Cátia Mateus
O ABANDONO escolar precoce é, nos dias que correm,
garantia quase certa para uma situação laboral precária
e mal remunerada. Mas é também uma "opção"
que pode abrir caminho à marginalidade.
Para combater esta tendência, o Instituto Superior
de Serviço Social do Porto (ISSSP) e a associação
Qualificar para Incluir (QPI) uniram-se no projecto "Reconstruir
a Identidade Social no Contexto da Socialização Inclusiva".
Criado no ano 2000, este projecto beneficia anualmente cerca de 120 adolescentes
dos vários bairros degradados da zona do Porto.
Há três anos, a percentagem de abandono escolar precoce (com
o 5º ou 6º anos de escolaridade) entre a população
jovem residente em três bairros da zona do Porto - Rainha D. Leonor,
Pasteleira e Pinheiro Torres - excedia dos 50%, de acordo com um inquérito
realizado pelo ISSSP e a QPI.
Uma situação de forte desqualificação que
veio mais uma vez confirmar uma necessidade já detectada pelas
duas instituições: resgatar os adolescentes em risco. Trazê-los
de volta para o ensino. À partida, a tarefa não se apresentou
nada fácil, mas era demasiado importante para dar lugar a desistências.
O ISSSP e a QPI criaram em conjunto o referido projecto. A meta é
ajudar os jovens (entre os 11 e os 17 anos de idade) provenientes de áreas
residenciais tendencialmente desfavorecidas, no Grande Porto, a encontrar
um projecto de vida compatível com as exigências da sociedade
actual. O caminho é o da qualificação.
"A nossa actuação sustenta-se no acompanhamento dos
jovens, que na sua socialização familiar foram gravemente
impossibilitados de crescer, procurando, através do apoio de um
grupo de professores, conduzi-los a uma solução de formação
qualificante que lhes permita uma autonomia no futuro", explica
Cidália Queiroz, presidente da direcção da Qualificar
para Incluir e responsável pela orientação e coordenação
da acção no terreno.
Para concretizar este objectivo, as duas instituições conceberam
um projecto de actuação que articula um vasto conjunto de
intervenções, "todas elas subordinadas à
tarefa crucial de criar uma relação de confiança
mútua e um vínculo entre os jovens e a equipa técnica".
Na prática, os jovens são integrados em grupos de oito elementos
e acompanhados por uma equipa formada por professores, assistente social
e alunos do ISSSP. São posteriormente envolvidos num plano de trabalho
para o acompanhamento do estudo das matérias escolares - "com
a articulação de dinâmicas de grupo orientadas para
a simulação de situações geradoras de reflexão
sobre valores, sentimentos, comunicação, regras de conduta,
dilemas e problemas da vida quotidiana" -, ao mesmo tempo que
introduz a prática de um conjunto de actividades artísticas,
culturais e desportivas.
Minimizar a rejeição ao meio escolar
Segundo Cidália Queiroz, "há uma distância
cultural muito grande entre o que vem nos livros e a vivência real
destes miúdos - e é necessário cativá-los
para o ensino". A responsável não tem dúvidas
de que o sistema de ensino não está preparado para escolarizar
estes jovens. "Trata-se de jovens com taxas muito elevadas de
insucesso escolar desde a escola primária. Por outro lado, são,
regra geral, crianças entregues a si mesmas. As famílias
estão muito alheias às exigências do sistema de ensino
e são pouco participativas", explica.
Talvez por isso, um dos grandes papéis deste projecto é
garantir o acompanhamento dos jovens "nos bons e maus momentos",
tal como uma família. Para a responsável, é nesta
"partilha" que reside uma percentagem do sucesso do programa.
"Ao sentirem que têm alguém que partilha com eles
os progressos escolares, os jovens acabam por entender que não
estão sozinhos neste processo e que o empenho deles é também
um empenho de muita gente", garante Cidália Queiroz.
Para lá de um intenso trabalho de mediação cultural,
privilegiando a descodificação sistemática das linguagens,
a compreensão dos conteúdos (em vez da memorização)
e a demonstração da utilidade dos conhecimentos, "a
orientação do projecto tem em vista a aplicação
prática do equilíbrio, sempre muito difícil e instável,
entre a compreensão empática e a marcação
de limites", explica Cidália Queiroz.
Actualmente, o projecto dá apoio a 117 jovens - 27 no ensino recorrente
e 90 no regime normal. É no primeiro grupo que o programa atinge
maior percentagem de sucesso. "Pelo facto de as aulas decorrerem
durante a noite, os jovens têm um maior acompanhamento durante o
dia. Regra geral, estão connosco diariamente, passam o dia a estudar,
são depois conduzidos à escola e, no final das aulas, são
transportados para casa", explica.
Um acompanhamento que não se torna possível com os jovens
da via de ensino regular. A elevada carga horária faz com que o
seu contacto com a equipa de apoio se resuma a dois dias por semana.
Ainda assim, Cidália Queiroz faz um balanço positivo dos
resultados do programa. "O grupo recorrente conseguiu uma taxa
de sucesso de 100%, enquanto no ensino regular ficámos pelos 60%",
conclui.
Ainda assim, para a responsável, o projecto está no bom
caminho. Cidália Queiroz não hesita em afirmar que, "apesar
de se tratar de crianças que desmotivam com muita facilidade, o
projecto tem condições para promover a integração
séria destes miúdos".
Para a presidente da direcção da QPI, "é
um projecto que permite ganhos para todos. Para os alunos, que terão
um futuro melhor, se pensarmos que numa economia mais exigente se torna
difícil a entrada dos jovens com níveis baixos de qualificação
na vida activa; para as escolas, porque reduz as taxas de abandono e insucesso
escolar; e para a sociedade em si, já que minimiza os riscos de
exclusão".