Mais de metade dos portugueses (62%) vivem com dificuldade com o seu rendimento mensal e 15% chegam mesmo a assumir que é quase impossível chegar ao final do mês com um salário. Poupança, então, é palavra desconhecida. Os dados são do último Eurobarómetro e espelham uma realidade que em Portugal se tornou visível nos últimos anos. É que o povo que outrora chegou a ser apontado como um exemplo, sendo dos mais poupados da Europa, figura hoje entre a lista dos mais endividados. Para Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Sobreendividamento da Associação de Defesa do Consumidor (Deco), não restam dúvidas de que “os portugueses têm falta de educação financeira”. Um problema que é necessário ultrapassar.
Este ano deram já entrada na Deco 2419 pedidos de ajuda de famílias em situação de sobreendividamento. Um número que contrasta com os parcos 152 processos registados no ano 2000 e que, mesmo assim, não deixa de chocar se tomarmos como exemplo os 905 processos registados em 2006. Entre 2005 e Setembro de 2009, o número de pedidos recebidos pelo gabinete da Deco quase triplicou, registando um crescimento na ordem dos 190%.
Segundo Natália Nunes, “estes processos dizem respeito a pessoas singulares que estão de boa fé e com manifesta impossibilidade de fazer face ao conjunto das suas dívidas não profissionais”. Trata-se essencialmente de pessoas que não conseguem cumprir compromissos assumidos com a banca, entidades de crédito e demais encargos fixos mensais.
O desemprego, os salários em atraso, o não pagamento de horas extraordinárias e até as situações de divórcio estão na causa de muitas destas situações. Ainda que, para a responsável da Deco, existam também neste role casos de gente que manifestamente vive acima das reais possibilidades do seu salário mensal.
Falar em impacto da crise faz sentido, mas para Natália Nunes o problema é mais abrangente. “É reconhecido por todos que as famílias portuguesas têm falta de educação financeira. Quem olha para os dados do Banco de Portugal percebe que em 1990 o país tinha uma taxa de endividamento baixinha e hoje é uma das mais altas da Europa em parte porque ao longo dos anos abandonámos a prática da poupança e descobrimos o mercado do crédito”, explica a especialista.
Cerca de 80% do endividamento luso é crédito à habitação, mas à margem disto os portugueses parecem não conseguir conciliar o endividamento e a poupança. Um problema que a crise ajudou a destapar. Natália Nunes revela mesmo que “uma grande maioria das famílias portuguesas não sabe quanto tem de encargos fixos mensais porque nunca fez as contas, desconhece totalmente a sua taxa de esforço e assume créditos que não consegue pagar”.
Em regra, o peso máximo do total de créditos acumulados não deve superar 40% do orçamento doméstico mensal das famílias. Uma fasquia que segundo Natália Nunes fica não raras vezes esquecida. “O que acontece é que as pessoas vão acumulando pequenos créditos em compras a prestações por exemplo e quando tudo somado dá quantias que não podem suportar”, explica a especialista chamando ainda a atenção para o facto de “muitas famílias chegarem a incluir no orçamento mensal os plafonds do cartão de crédito”. Uma comprovada falta de educação financeira.
E o problema do sobreendividamento das famílias pode mesmo agravar-se mais ainda no país. É que a previsão da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é para uma diminuição contínua do crescimento dos salários reais no ano que se avizinha. Uma conjuntura que torna ainda mais necessária a adopção de medidas por parte das famílias que permita por termo à escalada do endividamento.
As empresas estão já alerta para esta questão e muitas procuram já apoiar os seus colaboradores na gestão das suas finanças pessoais. Pedro Oliveira é responsável pela Albenture, empresa que actua ao nível da prestação de serviços de conciliação entre trabalho e família, e esclarece que “a questão do apoio financeiro é uma preocupação crescente nas empresas”. O especialista adianta que “há uma maior procura pelos serviços ligados a esta componente nos últimos meses” e enfatiza que “no início do ano, por exemplo, o tema das finanças pessoais não tinha tanta atenção por parte dos directores de recursos humanos como actualmente”.
A empresa que lidera oferece às organizações um vasto leque de serviços na área da consultoria financeira e não só. “A Albenture oferece às empresas e seus colaboradores um vasto leque de serviços e uma importante parte direcciona-se logicamente para poupar, sobretudo pela via de protocolos que oferecem produtos e serviços a preços mais baixos”. Pedro Oliveira confirma que nos últimos meses os workshops de finanças pessoais têm sido muito requisitados pelas empresas que procuram ajudar os seus colaboradores a reduzir os seus custos fixos mensais e a prender a gerir o seu salário poupando. Para Pedro Oliveira, “os portugueses precisam de aprender a fazer contas e a partir daí é colocar em prática um leque de estratégias que têm impacto visível no orçamento mensal e podem fazer milagres pelo combate ao endividamento”.
Dicas para ‘fintar' o sobreendividamento
Estratégia e resistência às tentações são tudo o que precisa para se colocar a salvo das malhas do sobreendividamento. Tome nota das regras básicas que tem de cumprir se quiser viver com o salário que tem sem dever nada a ninguém:
. Aprenda a fazer contas. Ou seja, faça um levantamento rigoroso e exaustivo dos seus encargos fixos mensais e acautele os imprevistos também;
. Analise os seus encargos e identifique o que é supérfluo e imprescindível. Elimine aquilo que não lhe faz falta e procure poupar também no que é fundamental, tentando por exemplo comprar os mesmos produtos a custos inferiores;
. Analise os seus créditos. Tome como condição que o valor total dos seus créditos não pode ser superior a 40% do seu orçamento mensal. Os créditos que puder negociar faça-o.
. Evite as compras a prestações e lembre-se que 30 euros aqui e ali podem totalizar centenas de euros no orçamento mensal.
. Identifique a sua taxa de esforço.
. Elimine a utilização dos cartões de crédito como complemento ao seu salário mensal. Viva só com o que tem.
. Procure gerir as suas contas de modo a permitir-lhe construir uma poupança que deverá ser, pelo menos, cinco a seis vezes mais que o seu rendimento mensal.