Cátia Mateus
EM PORTUGAL a saúde, higiene e segurança
no trabalho (SHST) está longe do que seria desejável.
Uma realidade visível aos olhos de qualquer um, mas
confirmada ao EXPRESSO pelo presidente do Instituto de Desenvolvimento
e Inspecção das Condições de Trabalho
(IDICT), João Veiga e Moura, em entrevista publicada
neste caderno há duas semanas.
Doenças proliferam nas empresas
Ao país falta uma aposta estruturada na
prevenção e inspecção ao nível
da SHST. Parâmetros essenciais, até do ponto de vista
da produtividade, mas que as empresas portuguesas insistem em considerar
"marginais" à sua estrutura produtiva.
Em pleno século XXI, o país continua sem ter dados
estatísticos actuais que permitam aferir com exactidão
quais as doenças laborais que mais afectam os trabalhadores.
Não existe uma medida real do conjunto das patologias ligadas
às más condições de trabalho e os indicadores
disponíveis dizem apenas respeito às doenças
profissionais reconhecidas pela Segurança Social.
Factos que colocam aos organismos responsáveis o difícil
desafio de encontrar soluções para causas desconhecidas.
Pese embora o facto dos acidentes de trabalho ocorridos em 2002
terem registado uma quebra face ao ano anterior, a verdade é
que Portugal continua a actuar mais no campo da inspecção
do que da prevenção.
É no sector da construção que os acidentes
ocorrem em maior número, tal como as mortes causadas essencialmente
por quedas em altura, esmagamentos, electrocussão e soterramento,
revelam os dados da Inspecção-geral do Trabalho (IGT).
E se os acidentes laborais são a face mais visível
do desinvestimento que afecta Portugal em matéria de SHST,
a verdade é que para lá destes há um vasto
leque de números que as estatísticas parecem esquecer.
As doenças profissionais têm no país uma dimensão
quase desconhecida. Menos mediáticas do que as listas de
acidentes mortais, muitas patologias derivadas do exercício
da actividade profissional podem igualmente conduzir à morte
ou a incapacidades profundas. E neste campo, mais do que qualquer
análise estatística, vale a experiência de quem
diariamente avalia o impacto do trabalho na saúde dos portugueses.
Embora seja difícil saber quais as doenças que mais
afectam os nossos trabalhadores (ver caixa), os seus impactos são
indiscutíveis. Na opinião da médica do trabalho
Fernanda Domingos, "as empresas têm de começar
a entender as repercussões que as doenças profissionais
têm no seu funcionamento e no quanto lucram em preveni-las".
A médica afirma que as repercussões para as empresas
são de várias ordens: "Diminuição
da produtividade, má qualidade na realização
das tarefas, abstinência no trabalho e conflitos".
Para os trabalhadores, aponta síndromas depressivos, ansiedade,
tendência para isolamento e conflitos vários.
É nas empresas de maior dimensão que Fernanda Domingos
detecta uma maior preocupação com as questões
de SHST. Para a médica, "o exercício da medicina
no trabalho em Portugal é uma realidade complexa e é
necessária uma aposta no conhecimento dos riscos".
Uma ideia também corroborada por Ana Diogo, médica
do trabalho e directora da empresa Hisfor - Higiene, Segurança
e Formação. Para a médica, o panorama laboral
português nada abona a favor da saúde no trabalho.
"Além de estarmos a tentar prevenir algo que não
conhecemos com exactidão, por inexistência de dados,
o próprio sistema de trabalho não é dos melhores",
explica.
Diz Ana Diogo que "em Portugal impera o trabalho precário,
motivador do stresse e ansiedades, bem como os salários baixos
que conduzem à acumulação de empregos".
Para a médica "é necessário que Portugal
aposte de forma determinante nas pessoas e que se mude a mentalidade
das relações de trabalho". O empresário
português permanece, segundo a médica, "focado
em dar resposta às encomendas, sem pensar nos recursos humanos
e nas suas condições de trabalho".
Para Ana Diogo, "este é o resultado de um desinvestimento
do Estado na 'educação' dos empresários. Quanto
menos pensarmos nos recursos humanos, mais serão os encargos
com baixas e indemnizações, maiores as filas de espera
nos hospitais e menos competitivo o país".
Um desinvestimento que João Veiga e Moura, não nega.
Diz o presidente do IDICT, "durante cerca de dez anos o
IDICT não procurou agir junto dos empregadores ao nível
da prevenção dos riscos". Para este responsável,
"é essencial que os empregadores deixem de ver a
SHST como algo marginal ao funcionamento da empresa e comecem a
perceber o impacto que as suas decisões de gestão
têm neste campo".
Doenças proliferam nas empresas
A LEGISLAÇÃO portuguesa consagra,
através do decreto-regulamentar n.º 6/2001, de 5 de
Maio, a lista das doenças profissionais.
Ao todo são mais de cem patologias, divididas em várias
categorias: doenças provocadas por agentes químicos;
doenças do aparelho respiratório; doenças cutâneas;
doenças provocadas por agentes físicos; doenças
infecciosas e parasitárias; tumores e manifestações
alérgicas das mucosas.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho
(OIT), a nível mundial, das mortes atribuídas ao desempenho
de actividades profissionais, "32% foram motivadas por cancros;
23% doenças circulatórias; 19% acidentes e violência
no trabalho; 17% doenças do foro comunicativo; 7% doenças
respiratórias; 1% distúrbios mentais; 1% doenças
do aparelho digestivo e 1% doenças do foro ginecológico
e urinário".
De acordo com a médica do trabalho, Fernanda Domingos, "há
sectores de actividade muito problemáticos em matéria
de doenças profissionais". A médica afirma
que as doenças mais comuns são as tendinites, a surdez,
os problemas respiratórios, as lombalgias e as doenças
musculo-esqueléticas.
Para a médica Ana Diogo há ainda que acrescentar a
esta lista o stresse., muito motivado pelo enquadramento laboral
em vigor. Há, refere, "um número crescente
de trabalhadores a sofrer de stresse resultante do desempenho de
funções muito competitivas, ou até como causa
dos horários de trabalho extensos e situações
de grande precariedade".
Segundo Ana Diogo, existem dois grandes patamares de prevenção.
A médica coloca de um lado as Condições de
Trabalho - "actuando ao nível da organização
do trabalho e condições objectivas dadas aos trabalhadores"
-, do outro a aposta nos Recursos Humanos, isto porque, "sem
uma aposta na fixação dos RH, dificilmente se alcançará
uma prevenção das doenças profissionais".