Cátia Mateus
O trabalho temporário já não é sinónimo de perfis profissionais indiferenciados. São cada vez mais os licenciados que encontram assim uma porta de entrada para um mercado de trabalho com níveis alarmantes de desemprego. Cada vez mais composta por profissionais qualificados e especializados, esta modalidade de emprego pode até, dependendo da área, ser economicamente mais rentável. Pelo menos é o que defende o estudo ‘Temporary Help Services Employment in Portugal', realizado pela economista Ana Rute Cardoso para o instituto alemão IZA. De acordo com o trabalho, que analisou o mercado de temporários entre 1995 e 2000, os jovens até aos 25 anos auferem mais nesta modalidade de emprego do que noutros tipos de vínculo laboral, para iguais funções. A questão é que na maior parte dos casos são obrigados a colocar de lado o canudo e a sua área de formação.
O estudo analisou cerca de um milhão de trabalhadores (mais de 82 mil temporários) e concluiu que as mulheres foram durante o período da investigação as mais beneficiadas com rendimentos em cerca de 5% superiores ao que teriam no mesmo cargo mas noutro tipo de contrato. Os homens, por sua vez, ganhavam apenas 1% mais. Resultados que na opinião de Mário Costa, administrador do Grupo Select Vedior, se mantêm, mas apenas em algumas áreas. “Em matéria de «call centres», por exemplo, o sector da banca e seguros pagam melhor, mas há outras grandes operações que têm vindo a forçar muito os preços para baixo ao longo dos últimos anos”, explica. Ainda assim, o especialista acrescenta que “nas informáticas, como há falta de quadros, um profissional temporário pode ganhar bem mais do que os outros”.
Já Marcelino Pena Costa, presidente da empresa de trabalho temporário Manpower e da Associação Portuguesa das Empresas do Sector Privado de Emprego (APESPE), não tem dúvidas de que “os dados deste estudo só confirmam o que sempre defendemos: os trabalhadores temporários portugueses são os que estão mais protegidos pela lei e em várias circunstâncias”. O líder da APESPE argumenta, contudo, que “o trabalhador temporário recebe mensalmente o seu salário que é igual ao que receberia um trabalhador contratado pela empresa utilizadora para o exercício das mesmas funções e tem acesso a todas as regalias sociais que a empresa dá aos seus colaboradores. Não é discriminado”.
Segundo o director da Manpower, nos últimos anos o trabalho temporário sofreu uma evolução normal merecendo destaque o facto das empresas terem passado a colocar “pessoal mais diferenciado e especializado do que até aqui”. Marcelino Pena Costa refere que “antes as profissões com que lidávamos eram, essencialmente, de pessoal indiferenciado, as secretárias, telefonistas e pouco mais. Hoje, colocamos pessoas de todas as idades e profissões, tendo já uma expressão significativa, a colocação de licenciados exercendo as suas competências”.
Na verdade, esta é uma realidade também patente no estudo da IZA, quando a análise é o perfil do trabalhador temporário português. Mais novos e cada vez mais qualificados, estes trabalhadores têm, regra geral, competências ao nível do 12º e licenciatura podendo ou não desempenhar funções dentro da sua área de formação. É que apesar do optimismo dos «players» deste mercado, os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam que em 2007 havia no país, pelo menos, 43 mil licenciados a desempenharem trabalhos de baixa qualificação ou até mesmo não qualificados. Retratos de jovens profissionais dispostos a deixar de lado o canudo para fugir aos índices do desemprego.
E esta tendência parece estar a aumentar. Não obstante o facto de 7200 licenciados estarem, no ano passado, a desempenhar funções não qualificadas (mais cinco mil do que em 2006) o investigador do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e especialista em Sociologia do Trabalho, Marinus Pires de Lima, defende que “estão a aumentar os casos de não correspondência entre as habilitações e o tipo de trabalho”. O docente adiantou recentemente que “esta tendência deve-se por um lado ao aumento do desemprego e, por outro, à falta de articulação entre as universidades e o mercado de trabalho” visto que “a formação nem sempre corresponde às necessidades”.
Cada vez com mais dificuldade em arranjar colocação e como uma taxa de desemprego entre pessoas com habilitações superiores que duplicou desde 2002, muitos licenciados batem à porta das empresas de trabalho temporário onde mais de 70% dos candidatos possuem formação académica superior. Esta é para Mário Costa a grande transformação que o perfil dos trabalhadores temporários sofreu ao longo dos últimos anos. É que se há uma década esta era uma forma de trabalho escolhida por muitos estudantes para equilibrar as suas contas e conseguir um rendimento extra, hoje o trabalho temporário assegura a sobrevivência de muitas famílias e a única fonte de rendimento de pessoas cada vez mais qualificadas. O que é mais preocupante é que “também aqui as empresas querem reduzir custos e se antes um jovem trabalhava quatro a cinco horas num «call center» e ganhava bem, hoje a fasquia é o salário mínimo”.
Para ajudar a combater o desemprego entre os licenciados, o Grupo Select Vedior tem procurado estreitar a sua ligação com as universidades e institutos e investe na formação dos seus trabalhadores. “O que temos em matéria profissional é neste momento desadequado para o que as empresas precisam, apesar de serem profissionais qualificados e é fundamental mudar isto e investir na formação contínua”, argumenta o especialista que lamenta que “se continue a investir o dinheiro do QREN na politiquice ao invés de apoiar estas pessoas”.