Cátia Mateus
WILSON Pumakayo chegou a Portugal há 12 anos. A história deste músico peruano tem um misto de determinação e inconformismo suficientes para que constitua um exemplo. Compara o seu estilo de vida ao de um saltimbanco em busca de constantes descobertas. Um modo de estar que não o deixou criar amarras e fez com que viajasse pela Europa como «embaixador» da cultura peruana, mostrando a arte dos países andinos com o grupo Takile de los Andes. Em 1991, vem actuar à festa do «Avante», apaixona-se pelo país e fica por cá.
Foi na sequência de uma visita à família no Peru que descobriu as potencialidades do negócio. «Trouxe para Portugal um pequeno ‘stock’ de objectos artesanais que vendi imediatamente», relembra. O sucesso dos seus produtos permitiu delinear um projecto cultural mais ambicioso que integra a música, o artesanato, a pintura e a escultura andinas. «Para sobreviver vendia artesanato em feiras, actuava com o grupo, fabricava e restaurava esculturas em madeira», explica.
Hoje, tem a sua própria loja, em Lisboa. A Espírito Nativo soma quase três anos. Para criar a empresa, Wilson Pumakayo recorreu ao apoio da Associação Nacional de Direito ao Crédito (ANDC). «O facto de ser imigrante trouxe dificuldades adicionais. Era impossível financiar-me junto da banca e como precisava apenas de cinco mil euros de investimento recorri ao microcrédito», refere. Apesar das dificuldades, o empresário garante que «acreditar e não desistir é um bom princípio para tudo». E estava certo. O negócio é um sucesso e já lhe permitiu ampliar a loja.
A artista plástica, Lidija Kolovrat, natural da Bósnia, não precisou de recorrer a qualquer tipo de crédito para criar a Rua do Mundo, uma pequena loja de produtos naturais. Está em Portugal há 15 anos e não se pode queixar do acolhimento que o país lhe tem dado. Tem ganho a vida com as suas criações como estilista e «designer» e até já desfilou na Moda Lisboa. No ano passado, a vontade de criar o seu negócio falou mais alto.
Determinação é crucial
Em conjunto com uma sócia abriu a Rua do Mundo, uma pequena loja de produtos naturais, no Largo da Trindade, em Lisboa. O pão é o «ex libris» da loja, mas lá é possível encontrar uma vasta gama de produtos biológicos de várias nacionalidades. Lidjia Kolovrat explica que a Rua do Mundo está a ter uma boa aceitação por parte do público e que «o próximo passo é criar uma rede para importar produtos biológicos raros de várias origens». Para a empresária, o facto de ser imigrante pode ter causado dificuldades na concretização deste projecto, mas esclarece que «não foi por isso que a Rua do Mundo deixou de abrir». Lidjia Kolovrat não tem dúvidas de que «em Portugal tudo se faz lentamente, mas a determinação e força de vontade operam milagres».
Wilson Pumakayo e Lidjia Kolovrat personificam a realidade de muitos imigrantes em Portugal que não se deixaram intimidar pelas dificuldades burocráticas ou financeiras e decidiram criar o seu próprio negócio. Chegam de longe, contrariam a tendência de trabalho assalariado que caracteriza a maioria dos imigrantes e mostram que determinação é tudo no mundo empresarial. Segundo o Alto Comissariado para Imigração e Minorias Étnicas (ACIME), actualmente, o país totaliza 400 mil imigrantes legais que representam 5% do Produto Interno Bruto nacional.
A obrigatoriedade de trabalhar por conta de outrem para obter um visto de residência obriga a que, nos primeiros anos de permanência no país, uma importante parcela desta comunidade não possa aspirar a criar um negócio próprio. Mesmo assim, a investigadora Catarina Oliveira — autora do estudo «Estratégias Empresariais de Imigrantes em Portugal» — não tem dúvidas em afirmar que «os imigrantes legalizados em Portugal têm maior propensão para ser trabalhadores por conta própria do que os portugueses».
De acordo com a sua análise, entre os estrangeiros presentes no país, com autorização de residência, «são os norte-americanos e os europeus que apresentam as maiores taxas de empreendedorismo». Se entre estas nacionalidades o espírito empreendedor totaliza 40 %, os portugueses ficam-se pelos 26. A autora revela ainda que os imigrantes africanos apresentam a taxa mais baixa de empreendedorismo não excedendo os 5%.
Segundo Catarina Oliveira, «a realidade mostra que não são os recursos comunitários e as oportunidades da sociedade de acolhimento em si que determinam a iniciativa empresarial, mas antes a capacidade que o indivíduo tem de os aproveitar, ou seja, os recursos pessoais do imigrante». Mas a investigadora não nega que «nem todas as condições legais possibilitam ao imigrante desenvolver uma actividade empresarial regular em Portugal».
Uma opinião partilhada pelo coordenador do Observatório da Imigração, Roberto Carneiro. Para o responsável, uma das limitações com que se deparam os imigrantes no desenvolvimento da sua actividade empresarial resulta da própria legislação em vigor. «Apenas os estrangeiros providos de uma autorização de residência ou visto de trabalho de tipo III podem desenvolver uma actividade empresarial pois os estrangeiros com autorização de permanência, legalmente apenas podem trabalhar como assalariados com contrato de trabalho», refere.
Segundo aquele especialista, Portugal ainda proporciona poucos incentivos às iniciativas empresarias dos imigrantes. «O país tem orientado as suas políticas para a inserção dos imigrantes em segmentos específicos do mercado de trabalho (construção civil, indústria, agricultura, hotelaria e restauração) e para o trabalho dependente», explica. Roberto Carneiro defende que a iniciativa empresarial entre os imigrantes presentes no país deve ser estimulada, «quer através da consolidação da capacidade de risco e de empreendedorismo, quer na aposta pela inovação».