Desde 2011 que a percentagem de trabalhadores com formação superior a acumular dois ou mais empregos não era tão alta em Portugal. No segundo trimestre deste ano, havia 240 mil pessoas com dois ou mais empregos. Desses, 153 mil (64%) eram profissionais qualificados, com formação superior, mostram os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) fornecidos ao Expresso. O número de licenciados com duplo emprego é, em termos absolutos, o mais alto de sempre e traduz um aumento de 69% ao longo dos últimos 11 anos.
Uma crise financeira, uma pandemia e uma nova crise, com cenário de recessão no horizonte da Europa, mudaram por completo o panorama do duplo emprego em Portugal. Nos últimos anos, não só o número de profissionais a acumular duas ou mais ocupações regressou a máximos de 2011 como o perfil dos trabalhadores mudou radicalmente. Segundo os cálculos realizados pelo Expresso, a EMPREGO partir dos números do INE, o perfil do trabalhador menos qualificado que se dividia por vários empregos, para garantir um rendimento que assegurasse a sua subsistência, já não espelha a realidade.
O peso dos trabalhadores menos qualificados (ao nível do terceiro ciclo), no total dos profissionais com duplo emprego, sofreu entre 2011 e junho deste ano uma redução de 72% (-94,5 mil trabalhadores). Apesar dos licenciados representarem mais de metade do total dos trabalhadores com dois ou mais empregos, foi entre os profissionais com o ensino secundário, ou pós-secundário, que o duplo emprego mais aumentou em 11 anos, passando de cerca de 29 mil trabalhadores para 51 mil, no final do segundo trimestre deste ano (+76%).
Impacto do teletrabalho
Dois em cada três trabalhadores que, em junho deste ano, acumulavam pelo menos dois empregos tinham formação superior. Parte destes dados é fácil de explicar: o número de licenciados em Portugal (31,1%) era em 2021 muito superior ao de 2011 (14,7%). “O aumento das qualificações, naturalmente, reflete-se nestes indicadores”, explica o economista Pedro Martins, ex-secretário de Estado do Emprego, e professor na NovaSBE, acrescentando, porém, que há outros fatores. Nomeadamente, o impacto no mercado de trabalho que “favorece a acumulação de empregos”. O ex-secretário de Estado vinca que “muitos trabalhadores, por problemas económicos, tiveram necessidade de acumular dois ou mais empregos” e, ao mesmo tempo, o trabalho remoto também possibilitou “somar várias ocupações”.
Uma explicação que a análise sectorial dos dados parece corroborar. O duplo emprego recuou perto de 50% nos sectores de atividade presencial — agricultura, pescas, indústria, construção, energia e água — e cresceu nos serviços (15,3%). Em termos absolutos, no espaço de 11 anos, o sector dos serviços ganhou quase 600 mil novos trabalhadores. Em junho deste ano o sector — que inclui atividades comerciais, mas também serviços especializados de consultoria, tecnologias e outros — empregava 3585 mil pessoas, 209 mil acumulavam trabalhos. Em junho deste ano, a maioria dos trabalhadores com duplo emprego (123,4 mil) tinha mais de 45 anos. É o grupo com maior peso (51,3%) no universo dos que acumulam ocupações.