Katya Delimbeuf
É, PROVAVELMENTE, uma das palavras que mais usamos,
nos dias que correm. Cada vez mais. "Andamos stressados". "A
vida está um stresse". Não há como escapar-lhe.
Guia de combate e prevenção
Aportuguesámos a palavra e acolhêmo-la, como
um amigo a quem se dá guarida, no seio do nosso trabalho, da nossa
casa e até da nossa família. O stresse é, hoje, uma
das principais causas de atrito laboral e familiar, e poucos parecem saber
o que fazer para o conseguir expulsar da sua vida.
Aqui ficam as causas, físicas e psicológicas, do stresse,
e alguns conselhos para melhor o combater.
Apesar de termos tendência para achar que o stresse é um
fenómeno marcadamente contemporâneo, a verdade é que
a palavra, enquanto conceito científico, existe desde o século
XVII, na área da física.
Foi pela primeira vez aplicada ao ser humano na década de 30 do
século XX, pelo médico Hans Selye, para definir a reacção
de um organismo perante situações adversas.
No entanto, conforme explica Marco Ramos, director clínico do Instituto
de Prevenção do Stresse e Saúde Ocupacional (IPSSO),
no Caramulo, "foi sobretudo nos anos 70-80 que o stresse entrou
no dia-a-dia das pessoas, com as transformações sociais
e culturais associadas ao trabalho. O stresse existe desde sempre, mas
o caldo social, político, económico e cultural em que ele
melhor prolifera é recente. Sempre acompanhou a existência
humana, só que actualmente há uma maior variedade, quantidade
e intensidade de causas de stresse, a par de uma diminuição
considerável dos recursos para lhe fazer frente. Por isso, ele
parece um fenómeno contemporâneo, quando na verdade apenas
é mais visível".
Segundo o psicólogo, existem três causas principais de stresse,
hoje em dia, e todas preocupantemente relacionadas com uma em particular:
o trabalho. A conciliação entre o trabalho e a família,
e os valores sociais, "marcadamente construídos em torno
do trabalho", são os dois outros.
Em boa verdade, a matriz de quase todos os factores de stresse está
ligada ao universo laboral. O trabalho, pelo menos, nos moldes em que
actualmente existe, é quase sempre o início e o fim das
causas de stresse na vida das pessoas; o que não deixa de constituir
matéria para reflexão.
"O trabalho tem estado acentuadamente ligado ao stresse, por causa
de factores como a insegurança, a precariedade de condições,
a crise económica, a má formação das pessoas
que fazem do trabalho uma selva, onde reina o espírito salve-se
quem puder em vez de um lugar de bem-estar e crescimento pessoal e social",
afirma o psicólogo. "A conciliação do trabalho
com a família tem-se feito sempre em desfavor da família
- basta ver-se a taxa de divórcios -, e até em desfavor
da vida conjugal - é incrível a falta de cumplicidade que
assola os casais... Por último, os valores sociais, marcadamente
construídos em torno do trabalho, promovem perversamente o individualismo
e o isolamento social -, o consumismo (compram-se telemóveis com
imagens e vídeo para estarmos mais perto dos que amamos, mas não
arranjamos tempo para estar com eles), o desajustamento psicológico
e a má saúde mental - repare-se no consumo de antidepressivos
e ansiolíticos, que não pára de crescer".
Na verdade, "as pessoas que chegam ao IPSSO queixam-se da vida
pessoal/conjugal/familiar, directa ou indirectamente, por causa da vida
no trabalho. E isto tem que ver com a falta de tempo. Sobretudo, quatro
tipos de falta de tempo: falta de tempo para actividades de união
e coesão conjugal e familiar; falta de tempo para a vida pessoal
e íntima; falta de tempo para a vida social e cívica; e
falta de tempo para digerir os acontecimentos e dar resposta às
solicitações, a começar pelo trabalho e a acabar
na família".
No fundo, é aquilo que o psicólogo resume, quando se lhe
pergunta qual o diagnóstico mais comum que aparece no IPSSO, da
seguinte forma: "Falta de sentido para a vida. Como se dissessem:
o que fiz eu da minha vida?". 60% dos que procuram o Instituto
de Prevenção do Stresse são mulheres entre os 35
e os 45 anos, com filhos, oriundas sobretudo da Grande Lisboa, Grande
Porto, Aveiro, Guimarães, Braga e Leiria. Marco Ramos salienta
ainda que o mais difícil é não voltar a cair nos
mesmos hábitos - "Mudar é a coisa mais difícil
para qualquer pessoa. Mas é a mudar que crescemos, não é?".
Mas o stresse não tem que ser um fenómeno forçosamente
negativo. Desde que devidamente canalizado, pode ser aproveitado, como
de resto o é, habitualmente para garantir as produtividade, no
universo laboral.
O IPSSO também faz tratamentos de empresas, às quais diagnostica
situações de stresse laboral e prescreve medidas correctoras,
de acordo com as necessidades e desejos das organizações.
Marco Ramos garante: "Não há empresas que não
estejam stressadas. Uma empresa que não está stressada não
é viva, capaz, criativa, flexível. Ou seja, é uma
firma à espera de falir. O stresse também pode ser motor
do crescimento e do desenvolvimento. Basta aproveitá-lo nesse sentido,
evitando que ele se instale negativamente".
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Guia de combate e prevenção
"Em rigor, não se pode evitar o stresse",
assegura Marco Ramos. A afirmação provoca-nos um imediato
franzir de sobrolho de preocupação. "Mas podem-se
evitar as suas consequências negativas, para a saúde individual
e para o rendimento organizacional. Pode-se controlar ou eliminar as suas
causas".
Em regra, os primeiros sinais do stresse são os seguintes: cansaço,
irritabilidade, perturbações do sono, dificuldades de concentração,
problemas de memória, desmotivação, tristeza, ansiedade
e angústia, perda do apetite sexual, taquicardias e hipertensão,
problemas digestivos
O QUE PODEMOS FAZER?
1) Reconhecer que não estamos bem e que não temos
que andar assim
2) Diagnosticar o que nos causa stresse e perceber porquê.
"Por vezes, não é tanto determinado acontecimento
que nos faz sofrer, mas a forma como o valorizamos ou até o facto
dele pôr em cheque um aspecto da personalidade que merece ser revisto",
afirma o clínico.
3) Perceber o que nos falta para saber lidar com o stresse, em
termos de competências psicológicas e em termos de recursos
sociais.
Depois, procurar obter o que nos falta.
A nível organizacional, os sinais mais visíveis são
o absentismo e o aumento do número de acidentes no trabalho, além
dos erros na tomada de decisões.
O QUE PODEMOS FAZER?
1) Saber que o stresse existe na nossa empresa e não o ignorar
2) Diagnosticar as situações na empresa que geram
stresse
3) Diagnosticar os sintomas individuais de stresse e os custos,
directos e indirectos, suportados pela empresa por causa deste
4) Estabelecer um programa de intervenção a vários
níveis:
a) Mudanças organizacionais - eliminar as causas de stresse que
podem ser suprimidas, controlar os efeitos das que não podem ser
b )Formação experiencial, para as pessoas aprenderem de
facto a lidar com o stresse
c) Encaminhamento para ajuda clínica das pessoas já afectadas
pelo stresse
5) Avaliação dos resultados, sobretudo a nível
financeiro; para confirmar aquilo que alguns estudos já mostram:
a gestão organizacional do stresse é mais barata do que
os custos do stresse não gerido.