Cátia Mateus, Fernanda Pedro e
Maribela Freitas
EM NOVEMBRO de 2003, a Ordem dos Enfermeiros (OE) contabilizava
a existência de 43.860 profissionais portadores de cédula
profissional. Ente 1999 e 2003, segundo dados da OE, entraram no activo
10.412 novos profissionais. O saldo é positivo, mas a realidade
é que Portugal ainda figura na lista dos países da União
Europeia (UE) com menor rácio de enfermeiros por cada mil habitantes.
Se a média da UE era, em finais de 2003, qualquer coisa como 5,9
enfermeiros por mil habitantes, em Portugal esta fasquia não ultrapassa
os 4,2 profissionais. Para a bastonária da Ordem dos Enfermeiros,
Maria Augusta Sousa, é um fosso que ainda poderá levar muito
tempo a ultrapassar. Mas a escassez de profissionais de enfermagem não
é, de todo, o único problema a afectar a classe. Numa semana
em que se comemorou o "Dia Internacional do Enfermeiro", o EXPRESSO
foi saber como é exercer esta profissão em Portugal.
"Neste momento, existem serviços hospitalares que encerrariam
se não houvesse enfermeiros que acumulam pelo menos dois empregos.
O Sistema Nacional de Saúde entraria em colapso". Para
a bastonária da OE, trata-se de um dos principais problemas agregados
ao exercício da enfermagem. Escassez de profissionais é
sinónimo de sobrecarga de trabalho, que conduz necessariamente
a um défice de qualidade na prestação de serviços.
Apesar destes problemas, Maria Augusta Sousa adianta que, no que se
refere ao recrutamento de alunos e à formação de
licenciados em enfermagem, "no país estão a ser
cumpridas (e até ultrapassadas) as metas definidas no 'Plano
estratégico para a formação nas áreas da
saúde', apresentado em 2001".
Todavia, para a bastonária, o país ainda tem um longo
caminho a percorrer, a começar pela necessidade de acautelar
a qualidade da formação de novos profissionais. Maria
Augusta Sousa explica que "o ensino da enfermagem, tal como
da medicina, exige um elevado grau de formação em contexto
prático. As regras comunitárias impõem que, no
mínimo, 50% da carga horária lectiva seja dedicada ao
ensino clínico".
Uma necessidade que deixa preocupada a OE, já que o aumento de
cursos nesta área está a gerar problemas em matéria
de estágios (ver texto em baixo).
Para José Carlos Martins, coordenador nacional do Sindicato dos
Enfermeiros Portugueses (SEP), estamos perante uma "extrema"
carência de enfermeiros. "Importa referir que para o rácio
de 4,2 enfermeiros por mil habitantes (dados de acordo com os enfermeiros
inscritos na OE) contribui um elevado número de profissionais
aposentados - que estão inscritos mas já não exercem
- e alguns colegas estrangeiros que, estando inscritos, já não
trabalham no país", alerta aquele responsável.
No sentido de colmatar a carência de profissionais, o SEP apresenta
soluções que passam pela criação por parte
do Governo de um Plano Estratégico de Formação
para este segmento de trabalhadores, de forma sustentada e contínua.
Neste contexto, o SEP não repudia a entrada de enfermeiros estrangeiros,
desde que possuam os requisitos necessários e estejam inscritos
na Ordem. Contudo, a instituição advoga que deve ser uma
situação transitória, até à formação
de novos profissionais.
Precariedade laboral crónica
A diminuição das condições de trabalho,
do número de enfermeiros nos serviços e por turno são
alguns dos problemas laborais que estes trabalhadores enfrentam. Mas
no início de carreira são ainda confrontados com a "precariedade
dos contratos que lhes são propostos - que gera mobilidade entre
instituições -, com dificuldades em efectuar verdadeiros
e correctos processos de integração nos serviços
e com a mudança de serviço dentro das instituições,
que lhes dificulta a aquisição de competências numa
determinada área de exercício da profissão",
revela José Carlos Martins.
Visivelmente preocupada com o ingresso na profissão encontra-se
Guida Lopes, uma estudante a tirar licenciatura na Escola Superior de
Enfermagem de Beja. Aos 21 anos e no terceiro ano do curso, a jovem
está consciente dos problemas inerentes a esta profissão:
"Temos a noção das inúmeras dificuldades
no ingresso na vida activa, apesar da falta de enfermeiros. Os hospitais
SA não renovam os contratos, e mesmo se renovarem não
significa a integração nos quadros".
Para Guida Lopes, é impensável fazerem do hospital uma
empresa. Para ela, trabalhar na saúde significa lidar com pessoas
e não com máquinas. "Vim para esta profissão
porque sempre desejei poder ajudar alguém. Hoje, essa vontade
vai mais além, tenho a consciência de que o nosso trabalho
aumenta a qualidade de vida de quem mais nada espera dela",
explica.
O panorama nacional no meio da enfermagem parece "negro" para
a maioria dos intervenientes, mas para Adão Silva, secretário
de Estado-adjunto do ministro da Saúde, não há
motivo para alarme. Apesar de reconhecer que existe uma escassez de
profissionais no sector, aquele governante não acredita que os
alegados 22 mil enfermeiros em falta seja o número correcto.