Cátia Mateus e Fernanda Pedro
NUMA altura em que o recurso ao Trabalho
Temporário (TT) ganha particular dinamismo em Portugal, a legislação
laboral continua de "costas voltadas" para este regime laboral.
O novo Código do Trabalho ainda não integra em nenhum dos
seus artigos qualquer referência ao TT.
O risco da marginalização
A esperança das empresas do sector
reside agora na elaboração, em curso, de um regime legal
especial, que deverá contemplar a regulamentação
desta forma de trabalho.
A medida deixa na expectativa a Associação Portuguesa das
Empresas de Trabalho Temporário (APETT) que não entende
qual a intencionalidade de transferir o TT para um documento à
parte, já que "este não difere das outras figuras
jurídico-laborais análogas, quer na sua natureza quer nas
características, que acabaram por merecer o devido acolhimento
legal no corpo principal (Livro I) do novo Código de Trabalho",
explica o presidente Marcelino Pena Costa.
Para este responsável, "a actual legislação
laboral portuguesa, pela diversidade de diplomas que a constituem, tornou-se
inapta para fornecer as respostas adequadas à presente conjuntura
económico-social". Um panorama que levou a APETT a acolher
com entusiasmo a elaboração de um novo Código de
Trabalho.
Todavia, as expectativas da APETT neste campo parecem ter saído
goradas. Marcelino Pena Costa lamenta que o TT não integre o corpo
principal da lei. "A APETT sempre defendeu que a flexibilidade
- a cedência ocasional de trabalhadores, o teletrabalho, o trabalho
a tempo parcial, com pluralidade de empregadores, o trabalho a termo e
o trabalho temporário - deveria estar no mesmo diploma legal",
explica. Ainda assim, o presidente confessa que ainda é cedo para
"medir" o verdadeiro impacto do novo Código Laboral na
actividade das empresas de TT (ETT).
Erradicar a ilegalidade
Todavia, para Marcelino Pena Costa não restam dúvidas de
que o novo
regime jurídico do TT terá de entrar em vigor ao mesmo tempo
que o Código do Trabalho. "É uma questão
de bom senso", frisa.
Um dos contributos do regulamento especial do TT deverá incidir,
segundo Monteiro Fernandes, advogado e especialista em Direito do Trabalho,
na erradicação da ilegalidade no sector. Qualquer que seja
o seu formato, "o novo regime de TT tem de combater o mercado
paralelo das ETT. É preciso inviabilizar as empresas irregulares,
penalizar quem recorra a elas e compensar quem cumpre a lei".
De acordo com o advogado, o TT é uma fórmula de grande utilidade
na dinâmica do mercado laboral: "Permite satisfazer necessidades
de trabalho, quando se exigem qualificações especiais que
de outro modo seriam mais difíceis de assegurar".Contudo,
os efeitos da entrada em vigor do novo Código nas empresas do sector
são ainda difíceis de prever.
Para Mário Costa, administrador delegado do Grupo Select Vedior,
"o impacto do novo Código Laboral dependerá em larga
medida dos termos em que o Livro II (que congregará os regulamentos
especiais do Código do Trabalho) vier a regular o sector, nomeadamente
em matérias relativas ao objecto das ETT, ao regime do seu licenciamento,
aos casos em que é admissível o recurso ao TT e à
duração do contrato de utilização".
Mário Costa parece, no entanto, seguro de que deste Código
não resultarão efeitos negativos para o TT. "Basta
que as medidas de moralização e flexibilização
que enformam o Livro I encontrem a devida correspondência nos designados
'contratos de regime especial' que vão ocupar o Livro II do
Código", explica.
Mas para Blas Olivier, director-geral da multinacional Adecco, o documento
agora em elaboração seria uma excelente oportunidade para
mudar o actual panorama do TT em Portugal.
A mudança assentaria em três medidas básicas: a restrição
do acesso à actividade empresarial de TT, aumentando os requisitos
necessários para a atribuição do alvará; o
aumento das sanções a aplicar às ETT que não
cumpram a lei e o estabelecimento de contratos com igual duração
temporal para os trabalhadores e as empresas utilizadores dos serviços
de TT. Apesar de não existirem garantias na integração
destas medidas, Blas Olivier parece optimista quanto aos benefícios
do documento agora em elaboração, no que respeita ao aumento
da segurança jurídica para o trabalhador, empresa utilizadora
e ETT.
Só que para a advogada e especialista em direito do trabalho, Glória
Rebelo, a estrutura jurídica do TT é muito complexa. "Além
de assentar num esquema triangular na qual participam três sujeitos
(ETT, empresa utilizadora e trabalhador), implica igualmente a consideração
de diversas relações inter-subjectivas: por um lado, uma
relação que prevê a existência de um contrato
de TT (celebrado entre a ETT e o trabalhador) e de um contrato de utilização
de natureza comercial (celebrado entre a ETT e a empresa utilizadora)
e, por outro, uma relação de natureza fáctico-jurídica
que liga a empresa utilizadora ao trabalhador. Esta relação
assenta na existência de dois contratos autónomos no plano
jurídico mas interdependentes no ponto de vista funcional",
explica.
Um panorama que a lei em elaboração poderá ajudar
a simplificar já que, de acordo com a advogada, "nesta relação
tripolar, poucos conhecem os seus direitos".
O risco da marginalização
A REGULAMENTAÇÃO do Trabalho Temporário
(TT) é relativamente recente, não só em Portugal
como no resto do mundo. As primeiras leis nesta matéria surgiram
em meados dos anos 70. O objectivo era, segundo Glória Rebelo,
advogada e especialista em Direito do Trabalho, "organizar e moralizar
as práticas que começavam a generalizar-se fora do quadro
legal tipificado".
Contudo, Portugal apenas "vê"a sua primeira legislação
nesta área em 1989, com a aprovação do Decreto-lei
n.º 358/89, de 17 de Outubro. Um documento que veio preencher um
vazio legale limitar os abusos já então praticados no mercado,
através da delimitação dos "casos de recurso
a esta formade actividade laboral".
É também por esta altura que em França a legislação
"desperta" para o trabalho temporário.
Na altura, "a regulamentação surgiu à margem
do Código do Trabalho", explica Guy Mallet, director-geral
da empresa de TT Randstad. Para o responsável, "este documento
legal, foi criado para proteger os trabalhadores afectos a este regime
laboral que na altura não era bem aceite socialmente".
O director-geral da Randstad recorda mesmo o tempo em que os trabalhadores
temporários escondiam da família a sua situação
laboral. "Ser temporário era motivo de vergonha",
relembra.
O advogado Monteiro Fernandes refere mesmo que o TT chegou a ser proibido
em alguns países. Hoje o panorama é outro. Em França,
o TT já se encontra integrado no Código do Trabalho.
Em Portugal ainda caminhamos para a sua integração num regime
especial de regulamentação, a anexar ao novo Código
do Trabalho. Uma situação que para Guy Mallet, constitui
"uma discriminação quer para as ETT quer para os
trabalhadores, dado o carácter marginal que é dado ao sector
ao não integrá-lo no corpo principal da lei".
De acordo com Glória Rebelo, "a lei vigente continua a
reenviar parte da disciplina jurídica doTT para o regime do contrato
a termo (actual Lei do Contrato Colectivo de Trabalho), ignorando assim
a sua singularidade". Para a advogada, "o resultado é
um difícil esforço de articulação entre diplomas
com génesese configurações distintas".
Todavia, a advogada Glória Rebelo não hesita em afirmar
que apesar de não surgir integrado no corpo principalda Lei "se
um novo diploma contemplar esta autonomiade tratamento será, à
partida,um contributo positivo".