Ruben Eiras
PORTUGAL é o país da UE que mais aponta
a preguiça e a falta de força de vontade como uma das principais
razões que levam à pobreza.
De acordo com o último estudo sobre a qualidade de vida na Europa,
elaborado pela Fundação Europeia para a Melhoria da Qualidade
das Condições de Vida e de Trabalho, cerca de 31% dos
portugueses inquiridos classificam a inércia como o segundo factor
que mais contribui para que as pessoas vivam com dificuldades financeiras.
Para Rita Campos e Cunha, investigadora especializada em psicologia
social e docente na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa,
um dos factores que está na raiz da atitude passiva dos portugueses
reside na influência da religião na ética do trabalho.
"Nos países protestantes, calvinistas, o trabalho é
visto como um valor sagrado e não como um castigo. Em segundo
lugar, Portugal é um país que acredita no 'fado', ou seja,
uma nação que sente que não pode controlar o seu
destino. Isto significa que a atribuição da causalidade
daquilo que nos acontece é colocada externamente a cada indivíduo.
As coisas acontecem, porque é assim, porque foi decidido por
outros, porque estava destinado, porque teve sorte e não porque
cada um de nós fez, ou não, o que devia ter feito. Nesse
sentido, somos um país pessimista", explica aquela especialista.
O ciclo vicioso da desmotivação
Do outro lado da moeda está o optimismo, que segundo a definição
de Rita Campos e Cunha, "é nós acreditarmos que
podemos alcançar os nossos objectivos se seguirmos um determinado
percurso em que acreditamos".
Só que o ciclo vicioso da inércia é alimentado
pela falta de um sistema meritocrático do trabalho. "Isto
cria incentivos à falta de empenhamento individual: para quê
trabalhar mais e melhor, se as recompensas não existem?",
indaga.
Outro elemento que poderá levar à passividade e à
falta de iniciativa é a má organização e
a arbitrariedade do poder. Segundo um estudo do investigador holandês
Geert Hofstede, elaborado nos anos 70, a cultura portuguesa caracteriza-se
por uma alta distância face ao poder, um alto colectivismo, um
alto feminismo e pela baixa tolerância de incerteza.
"A combinação destas características leva
à existência de organizações pouco estruturadas.
O poder está concentrado nas chefias, que o usam de forma mais
ou menos discricionária, permeável à influência
dos conhecimentos e das relações sociais", explica
aquela docente.
Por outro lado, refere ainda que esta distribuição de
poder "é naturalmente aceite e reforçada pelo
medo do desconhecido e pela aversão ao risco. Neste contexto,
a falta de responsabilização individual e o tradicional
'chutar para cima' são comuns".
Todavia, apesar dos portugueses se acusarem a si próprios de
preguiça e de falta de força de vontade, a verdade é
que, segundo a OCDE, em 2003 cada trabalhador laborou em média
1719 horas, apenas menos 90 horas face ao Japão. Um paradoxo?
"Trabalharmos mais horas não é sinónimo
de melhor desempenho nem da correcta distribuição de trabalho.
Não existe uma cultura de valorização das pessoas
pelo trabalho. A actividade laboral tem vindo a sofrer um processo de
descredibilização em que as pessoas só o aceitam
exclusivamente como forma de obter ganhos financeiros e não como
um processo de realização e dignificação",
refere Afonso Baptista, director da Multipessoal, uma empresa de trabalho
temporário.
No plano histórico, este responsável salienta que provavelmente
pelo facto da revolução industrial ter tocado Portugal
"ao de leve" e não se ter alterado a matriz
cultural de "mercadores", assiste-se a uma forma de
produção de riqueza "utilizando toda a gama de
expedientes de que a economia paralela é um exemplo concreto".
Contudo, ambos os especialistas contactados pelo EXPRESSO concordam
que esta atitude não é imutável da cultura e mentalidade
portuguesas.
"Quando emigramos e encontramos outros estímulos, outros
modelos sociais ou de organização de trabalho empenhamo-nos
fortemente no trabalho como factor de sucesso. O caso da emigração
no Luxemburgo é um exemplo paradigmático", remata
Afonso Baptista.
5 medidas de revolução cultural
1. Investir na educação: apostar nas instituições
que enfatizam a qualidade e a inovação do ensino, para
que o acto de estudar seja encarado como um trabalho gratificante com
metas a atingir no futuro.
2. Internacionalizar a nível empresarial e do ensino superior:
um bom exemplo é o programa Erasmus, que tem tido uma contribuição
fundamental para a mudança das atitudes dos futuros líderes
nacionais, e tem contribuído para aumentar a sua auto-estima
e auto-eficácia e a apetência para trabalhar em ambientes
multiculturais. No futuro, estes gestores terão uma visão
mais estratégica, maior capacidade de comunicação
e de motivação de equipas, contribuindo para aumentar
a responsabilização individual por resultados.
3. Desenvolver competências de liderança: estas
devem ser promovidas ao nível de quadros executivos das empresas,
quer através de cursos de curta-duração quer através
de projectos desafiantes.
4. Democratizar e reorganizar todo o nosso processo de trabalho,
tornando-o menos degradado e anquilosado: a modernização
do trabalho não passa só pela introdução
de novas tecnologias ou melhoria das qualificações mas
pelo apelo à participação, à intervenção,
à inovação, ao sentido crítico sobre o que
se faz, como se faz e para que se faz.
5. Uma ambição para todos os dias: as pessoas,
todos os dias, quando se dirigem aos seus trabalhos sejam portadoras
de uma ambição de realização e contribuição
para objectivos e finalidades que lhes digam respeito - tem de existir
um projecto no qual as pessoas sejam elementos participativos dele.
Fontes: Afonso Baptista e Rita Campos e Cunha