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Trabalhar com a morte

O sector funerário em Portugal peca pela falta de formação dos seus rabalhadores. As empresas familiares dominam a actividade, os funcionários são polivalentes e só agora vai abrir a primeira escola para operadores dos cemitérios
28.09.2007


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Marisa Antunes e Maribela Freitas
O negócio da morte em Portugal é lucrativo, mas apesar da rentabilidade, a profissionalização no sector funerário ainda deixa muito a desejar. Os especialistas defendem uma crescente aposta na formação para uma maior e muito necessária qualificação dos trabalhadores. Com esse objectivo vai abrir a primeira escola da especialidade, em Elvas, que deverá formar os vários operadores cemiteriais.

Todos os dias são realizados, em média, 279 funerais de norte a sul do país. De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística, referentes ao ano passado, ocorreram 101.948 óbitos. Porém, a solenidade e o respeito que a ocasião fúnebre merece não está, frequentemente em sintonia com os locais esconsos e sem as menores condições onde se velam os corpos. Nem muito menos com o amadorismo inconveniente com que muitos profissionais transportam o caixão, calculando mal a dimensão da sepultura ou ‘atirando' com as flores, no final do enterro.

Para tentar mudar este cenário, está em curso a criação de uma Escola de Operadores Cemiteriais, em Elvas, integrada no complexo funerário que ali está a ser construído e cuja gestão está a cargo da Servilusa, empresa líder do sector. A formação, que deverá começar em Janeiro, abrange várias áreas: dos operadores cemiteriais aos operadores do forno crematório, passando pelos técnicos de tanatopraxia (higienização dos corpos) até aos agentes funerários. “Nesta actividade há aspectos de humanismo que não devemos esquecer. Se para os profissionais deste sector os funerais são actos repetidos, para a família é um acto único. É fundamental ensinar a quem trabalha nesta área as práticas comportamentais, éticas, de higiene e segurança no trabalho”, realça Paulo Carreira, director comercial da Servilusa, lembrando que em Portugal, as empresas familiares dominam o sector.

Episódios rocambolescos durante os enterros como sepulturas pouco fundas ou demasiado estreitas com necessidade de reajuste na hora, coveiros alcoolizados ou pouco sensíveis que ‘ajeitam' o caixão na cova, empurrando-o com o pé, são apenas alguns dos exemplos citados por Paulo Carreira. “Ser coveiro não é um trabalho menor. Mas a verdade é que há muitos que não estão motivados, não foram sensibilizados ou até se sentem ‘castigados' pela autarquia ao serem colocados naquela tarefa”, reforça o responsável.

À falta de profissionalização junta-se ainda a pouca apetência que existe de adaptação às novas técnicas. Para a manutenção dos fornos crematórios existentes em Portugal, por exemplo, é necessário virem técnicos estrangeiros, o que provoca a paragem dos equipamentos por largas semanas sempre que ocorrem avarias. Paulo Carreira dá outros exemplos: “Em países como o Reino Unido, França, Alemanha ou Espanha, só para citar alguns, a prática da tanatopraxia, ou seja, a higienização e conservação dos corpos, é feita a 100%. O objectivo desta técnica é a conservação temporária do corpo, de forma a evitar a libertação de fluidos e maus odores. Num país, onde durante o ritual de despedida, são muitas as pessoas que tocam e até beijam o defunto, faz todo o sentido a higienização do corpo”.

Corroborando a mesma posição, Paulo Rodrigues, membro da direcção da Associação Nacional das Empresas Lutuosas (ANEL) salienta que “existe necessidade urgente de formação para esta actividade”. Para tentar colmatar esta falha, a associação tem vindo a desenvolver algumas acções, mas que continuam a ser insuficientes. Em 2005, organizou um curso de tanatopraxia e no próximo mês vai começar um outro curso de tanatoestética, vocacionado para o tratamento da face visível dos corpos.

“O Governo está em vias de exigir mais formação para esta área. Está a ser preparada legislação para que passemos a ter uma carteira profissional, o que vai dignificar a profissão”, refere o responsável da associação, acrescentando que cerca de 80% das empresas desta área são familiares e que os funcionários são polivalentes, acabando por fazer de tudo um pouco. De acordo com dados da ANEL, em 2005 existiam cerca de 4300 trabalhadores no sector funerário, pois de acordo com a legislação em vigor na altura, cada agência necessitava de um mínimo de quatro funcionários.

Com a revogação dessa legislação, “estima-se que actualmente existam pouco mais de dois mil trabalhadores no sector funerário”, salienta Paulo Rodrigues. Perante este cenário, será que existe falta de funcionários nesta actividade? Paulo Rodrigues conta que “este é um ramo muito específico e quem aqui trabalha chega a esta profissão porque conhece alguém que o faz. A falta de trabalhadores depende das agências, mas penso que quatro funcionários serão o necessário”.

Quanto ao perfil destes trabalhadores, Paulo Rodrigues refere que é necessário ter algumas qualidades: “Qualquer pessoa pode trabalhar nesta actividade, mas nem todos aguentam e acabam por abandonar o sector. Este é um ramo muito específico e convém que o funcionário não interiorize demasiado aquilo em que trabalha”.





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