Cátia Mateus, Fernanda Pedro e Maribela
Freitas
NEM sempre o que se ambiciona fazer profissionalmente se consegue concretizar.
Muitos jovens que enveredam por um curso superior com esperança de seguir
uma carreira na área escolhida acabam por trabalhar num ramo diferente
e bastas vezes abaixo das suas qualificações.
Vânia Reis, de 29 anos, licenciou-se em Biologia Marinha nos Estados
Unidos da América. Quando regressou a Portugal pensou que seguiria uma
profissão ligada a esta área. Contudo, o mercado pregou-lhe uma rasteira.
«Escolhi este curso porque adoro a área, sem me preocupar com
as saídas profissionais. Foi um erro mas também nunca pensei que fosse
tão difícil», refere.
O curso pelo qual enveredou permite por exemplo seguir a via da investigação
ou trabalhar no terreno em aquários, laboratórios, etc. «Concorri
a tudo, sem resultados. Existia também a hipótese de seguir a carreira
académica mas iria ficar afastada do que eu sempre quis: o contacto
real com o mar», explica a jovem. Mesmo assim, ainda esteve
como bolseira na Universidade Nova durante dois anos.
O ‘call center' como solução
Depois desta experiência respondeu a um anúncio para operadora de «call
center» e, ao fim de uma semana, assumiu funções de supervisora que
manteve durante ano e meio. Ainda nesta empresa foi convidada para abrir
uma nova secção ligada a televendas.
Foi a partir daqui que decidiu abrir um negócio com uma colega, a Atlantic
Box — uma empresa de importação e exportação —, que começou há alguns
meses. O seu desejo de trabalhar em biologia marinha ficou para trás
e Vânia Reis afirma que «se fosse hoje, não tiraria este curso.
Contudo nunca me senti inferiorizada e tive sempre uma postura humilde,
pois só assim podemos aprender com as oportunidades», reforça.
Também para Joana Matos, de 25 anos, licenciada em sociologia, o confronto
com a realidade laboral não tem sido fácil. «Pensei que conseguiria
trabalhar na área de recursos humanos ou de exclusão social e enviei
o meu currículo para todos os locais onde poderia interessar a minha
formação, mas nunca obtive resposta», comenta. Fez o estágio
numa empresa na área de recursos humanos mas, terminado esse período,
não conseguiu colocação.
Regressou a esta empresa para mais um estágio de três meses e, ao fim
de algum tempo, entrou para uma companhia de seguros para o departamento
comercial. «Não gostei da experiência e foi nessa altura que
tomei consciência da realidade do mercado de trabalho. Fiquei muito
desiludida», desabafa. Desmotivada e decepcionada com a falta
de oportunidades, decidiu procurar alternativas. Está a preparar-se
para abrir um negócio próprio mas, mesmo assim, afirma «ainda
não perdi a esperança de um dia vir a exercer a profissão que escolhi».
Joana Matos e Vânia Reis não são casos únicos no mercado de trabalho
nacional. Ricardo Aleixo é o exemplo de um jovem para quem a necessidade
de conseguir um emprego implicou a opção de abandonar a sua vocação.
Aos 31 anos, este professor de Português/Francês trabalha como delegado
de informação médica.
Confessa que sempre quis ser professor, mas a sua experiência neste
campo resumiu-se ao ano de estágio contemplado no curso. A necessidade
ditou as regras e após duas tentativas de colocação frustradas teve
de render-se às evidências. Percebeu que a sua vida profissional não
passaria pelo ensino.
Quando ingressou na universidade sabia de antemão que o emprego na
sua área não era fácil, mas confessa que «a ausência de colocações
é sempre uma realidade muito distante quando se está no primeiro ano
de uma licenciatura e eu queria mesmo ser professor». Trabalha
há dois anos como delegado de informação médica, gosta do que faz, mas
confessa que é muito diferente do que tinha pensado para si.
Antes de exercer estas funções e dado que não conseguia colocação, trabalhou
na área comercial, administrativa e até aceitou um emprego num «call
center». «Nas várias tentativas que fiz para conseguir um emprego
chegaram a recusar-me por excesso de qualificações», frisa.
Hoje garante que, embora não tendo formação na área em que trabalha,
os seus resultados são tão bons como os dos seus colegas. Determinação
e persistência são tudo no mercado de trabalho.
Ana Rufino é da mesma opinião. Esta bióloga de 28 anos não conseguiu
emprego na sua área e decidiu enveredar pelo ramo comercial, numa empresa
ligada ao sector imobiliário. Garante que há muitos jovens a trabalhar
em áreas fora da sua formação, sendo isto uma repercussão de «um
sistema de ensino superior completamente desajustado das reais necessidades
do mercado».
Confessa que no início não foi fácil a adaptação e ainda não desistiu
de encontrar um emprego na sua área. Em tom de brincadeira diz que «há
biólogos a trabalhar em escritórios, na banca, em ‘call centers', na
restauração. Há biólogos a trabalhar em todo lado, menos na sua área
de formação».
Para Mário Ceitil, director associado da empresa de recursos humanos
CEGOC, esta realidade acontece porque o número de licenciados e o tipo
de qualificações que possuem nem sempre se coadunam com as reais necessidades
do mercado. «As empresas precisam de pessoas que actualizem
rapidamente as competências necessárias para o seu sucesso, preferindo
contratar no mercado de trabalho profissionais que tenham qualificações
não apenas formais, mas construídas com base na experiência ou numa
formação mais avançada», salienta.
Na sua opinião, os jovens recém-licenciados que ainda não conseguiram
ingressar no mercado de trabalho não apresentam, pela sua falta de experiência,
garantias de sucesso imediato na contratação. Neste contexto, o director
da CEGOC salienta que é natural que os jovens procurem arranjar trabalho
em áreas diferentes da sua formação.
«Isto é claramente confirmado na selecção, onde nos aparecem frequentemente
candidaturas de pessoas com licenciaturas, e até outras qualificações,
para funções cujo nível de exigência é bem mais modesto», salienta
Mário Ceitil. Explica que este processo não é encarado positivamente
pelos jovens, podendo instalar-se uma síndrome de desmotivação, desinteresse
e até de algum alheamento em relação ao seu ambiente profissional. «E
como é óbvio, isto não é nada positivo para início de carreira profissional»,
refere.
Para o psicólogo Paulo Vitória «esta é uma situação complicada
que poderá ter consequências na auto-estima destas pessoas».
Mas, aconselha o psicólogo, «há que ter flexibilidade para lidar
com os desafios e encarar este cenário como uma situação de emergência.
O importante é não deixar de lutar pelas suas capacidades e por aquilo
que quer vir a fazer no futuro».
Por outro lado, não se pode esquecer «que a licenciatura é apenas
um período de quatro a cinco anos e que não nos pode condicionar»,
refere Paulo Vitória. Desaconselha também uma perspectiva rígida e fechada
em relação à carreira profissional e frisa a importância do espírito
criativo para visionar novos caminhos.
Não se gosta mas faz-se
JOSÉ Machado Pais é coordenador do Observatório Permanente da Juventude
Portuguesa (OPJ), professor universitário e investigador do Instituto
de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Em 2003 recebeu o prémio
Gulbenkian de Ciências Sociais com o trabalho «Ganchos, Tachos e Biscates.
Jovens, Trabalho e Futuro», um estudo sobre a juventude portuguesa.
Este investigador refere que «dados de um dos últimos inquéritos
à juventude portuguesa, dos 15 aos 29 anos, realizado no âmbito do OPJ,
mostram-nos que um em cada quatro jovens portugueses com curso médio
ou superior começou a trabalhar como empregado de balcão ou auxiliar
administrativo».
Apesar de ser difícil averiguar a extensão exacta deste fenómeno, José
Machado Pais considera que «é apreciável» o número de licenciados a
exercer funções abaixo das suas qualificações. Noutras investigações
que realizou, deparou com jovens licenciados a trabalhar como «caixas»
de supermercado, telefonistas, electricistas e até acompanhantes (prostitutas).
Mas a forma como estes jovens encaram a realidade que os atinge é diversa.
«Há os que vêem como passageira a fase em que as funções por
si desempenhadas ficam aquém das suas qualificações e acreditam que
melhores dias virão. Outros inquietam-se perante a possibilidade de
não realizarem os seus sonhos profissionais», salienta o investigador.
Dados do OPJ referem que 70% dos jovens consideram que em situação de
desemprego se deve aproveitar a primeira oportunidade de trabalho, incentivando
os amigos em igual situação a seguir o exemplo. Para quem vive esta
situação laboral «o futuro profissional é encarado com apreensão»,
conclui José Machado Pais.