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Portugal preguiçoso

12.03.2004


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Ruben Eiras

PORTUGAL é o país da UE que mais aponta a preguiça e a falta de força de vontade como uma das principais razões que levam à pobreza.


De acordo com o último estudo sobre a qualidade de vida na Europa, elaborado pela Fundação Europeia para a Melhoria da Qualidade das Condições de Vida e de Trabalho, cerca de 31% dos portugueses inquiridos classificam a inércia como o segundo factor que mais contribui para que as pessoas vivam com dificuldades financeiras.

Para Rita Campos e Cunha, investigadora especializada em psicologia social e docente na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, um dos factores que está na raiz da atitude passiva dos portugueses reside na influência da religião na ética do trabalho.

"Nos países protestantes, calvinistas, o trabalho é visto como um valor sagrado e não como um castigo. Em segundo lugar, Portugal é um país que acredita no 'fado', ou seja, uma nação que sente que não pode controlar o seu destino. Isto significa que a atribuição da causalidade daquilo que nos acontece é colocada externamente a cada indivíduo. As coisas acontecem, porque é assim, porque foi decidido por outros, porque estava destinado, porque teve sorte e não porque cada um de nós fez, ou não, o que devia ter feito. Nesse sentido, somos um país pessimista"
, explica aquela especialista.

O ciclo vicioso da desmotivação

Do outro lado da moeda está o optimismo, que segundo a definição de Rita Campos e Cunha, "é nós acreditarmos que podemos alcançar os nossos objectivos se seguirmos um determinado percurso em que acreditamos".

Só que o ciclo vicioso da inércia é alimentado pela falta de um sistema meritocrático do trabalho. "Isto cria incentivos à falta de empenhamento individual: para quê trabalhar mais e melhor, se as recompensas não existem?", indaga.

Outro elemento que poderá levar à passividade e à falta de iniciativa é a má organização e a arbitrariedade do poder. Segundo um estudo do investigador holandês Geert Hofstede, elaborado nos anos 70, a cultura portuguesa caracteriza-se por uma alta distância face ao poder, um alto colectivismo, um alto feminismo e pela baixa tolerância de incerteza.

"A combinação destas características leva à existência de organizações pouco estruturadas. O poder está concentrado nas chefias, que o usam de forma mais ou menos discricionária, permeável à influência dos conhecimentos e das relações sociais", explica aquela docente.

Por outro lado, refere ainda que esta distribuição de poder "é naturalmente aceite e reforçada pelo medo do desconhecido e pela aversão ao risco. Neste contexto, a falta de responsabilização individual e o tradicional 'chutar para cima' são comuns".

Todavia, apesar dos portugueses se acusarem a si próprios de preguiça e de falta de força de vontade, a verdade é que, segundo a OCDE, em 2003 cada trabalhador laborou em média 1719 horas, apenas menos 90 horas face ao Japão. Um paradoxo?

"Trabalharmos mais horas não é sinónimo de melhor desempenho nem da correcta distribuição de trabalho. Não existe uma cultura de valorização das pessoas pelo trabalho. A actividade laboral tem vindo a sofrer um processo de descredibilização em que as pessoas só o aceitam exclusivamente como forma de obter ganhos financeiros e não como um processo de realização e dignificação", refere Afonso Baptista, director da Multipessoal, uma empresa de trabalho temporário.

No plano histórico, este responsável salienta que provavelmente pelo facto da revolução industrial ter tocado Portugal "ao de leve" e não se ter alterado a matriz cultural de "mercadores", assiste-se a uma forma de produção de riqueza "utilizando toda a gama de expedientes de que a economia paralela é um exemplo concreto".

Contudo, ambos os especialistas contactados pelo EXPRESSO concordam que esta atitude não é imutável da cultura e mentalidade portuguesas.

"Quando emigramos e encontramos outros estímulos, outros modelos sociais ou de organização de trabalho empenhamo-nos fortemente no trabalho como factor de sucesso. O caso da emigração no Luxemburgo é um exemplo paradigmático", remata Afonso Baptista.

5 medidas de revolução cultural

1. Investir na educação: apostar nas instituições que enfatizam a qualidade e a inovação do ensino, para que o acto de estudar seja encarado como um trabalho gratificante com metas a atingir no futuro.

2. Internacionalizar a nível empresarial e do ensino superior: um bom exemplo é o programa Erasmus, que tem tido uma contribuição fundamental para a mudança das atitudes dos futuros líderes nacionais, e tem contribuído para aumentar a sua auto-estima e auto-eficácia e a apetência para trabalhar em ambientes multiculturais. No futuro, estes gestores terão uma visão mais estratégica, maior capacidade de comunicação e de motivação de equipas, contribuindo para aumentar a responsabilização individual por resultados.

3. Desenvolver competências de liderança: estas devem ser promovidas ao nível de quadros executivos das empresas, quer através de cursos de curta-duração quer através de projectos desafiantes.

4. Democratizar e reorganizar todo o nosso processo de trabalho, tornando-o menos degradado e anquilosado: a modernização do trabalho não passa só pela introdução de novas tecnologias ou melhoria das qualificações mas pelo apelo à participação, à intervenção, à inovação, ao sentido crítico sobre o que se faz, como se faz e para que se faz.

5. Uma ambição para todos os dias: as pessoas, todos os dias, quando se dirigem aos seus trabalhos sejam portadoras de uma ambição de realização e contribuição para objectivos e finalidades que lhes digam respeito - tem de existir um projecto no qual as pessoas sejam elementos participativos dele.

Fontes: Afonso Baptista e Rita Campos e Cunha





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