Fernanda Pedro
O "Stad Amsterdam" é um veleiro de formação
onde as tarefas são executadas por temporários.
A MANHÃ acordou com um sol radioso na cidade de Málaga,
em Espanha. As ondas do mediterrâneo balouçavam suavemente
o "Stad Amsterdam", um veleiro holandês construído
em homenagem aos famosos "clippers" do século XIX.
Do porto seguiu rumo a Setúbal numa viagem de três dias.
No estreito de Gibraltar desceu as velas e navegou em direcção
ao cabo de S. Vicente e a temperatura amena deu lugar a ventos do norte
fustigando o mar com vagas de quatro metros. A viagem serena transformou-se
num turbilhão de enjoos apesar de ter valido a pena árdua
tarefa de navegar a bordo do "Stad Amsterdam".
Mas afinal o que tem de especial este veleiro? Até aqui, nada de
estranho, não fosse o facto deste navio pertencer a uma empresa
de trabalho temporário holandesa, a Randstad e à cidade
de Amesterdão.
A navegar desde 2000, o "Stad Amsterdan" tem a particularidade
de ter sido totalmente construído por trabalhadores temporários.
Hoje, além da tripulação fixa, o veleiro tem a função
de dar formação e experiência profissional a todos
aqueles que necessitem de um trabalho mesmo que seja em regime temporário.
O EXPRESSO subiu a bordo do "Stad Amsterdam" e viu como se vive
e trabalha no navio holandês. Logo pela manhã, Hein Hermans,
um jovem oriundo de Amsterdão encontrava-se na proa do navio e
era com um especial cuidado que limpava o sino do veleiro. Os cabelos
louros encaracolados agitavam-se ao sabor do vento e a sua pele bronzeada
demonstrava que há algum tempo se encontra a navegar.
Na verdade, Hein está prestes a completar um ano de trabalho no
Clipper e no final deste mês um novo desafio profissional irá
surgir na sua vida. Qual? Ainda não sabe, porque Hein Hermans é
um trabalhador temporário que durante um ano prestou serviço
a bordo do "Stad Amsterdam".
Hein Hermans terminou o curso de informática e passou por algumas
experiências profissionais como técnico nesta área.
Em determinada altura ficou sem emprego e surgiu a oportunidade de trabalhar
no "clipper" com um contrato de um ano. Apesar das múltiplas
tarefas a cumprir a bordo, Hein garante que está a adorar a experiência.
Quando, em finais de Maio, deixar o navio não saberá o que
irá fazer, contudo, diz que não voltará a navegar,
porque "tenho namorada e isso seria incompatível com a
minha vida pessoal".
Na realidade a conciliação deste trabalho - mesmo temporário
-, com a família é, por vezes, o maior obstáculo
para estes jovens. Que o diga Huib de Vries, que veio também da
Holanda e exerce as funções de "barman" a bordo
do navio. "Sempre adorei o mar e quando visitei o 'Stad Amsterdam'
decidi que queria trabalhar aqui", lembra.
Mas essa decisão custou-lhe o final do namoro. Em contrapartida
conheceu a futura mulher no veleiro, "caso-me em Junho e quando
o meu contrato terminar daqui a um mês tenho a esperança
de conseguir renovar por mais um ano", espera Huib.
Se tal não acontecer, o jovem "barman" pensa comprar
uma carrinha e com a mulher ir correr a Europa até encontrar um
emprego. "A minha profissão não tem fronteiras e
até em Portugal posso encontrar trabalho", afirma confiante.
Formação a bordo
Dentro de um navio as experiências profissionais podem ser das mais
variadas, mas a arte de navegação necessita de conhecimentos
específicos. É por este motivo que o "Stad Amsterdam"
tem a função de dar formação aos jovens que
estudam nas escolas náuticas.
"Este navio tem a particularidade de dar emprego a jovens mas
não só, também proporcionamos a aprendizagem de profissões
marítimas. É por esse motivo que temos a bordo estagiários
de escolas náuticas e da marinha holandesa", explica Pieter
Brantjes, capitão do "Stad Amsterdam".
Maarten Out, é um futuro cadete da marinha, está neste momento
na escola náutica a terminar o curso. Na sala de navegação
os instrumentos são de alta tecnologia e Maarten estava atento
ao GPS e à carta geográfica que se encontrava na mesa.
Entusiasmado, falou da sua paixão pelo mar: "O meu sonho
desde criança é ser marinheiro. Quando terminar o curso
vou continuar a navegar e seguir o meu percurso profissional nesta área,
é tudo o que eu quero fazer".
Mesmo que a arte de navegar seja, na maioria das vezes uma profissão
só para homens, actualmente também as mulheres vão
sendo uma presença nos navios. Nic Gardner, é uma australiana
de 22 anos que até hoje não fez outra coisa senão
trabalhar em navios.
Apesar de se encontrarem a bordo quatro mulheres, Nic é a única
a ter uma função de liderança em termos de navegação.
A ela cabe-lhe a tarefa de dar formação à tripulação
e distribui as tarefas dentro do navio. "Na Austrália,
em qualquer curso desta área, a teoria é simultânea
com a prática. Por isso é impensável tirar uma especialidade
náutica sem ter qualquer experiência real com um navio",
explica Nic.
Na verdade, o "Stad Amsterdam" é uma escola em movimento
e que além da formação nas diversas profissões
ali implícitas fortalece o espírito de equipa. É
por esse motivo que a cidade de Amsterdão tem um projecto ainda
mais ambicioso nesta área.
"Os jovens que por vezes se desviam do seu percurso normal de
ensino e de vida são aconselhados e orientados a fazer uma experiência
profissional a bordo do veleiro", explica Guy Mallet, director
geral da Randstad em Portugal. Para este responsável, a participação
de Portugal neste projecto pode também acontecer em breve.
Quando o "Stad Amsterdam" atracou em Setúbal ficou a
sensação de que ter uma experiência de trabalho neste
veleiro pode ser o sonho de muitos jovens portugueses que procuram ainda
a sua vocação profissional.