Fernanda Pedro, Ruben Eiras
PARAR é morrer. Esta é uma frase que habitualmente
muitas pessoas utilizam quando atingem a idade da reforma. Para contrariar
essa ideia, muitos deles decidem não baixar os braços e
continuar com uma actividade profissional.
A perspectiva de calçarem as pantufas, sentarem-se no sofá
a ver televisão, irem para um banco do jardim ou jogarem às
cartas no café mais próximo não os entusiasma.
Bem pelo contrário, essas situações são
incompatíveis com as suas personalidades e pretendem, apesar
da idade, integrar a sociedade activa até que as capacidades
físicas os limitem.
O Ministério da Segurança Social e do Trabalho refere
que são 64.007 as pessoas que se enquadram neste perfil e a quem
a segurança social paga uma melhoria de pensão, resultantes
do esforço contributivo efectuado posteriormente à reforma.
Deste segmento, são os trabalhadores mais qualificados que optam
pelo prolongamento da actividade profissional.
Brandão Pereira, de 70 anos é um desses casos que ainda
continuam a "mexer" mesmo depois de reformado.
Depois de uma carreira militar como oficial da Marinha e de trabalhar
em várias empresas como especialista de organização
ou gestão de recursos humanos, quando passou à reserva,
Brandão Pereira não conseguiu ficar parado quando a idade
assim o obrigou.
Como consultor, este reformado continuou a trabalhar na área
em que estava inserido, "não de uma forma obrigatória,
mas sim como necessidade de continuar a dar um contributo a nível
profissional".
Foi com essa ideia que chegou até à Associação
Portuguesa de Consultores Seniores (APCS) há nove anos.
Hoje, é o presidente desta instituição e refere
que aqui todos os profissionais que não estejam incompatibilizados
com a sua actividade e que queiram dar um contributo profissional, podem
fazê-lo.
Consultoria, auditoria, peritagem e arbitragem, são algumas das
funções que qualquer profissional pode fazer mesmo depois
da reforma na APCS. "É um voluntário técnico,
mas que pode ajudar muito quem precise de algumas orientações
de profissionais experientes", explica Brandão Pereira.
Mário Ceitil, director associado da CEGOC, refere que estes profissionais
são muitas vezes disputados pelas empresas porque estas "procuram
genericamente ou serviços de apoio ou, então, a experiência
e o conhecimento acumulados dessas pessoas, utilizando-os, muitas vezes
como assessores, sobretudo, quando estes reformados são pessoas
altamente qualificadas".
Juntar o útil ao agradável
Nesse sentido, Mário Ceitil observa que as actividades mais procuradas
são as de consultoria e de assessoria. Isto porque não
são tão constrangedoras em relação a regras
como, por exemplo, horários de trabalho ou compromissos em relação
a resultados.
"O reformado quer manter-se útil, mas sem os constrangimentos
e o stresse que tinha anteriormente. Gosta de trabalhar, sente que ainda
tem vigor e entusiasmo para fazer coisas úteis e, obviamente,
arranjar uns complementos financeiros para a sua reforma",
salienta o especialista.
Aquele responsável garante ainda que estes reformados querem
também "ter tempo para fazer as suas caminhadas, os seus
ginásios, o seu golfe... e tudo aquilo de que ainda for capaz
e a sua imaginação permitir".
Um dos grandes objectivos de muitos reformados é ter tempo suficiente
para se dedicarem às actividades de que mais gostam e não
ficarem fechados em casa. Quer seja em actividades pessoais ou profissionais,
o importante é não ficar parado.
Martinho Albano, reformado e com 64 anos de idade, pensa desta forma.
Durante 33 anos trabalhou na Carris, como caixa-bilheteiro. Quando chegou
o momento da empresa renovar os seus quadros em 1997, Martinho decidiu
sair com uma indemnização, indo para o fundo de desemprego.
Em 2001 chegou a reforma. Esteve ainda quatro anos sem exercer qualquer
actividade, mas nunca foi um homem de ficar em casa.
Foi por isso que há cerca de dois anos lhe perguntaram se queria
fazer umas horas como auxiliar de educação na Escola Secundária
Emídio Navarro, em Almada.
Martinho nem hesitou, aceitou no momento. "Comecei logo ao outro
dia. Não sou capaz de estar parado e foi uma maneira de ocupar
o meu tempo", explica o reformado.
Com um horário das 15h às 19h30, Martinho passa agora
este período da sua vida preocupado em garantir a segurança
na entrada e saída dos alunos no estabelecimento de ensino.
"Gosto muito de exercer esta actividade e consigo igualmente
ter tempo para mim e para a família", reconhece Martinho
Albano.
Uma fonte de criação de emprego
Além destes casos, Mário Ceitil garante que os reformados
podem vir a ter uma expressão significativa no aumento das taxas
de auto-emprego e na criação de postos de trabalho, gerando
pequenas empresas numa base familiar ou em parcerias de vários
sócios.
Contudo, este especialista alerta para outro tipo de situação,
menos feliz e mais preocupante: "é a daquele tipo de
pessoas que se tornaram verdadeiros 'workaholics' e que, em situação
de reforma, não conseguem definir outro tipo de rumo para a sua
vida, procurando outra actividade profissional como forma de fugir à
depressão".
Neste tipo de situações, Mário Ceitil, assegura
que a reforma pode acarretar custos psicológicos sérios
para os próprios reformados e as suas famílias, pelo que,
"muitas vezes, uma nova ocupação pode ser um 'escape'
importante".
Claro que para este responsável, a situação mais
feliz de todas é aquela em que é a própria pessoa
que toma a iniciativa de procurar uma reforma antecipada, para se poder
dedicar a actividades que lhe dêem maior gratificação
pessoal.
"Seja como for, é fundamental que cada pessoa procure
gerir a sua vida como uma linha contínua, procurando equilibrar
uma carreira profissional de sucesso com uma vida pessoal e emocional
rica, que lhe permita manter os equilíbrios em todas as fases
da sua existência", remata o especialista.
Qualificados lideram reforma activa
OS portugueses mais qualificados e com maior nível de escolaridade
são mais propensos a permanecer a trabalhar depois da idade da
reforma.
Esta é uma das principais conclusões do estudo "Trabalhadores
mais velhos: políticas públicas e práticas empresariais",
da autoria de Nuno Nóbrega Pestana, investigador na Direcção
Geral de Emprego e Relações de Trabalho do Ministério
da Segurança Social e do Trabalho.
Com base na análise dos Quadros de Pessoal de 2000, aquele especialista
constatou que, na generalidade, os trabalhadores por conta de outrem
tendem a permanecer activos até à idade da reforma. Mas
quando a atingem a maioria aposenta-se.
Por outro lado, embora a tendência dos seniores licenciados seja
sair mais cedo da sua actividade, aqueles que continuam activos até
à idade da reforma são mais propensos a adiar o fim da
sua era laboral.
No plano da qualificação, os dados mostram que existe
um aumento significativo da proporção de quadros superiores
nos grupos etários entre os 60 e os 64 anos e de 65 e mais anos
(passa de 7,5% para 12,6%).
Ou seja, face a outros níveis de qualificação,
esta variação poderá indicar uma maior propensão
dos trabalhadores por conta de outrem com este nível de qualificação
para permanecerem empregados além dos 65 anos.