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Não motivámos os jovens para a educação

Numa radiografia ao panorama educativo nacional, Marçal Grilo, presidente da Comissão Consultiva da ‘Futurália Feira da Juventude e do Emprego’ e ex-ministro da Educação, aponta novas rotas para que Portugal se torne mais competitivo em matéria de qualificação.
10.10.2008


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Cátia Mateus e Marisa Antunes

Qual é a sua opinião sobre o actual panorama educativo? Em relação aos pontos positivos, devo dizer que aprecio muito o esforço que o país fez nos últimos dez anos na área da educação pré-escolar. Valorizo muito o esforço que está a ser feito no crescimento dos cursos de formação profissional e também no crescimento do número de estudantes do ensino superior, sobretudo os de idade superior a 23 anos que acedem em condições especiais, algo que eu defendo há muito. Por outro lado, a rede tem vindo a ser sistematicamente aperfeiçoada nos últimos 15 a 20 anos. Um esforço que está a permitir, por um lado, criar escolas melhores e, por outro, mais massa crítica através da constituição de agrupamentos verticais que permitem ter recursos concentrados em quatro ou cinco escolas, o que aumenta a eficácia do sistema.

E quais as áreas que lhe causam maior preocupação?
Preocupam-me alguns currículos nos cursos de formação de professores. Deveríamos ter uma componente, designadamente para os professores dos primeiros anos de escolaridade, com maior incidência na componente científica. Além disso, verifica-se também um grande afastamento em áreas como a Matemática, as Ciências e Tecnologias. E esta é uma matéria muito sensível porque temos alguns desencontros estruturais a este nível. Precisamos de mais gente nas áreas de tecnologia, ciências e engenharia. Preocupa-me também a atitude que muitos compatriotas têm em relação à escola. Eles não olham para a escola como algo que possa ser relevante para o futuro dos seus filhos, como um instrumento de aprendizagem, mas mais no sentido de a ultrapassar. Preocupam-se sobretudo que os miúdos passem e não tanto com o que eles sabem. Confesso que me inquieta também uma certa deterioração das relações entre os vários parceiros. Já o disse publicamente e faço votos para que este clima não regresse, pois isso reflecte-se no ambiente vivido nas escolas e quem sai prejudicado são as crianças e os jovens.

Nove anos de escolaridade obrigatória parecem-lhe razoáveis?
Essa questão tem vindo a ser discutida na ‘Futurália’. Por lei, está definido que a escolaridade obrigatória é de nove anos, mas na minha perspectiva deveríamos conseguir que todos tivessem 12 anos de formação diversa, seja ela vocacional ou profissional. É preciso também perceber o que se pretende com o sucesso nas escolas. Para mim, o sucesso traduz-se nos alunos saberem mais, terem maior consciência das suas capacidades e uma atitude diferente perante o mundo e a sociedade. Um dos factores mais negativos que o país tem é ter 60% da população com o máximo de seis anos de escolaridade.

Como foi possível esta estagnação?
Isso é uma falha terrível que não fomos capazes de equacionar depois do 25 de Abril. A minha geração vai ficar aqui com um peso na consciência por não ter sido capaz de motivar os jovens para a educação. Houve muita euforia mas faltou isto. Não é admissível que tenhamos estas taxas de insucesso e de abandono escolar.

Acredita que uma maior informatização das escolas, logo desde os primeiros anos lectivos, pode contribuir para isto? Por exemplo, o muito badalado ‘Magalhães’…
Sou um entusiasta das tecnologias nas escolas, mas há que ter em atenção que as tecnologias e o uso do material informático pode alterar o modo de quem ensina e de quem aprende. Não se pode dar a ideia à população de que a introdução de computadores resolve todos os problemas.

E em matéria de ensino superior: todos os anos há alunos a entrarem em cursos sem empregabilidade. Isto quer dizer que os jovens desprezam os sinais do mercado?

O problema da empregabilidade é muito sério. Hoje, se olhar para o panorama das empresas, verifica que há imensa gente com cursos de base (licenciaturas) que tem pouco a ver com o que estão a fazer. Mais importante do que dizer qual o título do curso, é o que a pessoa aprendeu e o espírito com que sai. É isto que distingue o que é a boa formação da má formação. Muitos jovens já perceberam que quando entrarem na vida activa não vão ter um emprego do Estado e, provavelmente, também não vão ter um emprego estável. Precisam de ultrapassar um paradigma que já desapareceu e interiorizar que este novo paradigma reside em acreditar em si próprio e ter a capacidade, por si só, de desenvolver uma actividade. O que não significa que vamos ser todos empresários, mas sim que cada um tem a necessidade de definir o seu próprio caminho. O que requer uma atitude com maior autonomia, iniciativa e capacidade de liderança.

Mas faz sentido manterem-se cursos sem empregabilidade?
O que para mim faz sentido é que exista uma sólida formação de base nos cursos. O Estado não pode dizer aos cidadãos: este curso você não pode fazer porque temos gente a mais. Os cidadãos são livres de escolher. Temos é o dever de informá-los para que possam ter uma decisão responsável, distinguindo os riscos que correm em cada curso e depois optar. Não podemos ter uma espécie de planificação das necessidades de mão-de-obra em que dizemos neste curso são quatro, naquele dez ou 20. Temos a obrigação de informar e disponibilizar dados. Dizendo o que acontece aos diplomados do curso x, da escola y, porque há vários factores que influenciam a decisão.

E se há cursos sem emprego, outros há em que os candidatos tem excesso de ofertas com os das áreas tecnológicas…
É um fenómeno europeu. Estive recentemente num colóquio em Bruxelas em que o tema era Matemáticas, Ciências e Tecnologias, pensado para mobilizar as empresas europeias para, em conjunto com as escolas, atraírem maior numero de estudantes para estas áreas. Há um enorme défice e a Europa está a fazer um grande esforço nesse sentido, mas ainda está muito longe das necessidades. Estamos melhores do que os EUA, mas muito piores do que a China e no caso português é absolutamente notório que os estudantes se afastam destas áreas.

O que falha e o que poderia ser feito?
É preciso um grande esforço de divulgação e sensibilização, sobretudo nas idades em que é mais fácil captá-los, por volta dos 14 anos. Hoje, não se conhecem bem os mecanismos de decisão dos jovens nestas matérias. Mas o que se sabe é que não é através da divulgação da física ou da química que se atraem os estudantes para estas a áreas. A matemática parece continuar a ser um factor inibidor.

Terá a ver com a formação dos professores?
Certamente haverá muitos aspectos a melhorar no que respeita ao ensino da matemática, mas mais do que isso há a necessidade de os atrair para estas áreas. E esse esforço não cabe só aos professores, mas também às famílias, ao Governo e às suas políticas públicas, às instituições com capacidade de intervir nestas matérias, como museus, fábricas ou mesmo empresários. É essencial esta ligação entre empresas e escolas para que a população perceba que organizações que há alguns anos recrutavam com quatro anos de escolaridade, recrutam agora com 12 anos.

Avaliando o mercado de trabalho nacional, acredita que o país vive uma cultura de ‘cunhocracia’?
Infelizmente, há muita gente que ainda não percebeu a importância que se deve atribuir ao mérito. O sistema de recrutamento, de progressão na carreira ou de obtenção de benefícios através de outros elementos que não sejam o da selecção e do mérito, é mau para uma sociedade, porque é afinal uma forma de corrupção. Numa sociedade democrática, a igualdade de oportunidades é essencial e isso só se consegue se o critério de escolha for com base na competência.

E Portugal é um país de igualdade de oportunidades?

Embora o país tenha um quadro legal que praticamente não tem discriminações significativas, há alguns casos em que perdura, lamentavelmente, a discriminação entre homens e mulheres. O Fórum da Cidadania (a que presido) denuncia um conjunto de medidas de carácter legal e também comportamental. Propomos a criação de um Observatório — que não seria uma estrutura com 30 pessoas —, mas sim uma forma de controlar determinadas situações. Muitas mulheres por receio da sua aparente fraqueza acabam por se sujeitar a situações que alguém deveria denunciar.

E a contínua fuga de cérebros nacionais para o estrangeiro?
Nós somos um país periférico e em áreas de formação avançada há por parte dos EUA uma grande capacidade de atracção de massa crítica. Uma grande percentagem de quem faz investigação nas universidades americanas não é americana. Posso dizer-lhe que é uma grande preocupação, as pessoas saem e depois não regressam. Mas também se pode perguntar quantos portuguesas não saíram nos últimos 30 ou 40 anos do país, fizeram lá fora a sua carreira e regressaram, tendo hoje um papel determinante em Portugal? Se por um lado é uma pena que saiam, por outro adquirem uma formação que nos pode ser muito útil quando regressam, colocando a sua aprendizagem ao serviço do país.





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