José Cardim*
NA EUROPA as análises sobre financiamento da formação
têm incidido "no como" introduzir uma lógica de
mercado, estimular as empresas (e as pessoas) a investirem mais e, também,
no papel financeiro daquelas e do Estado.
Para Portugal estas últimas análises são interessantes
porque revelam tendências gerais, dão-nos uma noção
do quadro em que nos podemos mover e quais as soluções para
alavancar a acção formativa.
No entanto a questão do financiamento da formação,
como meio que é, não pode desligar-se da política
geral de formação e da arquitectura das intervenções
dirigidas às diferentes modalidades formativas e públicos-alvo.
No que respeita aos grandes problemas de financiamento da formação
podemos (simplificadamente) analisá-los em referência a três
tipos de intervenções: a formação inicial,
o aperfeiçoamento (dos activos já nas empresas) e a procura
individual de formação.
A) A formação inicial é a actividade de financiamento
mais exigente (em volume) porque é, tendencialmente, a mais alargada
e a mais extensa em duração das acções.
Em Portugal, onde apenas um pequeno segmento dos profissionais se qualifica
previamente ao emprego, o crescimento futuro deste trabalho, e a sua consolidação,
são obrigatórios. Isto implica que, aparentemente, seja
inevitável a expansão do seu financiamento.
Sendo a formação inicial suportada essencialmente por investimento
público poderá haver a pretensão de o reforçar
através de financiamento privado, mesmo em domínios institucionais.
Mas deve ter-se em conta que em Portugal há já contribuição
empresarial para a formação, cobrada através da taxa
da segurança social.
Assim, antes de se aumentar a participação privada, fará
mais sentido ou reforçar o financiamento público ou, melhor,
aumentar a eficiência dos sistemas existentes cujos custo e eficácia
são prejudicados por diversos factores, entre eles a proliferação
das intervenções e a promiscuidade de objectivos.
Uma boa alternativa seria fazer as empresas suportar os custos que naturalmente
aceitam, o que implicaria a reformulação total da lógica
da nossa formação inicial aproximando-a, por exemplo, mais
do modelo alemão, mais compatível com a adesão empresarial.
O incentivo à participação das empresas na acção
formativa será mais efectivo se se lhes pedir o que elas podem
dar: campos de prática ou recepção de formandos cuja
presença seja útil em si.
Seguramente poucos dos nossos actuais programas têm essas características.
Não se pode é exigir à generalidade das PME portuguesas,
que têm a cultura e os problemas que têm, que suportem programas
com fortíssima componente educativa. Uma das grandes dificuldades,
em Portugal, é fazer perceber a administração que
não é por acaso que as empresas são empresas e não
escolas.
Um outro aspecto em que a formação inicial pode beneficiar
de técnicas de financiamento mais acertadas é o suporte
das estruturas formativas com base em resultados, o que tem surtido efeito
nas escolas profissionais. Mas esta não é a prática
universal.
B) O aperfeiçoamento dos activos empregados levanta questões
completamente diferentes. O financiamento da acção formativa
directa das empresas, a benefício do seu pessoal (e não
só), foi expressão directa das políticas de apoio
seguidas tendo gerado perversões que tiveram, entre outras coisas,
consequência indirecta na (quase) eliminação do "mercado
formativo" anterior a 1986.
O problema mais interessante aqui colocado é a forma de financiar
e estimular acções de ciclo curto, intra e inter-empresas,
que podem e devem assentar na revitalização do mercado formativo,
ou seja, na aquisição pelas empresas desses serviços
a consultores externos.
Estas acções podem contribuir mais que tudo para facilitar
o acesso das PME à formação contínua porque
uma das limitações destas é a falta de dimensão
crítica que inviabiliza a sua organização interna.
Contrariamente ao senso comum as políticas "generosas"
de apoio financeiro podem ser perversas. Faz assim sentido deixar custos
reais às empresas que as obriguem a avaliar o efectivo valor acrescentado
da acção formativa.
Mas a importância desta acção para a aceleração
da mudança, da inovação e do desenvolvimento em áreas
gestionárias e técnicas recomenda que haja uma política
de apoio estatal, mas talhada cirurgicamente e orientada para a garantia
de prestação de serviços por entidades com conhecimento
específico, técnico ou gestionário e não apenas
com "competência" no "generalismo indiferenciado".
A tentativa de formular este tipo de políticas de apoio ao desenvolvimento
de consultoria especializada, trave-mestra da qualidade, já teve
entre nós diversas tentativas anteriores mas, infelizmente, sem
resultado satisfatório.
C) A procura individual de formação é particularmente
adequada ao desenvolvimento de quadros e técnicos superiores concretizando,
na prática (e de forma particularmente directa), as orientações
de formação ao longo da vida.
Contribui igualmente de forma directa para a mudança técnica
e gestionária e o aperfeiçoamento do desempenho das organizações.
Aqui pode ser importante estabelecer políticas de apoio individual
à procura de formação, deixando também o mercado
(a oferta), estruturar-se pelo que qualquer política baseada em
"vouchers" pode ser útil.
Mas é de referir que este é o segmento formativo em que
os públicos-alvo têm mais forte adesão à formação
contínua, e em que a procura é mais espontânea e sustentada.
Consequentemente é aqui que as políticas de financiamento
serão menos essenciais, salvo se ajudarem a combater o desemprego
de jovens quadros.
as.
*Docente universitário no ISCSP-UTL