Ruben Eiras
PORTUGAL é o único país da UE cujo Governo não
mostra qualquer compromisso político para incluir o empreendedorismo
no sistema educativo.
A conclusão é da Comissão Europeia, num recente
relatório de um grupo de peritos sobre as iniciativas de educação
e formação para o desenvolvimento do espírito empreendedor.
A equipa de investigadores elaborou a análise com base num conjunto
específico de indicadores-chave. Foram retratados o ensino do empreendedorismo
no básico e secundário, a formação de professores
na temática, a cooperação entre escolas e empresas
na promoção da capacidade de iniciativa e as disciplinas
e actividades nesta área no segmento universitário.
De acordo com os resultados daquela pesquisa, a maioria dos Estados-membros
demonstra vontade política a nível governamental para promover
o ensino do empreendedorismo a vários níveis do sistema
de educação.
Todavia, em Portugal, o cenário é totalmente o oposto.
Segundo aqueles especialistas, as acções que estão
a ser desenvolvidas - seminários e visitas, por exemplo - pelos
ministérios da Educação e da Economia, como as das
organizações privadas com ligações estreitas
a instituições educativas, estão totalmente separadas
do sistema educativo nacional.
"O empreendedorismo é um tema novo e todos nós sabemos
que o nosso sistema de ensino é extremamente renitente a incorporar,
no seu corpo disciplinar, as contribuições que vêm
da vida prática e, muito particularmente, da vida empresarial",
refere Mário Ceitil, docente na Universidade Lusófona e
director-geral da Cegoc.
"Não podemos praticar um tipo de ensino assente em métodos
de aprendizagem tradicionais, que estimulam a memorização,
a incorporação apócrifa e acrítica de conhecimentos
e a assimilação passiva de valores", critica.
Com efeito, a passividade atravessa toda a estrutura educativa. O relatório
europeu indica que no ensino primário não existem "quaisquer
medidas específicas para promover o empreendedorismo"
e que as iniciativas para desenvolver as competências empreendedoras
nas escolas secundárias possuem "uma aplicação
limitada e ocasional".
Contudo, o documento enfatiza que é crucial fomentar o espírito
empreendedor neste último grau de ensino, para servir de "semente"
na futura vida profissional dos jovens trabalhadores e na sua passagem
para o ensino superior.
A nível universitário, o panorama já é mais
animador. O estudo realça que já prosperam uma série
de programas de formação avançada em gestão
e empreendedorismo - ainda que de uma forma descoordenada -, os quais
são frequentados por potenciais empresários e alguns professores.
Para inverter esta situação, Mário Ceitil defende
que o ensino deve ser exigente, provocatório e criar no aluno o
sentimento do risco da "não-aprendizagem".
"A vida não é fácil. E, portanto, a aprendizagem
para a vida também não o deve ser. Por isso, os alunos têm
que ser instados a dar o melhor de si e a sentir a 'dor' de conseguirem
ser criativos e originais", reforça.
Só que para realizar esta mudança de mentalidade nos estudantes,
a do corpo docente também tem de seguir o mesmo caminho. Ricardo
Luz, director da Gestluz, uma empresa de formação centrada
na inovação, ressalva que os professores devem manter um
contacto permanente com empreendedores e com toda a sua envolvente empresarial.
A ligação entre a escola e a empresa assentaria na definição
de objectivos para projectos educativos e projectos pessoais de desenvolvimento,
"com a atribuição de meios para a obtenção
dessas metas, acompanhamento e controlo das acções, avaliação
dos resultados e a respectiva recompensa pelo seu mérito",
refere.
Uma posição também defendida por Crespo de Carvalho,
professor no Instituto de Desenvolvimento da Gestão Empresarial
(Indeg) do ISCTE e autor do recente livro Ensino Superior: Modelo de Gestão,
Mérito e Responsabilização. Para este académico,
é fundamental que o corpo docente, no caso do ensino superior,
passe a ser avaliado por indicadores de "performance" completos
e objectivos.
A título de exemplo, Crespo de Carvalho menciona o grau de prestação
de serviços à comunidade por parte do docente, os recursos
financeiros que este consegue para a instituição, a qualidade
da supervisão de estudantes de doutoramento e mestrado, os projectos
em que está inserido, as publicações académicas
e profissionais e o seu nível de presença no exterior, isto
é, ligação às empresas e aos fóruns
de contacto com a realidade quotidiana.
Quanto à metodologia de ensino, aquele docente defende que esta
deverá assentar nos "estudos de casos, das simulações
de situações reais e do estudo de contextos empresariais
diversos por forma a que os alunos, a partir daí, possam retirar
as ilações conceptuais e criar o melhor ambiente para a
exploração e a compreensão da teoria, numa perspectiva
prática" (ver caixa).
Todavia, Crespo de Carvalho volta a sublinhar que nenhuma destas medidas
será possível se o financiamento do ensino superior público
não for realizado em função dos resultados e a remuneração
dos docentes se basear no mérito, na avaliação por
resultados e em grelhas de avaliação integradas, completas
e passíveis de serem aplicadas
Professores com espírito de risco
O GRUPO de peritos da Comissão Europeia identificou o perfil do
docente que ensina o empreendedorismo, cujo método de ensino deverá
integrar duas componentes:
Comportamental - educar para criar atitudes e competências
empreendedoras, processo que envolve o desenvolvimento de determinadas
qualidades pessoais, mas não directamente focalizado na criação
de novos negócios
Técnico - formar sobre as técnicas
de como criar um negócio
Estratégias educativas a serem desenvolvidas segundo
cada nível de ensino
Educação básica: fomentar as
qualidades pessoais, como a criatividade, o espírito de iniciativa
e independência, bases da atitude empreendedora. Desenvolver formas
de aprendizagem activas e autónomas que forneçam aos jovens
conhecimento e contacto precoces com o mundo dos negócios, de modo
a compreenderem o papel dos empreendedores na comunidade. As actividades
a ser efectuadas poderão ser projectos, aprender por brincar, a
apresentação de estudos de caso simples e visitas a empresas
locais.
Educação secundária: aumentar
a consciencialização dos alunos para o auto-emprego como
uma possível opção de carreira, passando a mensagem
de que é possível não só ser empregado, mas
também um empreendedor. Aprender fazendo, por exemplo, ao gerir
mini-empresas. Formação específica em como criar
um negócio, especialmente em escolas técnicoprofissionais.
Educação superior: formação
sobre como criar e gerir um negócio, incluindo a concepção
de um plano de negócios real e das competências associadas
com os métodos de identificação e acesso a oportunidades
de negócio. Encorajar e apoiar ideias de negócio embrionárias
- providenciar empréstimos especiais, mentorização,
infra-estruturas -, para que projectos munidos de uma pesquisa profunda
possam ser postos em prática e finalmente chegarem ao mercado.