Alberto Barata*
A REDUÇÃO dos candidatos ao ensino superior,
o baixo nível de exigência e a inexistência da criação
de hábitos de trabalho no ensino secundário (v.g. o elevado
número de insucesso escolar), conjugados com a crise que se verifica
no mundo laboral estarão, a meu ver, na base da animosidade e posicionamento
que vêm sendo assumidos relativamente ao politécnico por
algumas personalidades do meio universitário, citando-se, a este
propósito, o Prof. Seabra Santos que afirmou que os diplomados
pelo Politécnico eram "(...) um conjunto de quadros formalmente
licenciados e que escondem uma deficiente preparação teórica".
(in "Público" 2003-02-13).
Com efeito, não se percebe como é que se continua a insistir
num tipo de ensino superior, residual relativamente ao universitário,
socialmente discriminatório (Alain Touraine) e desaconselhável
para a sociedade do conhecimento. Assim, o espírito daqueles que
defendem o ensino superior do "saber fazer" fazem-nos retroceder
ao século XIX quando, em França, face ao estilo de ensino
"excessivamente refinado e teórico" da École Polytechnique
que obrigava os seus diplomados a tirar uma pós-graduação
para poderem ingressar no mercado de trabalho, houve necessidade de criar,
em 1829, a École Central des Arts e Manufactures com objectivos
mais práticos mas que, apesar da época, formava Engenheiros
e Administradores de Empresas, (David S. Lands, in A Riqueza e a Pobreza
das Nações, Gradiva, 2002, p. 316), enquanto por cá,
hoje, ainda há quem queira o Politécnico para formar quadros
intermédios.
Este modelo, criado há mais de 150 anos, era muito mais nobre e
digno do que aquele que parece quererem impor-nos em pleno século
XXI, na era dos computadores e da Internet, em que o conhecimento constitui
a alavanca essencial do desenvolvimento harmonioso do ser humano, sendo
por isso "a mais democrática de todas as riquezas"
(Alvin Toffler).
Posso estar errado, mas penso que não! De facto, personalidades
prestigiadas reconhecem que o ensino especializado não tem qualquer
futuro a nível superior.
Assim, segundo Edgar Morin, "o conhecimento especializado é
uma forma particular de abstracção. A especialização
'abstrai', por outras palavras, extrai um objecto do seu contexto e do
seu conjunto, rejeita os laços e as intercomunicações
com o seu meio (...)", por isso, "(...) o desenvolvimento
das aptidões gerais da mente permite um melhor desenvolvimento
das competências particulares ou especializadas" (in "Os
Sete Saberes para a Educação do Futuro", Instituto
Piaget, 1999, págs. 43 e 46).
Atendendo ao aqui referido, constata-se também que, seguramente
baseada na sua milenar sabedoria, a Igreja Católica, que ainda
no passado dia 9 de Fevereiro destinou o seu peditório nacional
à Universidade Católica, não ousou criar o Ensino
Politécnico em Portugal. É elucidativo!
Também as Ordens, salvo raras e honrosas excepções
(v.g. o caso do ISEL-I. S. de Engenharia de Lisboa), não aceitam
os cursos dos Politécnicos.
No meio de toda esta envolvente, seria de esperar que a recente Lei do
Regime Jurídico do Desenvolvimento e da Qualidade do Ensino Superior
(LRJDQES), mesmo mantendo o Ensino Politécnico - embora no projecto
de Lei do Governo se admitisse o seu fim - fosse mais ousada no sentido
de lhe dar, de facto e de direito, a tal dignidade de que falam ilustres
figuras de cidadãos impolutos como os profs. Veiga Simão
e Adriano Moreira.
Porém, o povo percebe que é um ensino segregador dos jovens
- uma espécie de "apartheid" mitigado. O trabalho publicado
no D.N. de 30-01-2003 relativamente às notas negativas penalizarem
sobretudo o Politécnico, é deveras esclarecedor.
Ora, a recente LRJDQES, em vez de reduzir os aspectos que tornaram o ensino
politécnico numa segunda ou mesmo terceira escolha, veio acentuá-los
como se infere da forma como o distingue relativamente ao universitário.
Assim temos: "As universidades são centros de criação,
transmissão e difusão da cultura, da ciência e da
tecnologia que, através da articulação do estudo,
da docência e da investigação, se integram na vida
da sociedade". Número 1) do artigo 6º da LRJDQES.
Por sua vez o número 2) do artº 7º da mesma lei, diz:
"As escolas politécnicas são centros de formação
cultural e técnica de nível superior, às quais cabe
ministrar a preparação para o exercício de actividades
profissionais altamente qualificadas (...)".
A pergunta que se impõe é porque razão não
figurou na lei a proposta - ainda que melhorada na sua forma e conteúdo
(v.g. não incluía a cultura) - do Ministério da Ciência
e do Ensino Superior que dizia: "As escolas politécnicas
são centros de criação, transmissão e difusão
de ciência e de tecnologia que, através do estudo, da docência
e da investigação aplicada, se integram na vida da sociedade".
Mesmo assim, veja-se a subtileza da linguagem para os dois subsistemas:
(v.g. da ciência e de ciência (...). É caso para nos
interrogarmos: Onde está a dignidade?
A confusão Universidade/Politécnico é tal que começa
a falar-se de integração das escolas do politécnico
nas universidades (v.g. Aveiro e Algarve), na criação das
Universidades Politécnicas e, por fim, a apostar-se num único
sistema de ensino superior - o universitário.
Será que o governo vai gastar mais dinheiro a abrir universidades
em Viseu e Bragança, onde já existem politécnicos?
Em que ficamos?
É reconhecido, e os próprios projectos de lei elaborados
pelo Ministério em apreço e pelo Conselho de Ministros o
admitiam que, nos últimos anos, houve uma aproximação
dos ensinos universitário e politécnico imposta pela sociedade
do conhecimento, pelo mercado de trabalho e pelas organizações
profissionais, que parece não ter dado maus resultados.
De qualquer modo, não podemos deixar de constatar que naqueles
projectos e conforme se infere da LRJDQES, aos politécnicos são
atribuídos os cursos de banda estreita (especializados) e às
universidades os de banda larga (generalistas).
Esta visão redutora do politécnico é por isso inaceitável,
facto que é reforçado pelas palavras do prof. Marçal
Grilo que diz: "Sou um grande defensor dos cursos de banda larga
(...)", pois, "A banda larga tem a ver com a necessidade
de aumentar a empregabilidade dos jovens diplomados".
E ainda: "O ensino de formação de banda larga é,
no fundo, um curso que permite não só a reciclagem ao longo
da sua vida e o poder ter, ao longo da sua carreira profissional, quatro
ou cinco actividades que têm alguma diferenciação,
mas também pode ter capacidade para enfrentar situações
que são tipicamente interdisciplinares" (in Difícil
é Sentá-los, Ed. Oficina do Livro, 2002, págs. 186
e 187.
Podemos assim concluir que os cursos de banda estreita têm os dias
contados dada a sua rápida obsolescência, pelo que o ensino
politécnico não pode ignorar esta questão se quiser
continuar a atrair alunos e ter, como alguns afirmam, a mesma dignidade
que o ensino universitário. A revisão das Leis em curso
e as próximas eleições para o Instituto Politécnico
de Lisboa dão, a meu ver, a maior oportunidade a esta questão.
* Prof. Coordenador do ISCAL