Ruben Eiras
Os empresários nacionais querem desenvolver
mais competências técnicas e a força de trabalho intermédia
e operacional, com o objectivo de aumentar a qualidade, a eficácia
e a eficiência dos processos produtivos
O MERCADO da formação em Portugal está a dar alguns
sinais de mudança. Os últimos indicadores revelam que
as empresas portuguesas vão apostar em grande força na
formação de quadros técnicos.
De acordo com o último inquérito às necessidades
de formação profissional das empresas, realizado pelo
Departamento de Estatística do Trabalho, Emprego e Formação
Profissional (DETEFP) do Ministério do Trabalho e Solidariedade,
as entidades inquiridas perspectivam formar cerca de 193.700 pessoas
para funções técnicas e profissões de nível
intermédio.
O segmento com a segunda maior aposta é o dos "Operários,
Artífices e Trabalhadores Similares", com cerca 145.300
pessoas.
Em contraste, a camada dos dirigentes e quadros superiores é
a antepenúltima escolha dos empresários para efeitos de
formação. Segundo Luís Bento, vice-presidente da
Associação Portuguesa de Gestores e Técnicos de
Recursos Humanos (APG), esta é uma "tendência natural,
passada que foi a euforia da formação para quadros superiores".
Para este responsável, o guinar das empresas para a aposta no
desenvolvimento de técnicos de nível intermédio
é resultante de uma das grandes lacunas do sistema educativo
português: "Forma milhares de licenciados - futuros quadros
superiores - e muito poucos quadros intermédios, por desadequação
do ensino técnico-profissional".
Por isso, Luís Bento advoga que as empresas estão a aprender,
"à sua própria custa", a não esperar
que o sistema educativo supra as suas lacunas e "têm que
ser elas próprias a cuidar das suas necessidades".
Joaquim Lavadinho, director-geral da HumanQuare, uma empresa de consultoria
em recursos humanos, também partilha desta perspectiva e sublinha
que "não é de estranhar", já que
são as profissões que estão associadas mais directamente
ao processo de trabalho.
"Tanto os técnicos intermédios como os operários
são grupos profissionais que estão relacionados com o
núcleo central das tarefas técnicas, a zona na empresa
onde estão localizadas algumas das chaves da produtividade, além
da área de gestão", sublinha aquele especialista.
Todavia, Luís Bento ressalva que esta é uma tendência
"a ler com cuidado" nos próximos anos, "para
ver se não é uma moda", mas se revela "bom
senso e preocupações reais com a tessitura profissional"
das empresas portuguesas.
Outro indicador de mudança nas opções de formação
por parte das empresas portuguesas é que 84,6% dos trabalhadores
serão formados na própria empresa, contrariando um movimento
ainda recente de mandar as pessoas para fora da empresa.
Para o dirigente da APG, isto revela uma maior preocupação
com a modalidade de formação-acção, isto
é, formação em sala complementada com a do próprio
posto de trabalho, "afinal o local onde as coisas verdadeiramente
acontecem".
No que diz respeito aos domínios de formação, o
inquérito do DETEFP perspectiva que o marketing e publicidade
sejam as áreas de preferência por parte das empresas.
Para ambos os especialistas, este comportamento indica uma crescente
preocupação dos empresários para criarem marcas
próprias e se adequarem aos mercados e o serviço aos clientes.
Outro estudo do DETEFP, desta feita sobre a execução das
acções de formação profissional, mostra
que a percentagem de empresas com acções de formação
subiu de 13,5% em 2000 para 17,1% em 2001.
Todavia, nenhum dos especialistas está convencido de que este
indicador demonstre uma maior adesão dos empresários nacionais
ao investimento nas competências dos seus trabalhadores.
"Os indicadores gerais revelam que só 18,8% dos trabalhadores
ao serviço teve acesso à formação profissional.
É um número baixíssimo", salienta Luís
Bento.
E Joaquim Lavadinho frisa que, em função dos restantes
dados, só existe uma aposta generalizada na formação
profissional nas empresas de maior dimensão.
Com efeito, cerca de 71% têm mais de 250 empregados, sendo dominantes
os sectores das "Actividades financeiras" ou "Produção
e distribuição de electricidade, gás e água",
com 59% e 56%, respectivamente.
"Além disso, a metodologia seguida em 2001 foi diferente
- exclui o Sistema de Aprendizagem - da utilizada em 2000, pelo que
os resultados não são verdadeiramente comparáveis",
sublinha Luís Bento.
O maior investimento nas profissões intermédias está
relacionado com o aumento a produtividade
O mesmo documento também revela uma quebra no número de
participantes e na duração média de horas na formação.
Mas também aumentou o número de acções formativas.
Para Joaquim Lavadinho, a diminuição do número
de participantes nas acções de formação
em 2001 pode ser explicada pelo facto de ter "diminuído
o número de acções de formação frequentadas
por um mesmo trabalhador".
O dirigente da APG acrescenta ainda que este comportamento do mercado
significa "claramente um desinvestimento na formação
mais qualificante" e o predomínio de acções
de curta duração, "exactamente aquelas destinadas
ao lançamento de novos produtos e serviços".
Isto porque, de acordo com aquele responsável, a crise económica
fez disparar os portefólios de produtos das empresas financeiras
(bancos e seguradoras).
Mas Luís Bento contrapõe que estes dados também
podem significar um movimento consistente de segmentação
da formação, adequando os conteúdos e a duração
às realidades de trabalho.
Joaquim Lavadinho também concorda, referindo que "a redução
do número médio de horas por acção formativa
e o crescimento do número de acções pode significar
a existência de uma procura mais diversificada de conteúdos
por parte das empresas, como também uma melhor estruturação
no que respeita a cargas horárias".
No entanto, Luís Bento aconselha uma análise cautelosa.
"Vamos esperar pelos dados de 2002 para podermos analisar com
mais profundidade e verificar se é esta a tendência. Se
efectivamente isso acontecer é um bom sinal de robustez para
os sistemas de formação das empresas", remata.