeamento estratégico, gestão de recursos humanos ou marketing”. Mas não só.

“Para uma disciplina que ‘vende' — basta ver o sucesso que têm os filmes e os romances históricos —, a História não tem sido devidamente aproveitada em áreas associadas à produção de jogos de computador ou de conteúdos para a Net. Quase não existem «sites» de História, produzidos em Portugal”, acrescenta Helena Veríssimo. Enquanto não se mudam as mentalidades, o Ministério do Ensino Superior tenta, gradualmente, refrear o número de vagas de cursos ainda muito vocacionados para o ensino.

Este ano, registou-se um decréscimo de mais de 500 lugares nestes cursos para a Educação, tendo passado dos 2352 em 2006 para os actuais 1830. Em contraponto com os cursos de Letras, Línguas e afins, as licenciaturas nas áreas tecnológicas continuam a ser bem recebidas no mercado de trabalho, por isso, com ou sem vocação são muitos os que seguem esta opção. Uma pressão positiva que se reflectiu nas vagas abertas este ano no ensino público e que representaram um terço do total de lugares disponíveis no concurso, mais 6% em relação ao ano passado.

“Entre 2002 e 2003, registou-se um «downsizing» em empresas ligadas às tecnologias de informação mas muitos foram para países europeus, como Reino Unido, Holanda ou Suíça e foram rapidamente absorvidos. Actualmente, em Portugal, não existe desemprego neste sector para pessoas qualificadas”, sublinha Dias Coelho, que preside à Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade de Informação (APDSI). À ‘elevada empregabilidade' destes profissionais juntam-se ainda níveis significativos de empreendedorismo.

Dias Coelho exemplifica: “Só no Minho foram criadas nos últimos cinco, seis anos, cerca de 300 empresas”. Para quem não optou por um curso de fácil ingresso no mercado, ou conseguiu a licenciatura numa faculdade de prestígio, Sónia Silva, a responsável da Select Vedior, lembra que a margem de escolha é mais reduzida e deve prevalecer, além da capacidade de adaptação, também alguma humildade e profissionalismo. “A primeira pergunta que uma boa parte dos licenciados, alguns até acabados de terminar o curso, nos faz, é logo ‘quanto é que eu vou ganhar?'. Além disso, pontualidade para as entrevistas é algo que rareia, o que era impensável antigamente. E quando nos avisam que vão chegar atrasados já ficamos satisfeitos. Para conseguir seleccionar, chegamos a fazer dez vezes mais entrevistas do que fazíamos há uns anos”.





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